Por Joka Madruga
Terra Sem Males e Movimento dos Atingidos por Barragens
Muito tem se falado da histórica cidade mineira de Mariana. Pouco de Barra Longa, cidade vizinha e que foi parcialmente destruída pela lama da Vale/BHP-Billiton/Samarco, inundada pelo rio do Carmo. Cheguei lá junto com um grupo de médicos populares e uma amiga, também jornalista. Percebemos que a destruição causada pelas mineradoras não escolheu classe social. Atingiu ricos e pobres. Mas claro que os pobres sempre sofrem mais.
Chegamos no meio de uma reunião dos atingidos com o Movimento dos Atingidos por Barragens e a Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais, que acontecia na Igreja Católica e que virou referencia para os desabrigados. O olhar das pessoas atingidas revelava o temor pelo futuro. Não perderam a vida, mas a tiveram desconstruída por causa da ganância de uns poucos.
Muitos trabalhadores do comércio estão desempregados, pois foram demitidos. O bares, hotéis, pousadas, restaurantes e lojas da parte baixa da cidade foram atingidas. Sem renda, os proprietários tiveram que tomar uma medida extrema: demitir. Alguns agricultores e pecuaristas ficaram isolados e perderam produção, de leite especialmente.
No entanto, a maior reclamação dos moradores é de que não foram avisados. O rompimento da barragem de Fundão aconteceu por volta das 16h30. A lama chegou em Barra Longa às 3h30 da madrugada. Tempo suficiente para ligarem para a defesa civil da cidade e retirar as pessoas dos locais de risco. Não foi registrada nenhuma morte nesta localidade, mas a indignação da comunidade é grande. Muitos acreditaram no boato de que a lama não chegaria em Barra Longa e por isto perderam tudo.
A lama levou vidas humanas, documentos pessoais, móveis, automóveis, animais, casas, roupas e tantas outras coisas mais. Mas não levou a fé e a indignação deste povo mineiro que tem recebido ajuda do mundo inteiro. E um dos principais atores na luta por seus direitos tem sido o Movimento dos Atingidos por Barragens, que tem organizado os atingidos e atingidas. Orientando e sendo um interlocutor com os poderes executivo, legislativo e judiciário.
Abaixo segue alguns relatos de moradores e atingidos:
Sandra de Oliveira, Secretária Municipal de Assistência Social, explica como está o planejamento para atender a população: “primeiro distribuímos para as famílias atingidas diretamente. Mas agora começamos a atender as parcialmente atingidas, que são as pessoas que perderam empregos ou ficaram isoladas”. Ela relata que ainda não tem previsão de quando a cidade volta ao normal.
Maria Celeste, proprietária do Hotel Xavier, teve parte de seu estabelecimento inundada pela lama. Ela reclama que a Samarco quer pagar o preço abaixo de tabela, pelo tempo que está sem hóspedes. “Em momento algum a Samarco avisou Barra Longa (que a lama descia). Eu acho até que eles não sabiam a dimensão do problema que eles causaram. E hoje eles estão ai, colocando preço nas nossas mercadorias”, desabafa Celeste, que recebe em seu hotel mais de 10 voluntários da Igreja Batista sem cobrar nada.
Adilson de Paula, teve prejuízos com um carro da marca Gol que estava na garagem de sua residência e que fica na parte superior do imóvel. Ao lado havia um comércio especializado na venda de queijos, do irmão de seu patrão e tudo foi devastado.
Denise Ferreira, professora, acredita que esta tragédia foi maior que a enchente que teve em 1979, quando o rio do Carmo inundou a parte baixa da cidade. Ela ficou sabendo sobre o rompimento pela televisão e que a lama só iria atingir a praça da cidade, que fica nas margens do rio. “Muita gente não acreditou que a lama chegasse acima da praça e por isso nem tiraram as coisas de suas casas”, relata.
Gilinho, dono do posto de combustíveis, teve sua casa destruída nos arredores da praça. Ele foi acordado por seu tio às 3h30 da madrugada, que ouviu as notícias e correu socorrê-lo. “Podiam (Samarco) ter vindo na frente avisando, pois tinha tempo para isso”, reclama o empresário indignado, pois a lama chegou em Barra Longa 11 horas depois do rompimento.
Jésus Neves, nascido em Barra Longa há 84 anos, nunca imaginou, nem em sonho que uma tragédia desta poderia acontecer. “Nem sabia que a barragem era tão grande a ponto de causar tanto estrago”, confidencia. Assim como outros moradores, ele acredita que era possível ter evitado tanto prejuízo, devido ao tanto de dinheiro que a Samarco/Vale/BHP-Billiton lucra com a mineração.
Andreia Luiza, tinha sua casa nos arredores da praça, é artesã e perdeu tudo. Inclusive seu material de trabalho. “Minha casa era confortável e foi tudo embora. Em horas vi minha vida ser destruída”, desabafa.

Voluntários limpam as residências dos atingidos. O marrom na parede é a marca de onde a lama chegou. Foto: Joka Madruga

Bem-te-vi em cima de um monte de lama, nas margens do rio do Carmo. Quanto tempo a natureza levará para se recompor da ganância de uns poucos? Foto: Joka Madruga
Matéria relacionada: ATINGIDOS PELA LAMA DA SAMARCO (VALE/BHP-BILLITON) NÃO SÃO SÓ OS DESABRIGADOS