para Susi Monte Serrat
Era para construir um muro, só isso.
A intimação chegou e João não acreditava. Ou achava que não estava compreendendo direito e então voltava a ler o documento, com atenção redobrada naqueles parágrafos longos, de poucas vírgulas e muitos adjetivos.
Teria que construir um cercado em frente à casa. Talvez a única residência que se conservava sem nenhum portão de entrada era a dele. Mas esse um detalhe que ele mesmo só foi perceber depois que recebeu a intimação.
João sempre fez questão de deixar tudo aberto, as árvores sem nenhum corte, quase uma floresta agroecológica onde o visitante aventureiro não acharia a campainha e nem a caixa dos correios.
Tudo isso estava fora da lei, explicava o documento que tinham nas mãos. O uso do solo e a legislação para o território. A notificação e o prazo para resolver o problema. A multa, as consequências.
João seria penalizado se não construísse um muro em volta da casa. Por dois segundos, pensou em pedir orientação para o vizinho. Mas era domingo, resolveu deixar a decisão para outro momento e empilhou a carta judicial no monte de jornais de bairro antigos.
Irônico, ainda consultou os animais da casa. De acordo com ele, os dois cães foram favoráveis porque precisam de grades para proteger sua ira atrás delas.
Já os gatos foram indiferentes e também ignoraram, porque nunca reconheceram direito essa prática estranha de construir muros.
Por Pedro Carrano
Mate, café e letras
Terra Sem Males