As primeiras vezes que visitamos o cinzento, o cavalo que pastava no terreno perto de casa, meus pais avisaram para eu não me aproximar.
Mesmo assim a gente ergueu entre os pés e as mãos o arame farpado, entrou naquele território estranho, no início com certo medo, e tentou domesticar aquele animal gigante que não sabíamos de quem era. Mas o bicho vivia ali, era alimentado de vez em quando, com alguma ração e água.
Aos poucos a gente pegou coragem e montando o cavalo, mesmo que no pelo. Ele aceitava, desde que sentisse a gente firme no propósito. Era a forma que a gente passava os dias naquela terra abandonada dentro da cidade.
A gente chegou a bolar um plano para sair com ele pela vizinhança do Novo Mundo, passar perto da escola para exibir a nossa raridade, mas não tivemos coragem mesmo de executar o plano.
Meu pai sabia o que a gente andava fazendo, mas fingia que não notava, ou não queria se preocupar com o que pudesse acontecer. Minha mãe se preocupava. Mas na manhã daquelas de férias de julho ele me sondou para saber sobre o cavalo, se eu gostava dele, algumas perguntas que pareciam sem muito sentido.
No fundo, ele me investigava para preparar a notícia.
Ele também decretou a ordem e eu nem tive como questioná-lo: não era para nos próximos dois ou três dias sequer passar na frente do terreno.
Mais tarde fui saber, a internet tem dessas rapidezas. Restavam os ossos, a cabeça de cinzento e um rastro vermelho cor de vinho pelo chão daquele terreno que tinha rendido desenhos na escola e outros sonhos para a gente.
Aquelas capas de jornais nas bancas também explicavam: o cavalo sem nome foi atacado naquela madrugada por um grupo que passou a faca nas melhores partes da carne e partiu sem precisar de grandes explicações. A vizinhança ouviu os relinchos, mas não acudiu. Ninguém reivindicou a propriedade do terreno ainda.
É a crise, minha mãe resumiu, com certo ar de resignação.
Por Pedro Carrano
Mate, café e letras
Terra Sem Males