A gente era criança e quase acreditava nos boatos naquele 1989. E tinha medo que alguém viria dividir o nosso quarto no meio, a bola de futebol e até a bicicleta. E olha que o quarto já era pequeno, mas tinha alguns malucos na vizinhança achando que iam perder um palácio e um carrão que nem tinham.
A gente ouvia o candidato de terno e cabelo com gel falar mal do operário, e ficava assustado com uma tal de União Soviética, que ele esperneava tanto que parecia o grande problema do mundo. E daí a gente olhava o sofá da sala e era o pai que estava desempregado. E a mãe que trabalhava sem parar, em casa, no colégio e dando aula particular.
A gente elegeu um candidato que falava inglês, pra depois ver um monte de gente assustada que a poupança ia ser confiscada. A gente achava engraçada a propaganda, que parecia tipo um vídeo-game, na qual o candidato dono de canais de TV e de empresas ia acabar acabar numa tacada com “os marajás e com o serviço público” e queria assinar um monte de acordo com os gringos.
Mas a gente também também desconfiava um pouco porque ele falava tudo aquilo tendo um monte de regalias, tinha jet-sky, andava de submarino, tinha a tal da “mansão da Dinda”. E o pai pelo menos dizia: “Eu não voto nesse louco!”. E às vezes a gente repetia na escola de tanto ouvir por aí que “O povo unido jamais será vencido”.
E também não tinha nem sombra dos reis barbudos dos livros do JJ Veiga e nem coturnos dos militares, que tinham saída de cena há pouco.
Mas agora, tanto tempo depois, tem gente que quer continuar escolhendo o que agrada só os ricos. Mas a gente cresceu e não pode cometer aqueles mesmos erros. A consequência vai ser bem pior que naquele 1989 que ainda dava pra sonhar com ilusões e saídas fáceis.
2018
#Elenão #HaddadSim
Por Pedro Carrano
Foto: Ricardo Stuckert