Parte 1 – O Massacre
Parte 2 – A guerra de informações
Parte 3 – As bombas na mente
Parte 1 – O Massacre
“Os senadores não conseguiram suspender a votação”. A fala no caminhão de som ecoou como uma senha. Um curto silêncio. Um arrepio na espinha. Começou. Tiros e bombas estouram. A massa começa a recuar. Para. Parece que foi só um curto confronto na linha de frente. “Resistência”, diz, dizem. O pelotão civil desorganizado retoma a fileira. Do outro, lado, organizado, o Choque chega. Tiros. Sem violência. Bomba de gás. Gritos. Jato de água. Corre corre. A fumaça sobe. Os olhos vertem lágrimas de medo, de irritação. Tiro. Bomba. Covardia. Os feridos já aparecem. Costelas marcadas. Costas marcadas de tiro de bomba. Rostos cicatrizados. “Ambulância, ambulância, por favor”. Choque segue avançando. Bomba. Safadeza. A massa foge por onde dá. Os blocs, que mais tarde serviram de bode expiatório para truculência estatal, aventuram-se a resgatar feridos. Tiros. Bomba. As mochilas novamente se abrem. Não tem coquetel molotov. Mais vinagre, panos, magnésio são compartilhados. As espingardas são miradas em direção aos manifestantes que devolvem mirando seis celulares. Mais tarde, se verá vídeos e fotos de pessoas tentando enfrentar no peito a força policial, de jovens escondidos atrás de papelões, da realidade que desmentirá a versão do governo.
Bombas, tiros. A multidão já recuou mais de 100 metros. Se acumulam, espremidas, no contorno da Loba. A Prefeitura de Curitiba vira hospital de campanha. O Choque e o Caveirão seguem avançando. De repente, tudo para. Sessão suspensa. A massa vibra. “Um deputado foi mordido por cachorro”, informam. “Um cinegrafista também”, completam. A massa está entusiasmada. Sabe-se lá porque, tenta avançar. Creem que voltou juízo ao comando do governo do estado. Já se passou mais de uma hora de ataque, de massacre a professores, servidores estaduais, estudantes, sindicalistas e imprensa. Mas o festejo foi curto. O helicóptero da PM, que mais cedo fez vôos rasantes para virar barracas, aparece se deslocando de lado, como beija-flor do caos, e bombas começam a cair novamente na cabeça das pessoas. A massa protesta, o Choque não hesita. Talvez aquelas máscaras sejam vedadas contra o som. Não escutam nada, sequer uma senadora da República apelam que parassem.
Tiros. Bombas. De dentro da Assembléia Legislativa, o presidente ordena que votem, pois o conflito é lá fora. Deputados do Camburão que em fevereiro ficaram com o cu na mão, agora comemoram. A ordem é atacar. A motivação é a vingança. Nas redes sociais já circula a frase: pede intervenção militar e é tratado com educação, peça Educação e ganha intervenção militar. Ninguém os segura. Os milicos e sua sanha por violência. Conforme evacuam o perímetro, sobra espaço pela lateral, na Praça Nossa Senhora de Salete. Mas ninguém se atreve a avançar. Por trás, do ângulo dos agressores, no Palácio do Governo o clima era de total segurança. Ali se podia ver as manobras militares. Os grupos se revezando na proteção de si próprios enquanto outros partiam para o ataque. Alguns PMs pareciam estar constrangidos. Mais tarde se noticiaria que pelo menos 17 foram presos por se negarem a cumprir ordens. “Ordem e progresso” de bater em professores. Mas outros PMs riam ou conversavam sem remorso. Enquanto isso, caixas e caixas eram trazidas com munições. Balas de borrachas.
Bombas de gás. Mais de 1500 disparados. A Assembleia Legislativa virara um paiol. Ao invés da casa do povo, depósito do fogo. Lá se vão duas horas de massacre. Algumas pessoas, cinco, passam presas. São os bodes expiatórios. O Choque, após avançar até a Prefeitura de Curitiba, uns 500 metros, sem sequer ter retrocedido, enfim para. Outro senador da República protesta. A tropa se recolhe. A massa novamente avança, mas sem qualquer alarido. Acabou. A votação sequer começou, mas a resistência fora completamente contida. No chão, capsulas e mais capsulas de balas, sobras de bombas. O povo recolhe os artefatos como troféu. O rapaz do churrasquinho de gato se posiciona novamente. O preço é o mesmo. Agora, com “aroma de pimenta da PM”, anuncia. As pessoas vão embora. O caminhão de som anuncia os presos, os feridos e para quais hospitais foram enviados, as caravanas que partem, os pertences encontrados, a esperança vencida.
Termina o massacre. Começa a guerra da informação.