Por Pedro Carrano
Crônicas latinoamericanas
Terra Sem Males
Noite de véspera de um feriado gelado em Curitiba.
Uma a uma, pessoas se aproximam da batucada e do megafone.
Parecia, de início, que ninguém compareceria, apesar das confirmações no evento. Estudantes e velhos formaram uma roda. Ficavam um pouco em silêncio e logo alguém se encorajava a dizer algumas palavras no megafone.
Os mais velhos falavam do período da ditadura. Que a luta agora não podia esmorecer. Que a importância de defender a cultura e a arte, uma pauta um tanto sumida de cena nos últimos anos. Que o ministro da educação havia acabado de se reunir com Alexandre Frota.
Jovens que entram na luta, indignados e se sentem à vontade neste momento para protestar contra um governo caricato. Porto Alegre e São Paulo reuniram centenas poucos dias antes. Belo Horizonte e Brasília também.
A marcha em Curitiba deu a largada, com gritos maiores que a pequena caixa de som, ganhando um corpo que não parecia ter ainda na praça.
Atravessou a Osório na direção da rua Comendador Araújo. Passou em frente ao Hard Rock Café, bares e tabacarias onde velhos e jovens velhos vestiam suéteres e fumavam charutos tranquilos. Muitos assistiam impassíveis àquela batucada toda. Não conseguiam reagir, mesmo nas terras da Lava Jato, talvez depois de tantas trapalhadas em tão pouco tempo e do rápido desencanto com o governo golpista.
A marcha já reunia umas 200 pessoas e seguia rumo ao diretório do PMDB para fazer o escracho. Na descida da rua Coronel Dulcídio, alguns poucos ovos se chocavam contra o asfalto, vindos do alto dos prédios.
A juventude então encarava, não se dava por vencida, ia para baixo das marquises dos prédios, exibia cartazes com as carinhas do Temer, Jucá e do Cunha.
“- Abaixo, golpista, capacho imperialista!”.
Lá em cima, indiferença. Nalgumas janelas, tremulava uma ou outra bandeira vermelha, tentando mostrar ânimo. Em frente ao diretório pmdbista, orações do pai nosso adaptadas para o governo: “Temer que estás no governo e não seja por muito tempo”. O boneco do Cunha queimado, jograis e grafites no prédio.
A juventude exorcizando uma política que não pode ser a sua, que deve ser de outra forma. A mulher, o negro, o índio, o jovem, a terceirizada, o operário, o artista seguem do lado de fora.
A batucada do Levante não se cansava:
– “Michel Temer
Decorativo e golpista
Armou o golpe, escondido e na surdina
É assim que tá o Brasil
Veja a situação
Temer tá rasgando a nossa Constituição”.
O retorno foi unificado – até para evitar qualquer possível problema –, pela Vicente Machado, numa estranha procissão que foi silenciando bar a bar. Pequeno ou não. No frio ou não. A sensação de que para todos ali ainda era só o começo.