A minha crônica utilizará esta imagem. É um quadro de Caravaggio. Chama-se “A incredulidade de São Tomé”. Uma pintura do século XVI (1599). Portanto, antes do Iluminismo. A representação é forte e questiona a Igreja, extremamente poderoso e obscura. É um realismo muito intenso.
Uso esta pintura de exemplo para comparar ao personagem crucificado na Parada da Diversidade, em São Paulo. Ambas de um realismo perturbador. E esse é um dos papéis da arte. Chocar. Provocar o debate. Tirar a sociedade da zona de conforto. A representação do travesti crucificado no lugar de Jesus é brilhante. Ainda mais porque é arte viva. É carne, osso e silicone. Traz em si também o grande debate que permeia nossos tempos.
Personagens religiosos cada vez mais caricatos e preconceituosos. Tal qual os carolas do século XVI. “Pensadores” cada vez mais preocupados em fazer a faxina social do que promover a solidariedade. Do outro lado, assim como foram os cientistas, os burgueses, aqueles que não pertenciam e questionavam o clérigo, são atualmente os homossexuais perseguidos, agredidos.
São esses os escolhidos como personagens a serem excluídos da nossa convivência, como um dia foram as mulheres, como um dia foram os índios, como um dia foram os índios. Por isso, a crucificação é tão reveladora. Porque desnuda. Revela na medida em que a representação é combatida com ódio e insulto e não com compreensão.
O movimento colocou o dedo na ferida. Colocou o dedo no âmago da sociedade que pode optar por queimar ou por perdoar o que sequer precisa ser perdoado, apenas aceito.
Por Manoel Ramires
Crônicas Curitibanas