Polícia recebe ordens e Beto Richa e ataca professores. Foto: Leandro Taques.
A minha crônica teria o tom ainda ameno. Embora o sangue esteja pulsando, os dedos tremendo e a vontade impulsionando, não queria elevar o tom contra o governo por perceber que os governantes já não são tão capazes de manter o juízo. O título da crônica, nesta perspectiva, seria “Beto Richa flerta com a ditadura”.
Os elementos para enxergar isso, durante o primeiro dia de greve, 27 de abril de 2015, são muitos. Simulação de uma votação dentro da assembleia legislativa. Perímetro do Centro Cívico sitiado. Justiça agindo para oprimir. Indignação coletiva calada por uma pistola que a qualquer momento pudesse falar quando fosse acionado. Ao cidadão, a aquele que perde um direito, é dever protestar, é lícito até perder o controle. Ao Estado, senhor de si, dono do monopólio da força, não pode agir ou reagir a uma pedrada, a um olhar feio, a um breve xingamento.
E a desproporção de força era tão grande que não houve confronto ao longo do dia. Mas houve surra. Um verdadeiro lixamento moral em todos os manifestantes, impotentes que estavam ao ouvir (ver fora impedido) os deputados aprovando o assalto de seu futuro. Havia sim uma e outra manifestação, palavras de ordem, mas o clima geral era de velório. Era a morte da democracia. E toda vez que um companheiro, um camarada de luta nos deixa, é obrigatório dizer: presente.
De lamento em lamento seguiria a vigília, rolaria a madrugada. Mas Beto Richa desistiu do flerte com a repressão e tomou a força à Ditadura em seus braços. E agora não há mais como conter as palavras sem temer que elas sejam apagadas a base de borrachada. O governo atravessou a linha que ele mesmo montara. Insatisfeito que está em apenas vencer, Richa quer eliminar e humilhar essa resistência e qualquer outra que venha a ocorrer no futuro. Não há trégua. O padrão da força e medo está estabelecido. Sua prova foi agir na surdina, no meio da madrugada, longe da imprensa e quando a maioria dorme. A tropa foi para o ataque. Choque, gás de pimenta, tiros. Tudo isso em um cenário em que cadeias estão superlotadas, que a corrupção é abafada, que jornalistas são exilados.
O que fazer? Resistir. A mão treme indignada, a verdade foi sequestrada, o medo é o padrão, mas o coração ainda pulsa.
Por Manolo Ramires
Terra Sem Males