Por Pedro Carrano
Crônicas de Sexta
Terra Sem Males
I – Hotel Texas
No quarto 25 do hotel Texas dorme a mulher do realejo das canções repetidas, junto com os três filhos. O mais velho se pendura de cabeça para baixo nas barras do metrô e pede algumas moedas ao público enquanto se prepara para as próximas olimpíadas.
No quarto 10 vive o vendedor do bosque de Chapultepec que expõe no parque as máscaras dos lutadores de luta livre.
Já no quarto ao lado há um amontoado de quinquilharias made in Vietnam, vendidas por Juan no infinito comércio ambulante da capital.
Maria Guadalupe assiste, no quarto 9, ao desfile do Papa por toda a capital. Ela pediu sem êxito um encontro com Francisco para falar de um parente desaparecido, um entre 27 mil pessoas, devido ao narcotráfico, ao estado militarizado, ao feminicídio.
Guadalupe soube que os pais dos 43 estudantes desaparecidos de Ayotzinapa também não conseguiram se reunir com Francisco.
E assim Guadalupe se soma, no seu quarto solitário a princípio, ao país daqueles cuja voz também foi desaparecida.
II – Estação pirâmide
Era o único momento em que o menino podia ficar em silêncio.
Depois de partir da turbulenta estação norte, perto do meio-dia, ele podia descer do ônibus, não precisava vender sanduíches e refrescos por um instante e, mesmo com o sol castigando, subia as mais de cem escadas da pirâmide de Teotihuacan, para respirar o vento forte em meio à euforia dos turistas.
Apesar de tudo, e sem conhecer ao certo a história de cada uma daquelas pedras, ali no alto o menino encontrava alguns minutos de paz e silêncio, que não sabia explicar bem, mas do qual necessitava muito.
Depois voltava à estrada, mudando de ônibus de estação em estação.

Foto: Pedro Carrano
III – Cidade do México
Logo ao chegar, atravessávamos cada estação com nomes que nos eram familiares: Allende, Zapata, Revolución. O país de mexicas e astecas amontoados nos vagões do metrô – espelho invertido do que mostram os cartazes de publicidade.
Num engano, Venâncio, nosso anti-guia, nos conduz ao vagão que iria se recolher, na estação final de Índios Verdes. O maquinário se fechou conosco lá dentro, deu marcha a ré e entrou o pátio, ao lado de outros vagões abandonados e esquecidos, casas velhas de ferrugem já sem trilhos.
Ninguém apareceu para conferir nossos gritos e chutes na porta. As luzes apagaram no silêncio do pátio, em meio à cidade que continuava barulhenta.
Dormimos no frio daquele imenso vale, tantas vezes abandonado e recuperado pelos povos. No outro dia, fomos os primeiros invadidos pelo sol em cada uma daquelas janelas e ruínas modernas.