Entrevista com Alcides García Carrazana, jornalista cubano, professor de Teoria da Comunicação, integrante da Rede de Educadores e Educadoras Populares em Cuba e da Secretaria Operativa da Articulação de Movimentos Sociais da ALBA (ALBA Movimentos).
O jornalista cubano Alcides Garcia Carrazana esteve em Curitiba para participar do 3º Curso de Comunicação Popular do Paraná, realizado entre os dias 14 e 16 de agosto de 2015. Ele abriu os debates do encontro, na mesa “A comunicação como estratégia de luta para a classe trabalhadora” e falou com exclusividade ao site Terra Sem Males sobre comunicação na chamada abertura cubana e a integração na América Latina de governos progressistas.
Alcides mora em São Paulo há quase dois meses, fazendo a articulação para a área de comunicação na Alba Movimentos. A entrevista foi feita em espanhol, com tradução livre. Confira:
Terra Sem Males – Como é a comunicação em Cuba?
Alcides García Carrazana: A comunicação em Cuba tem que ser compreendida em várias perspectivas. As diversas mídias de lá (TV, rádio, jornal) são públicas. Também existem as diversas formas de comunicação institucional, comunitária, de grupos sociais, que defendem determinada causa. A Rede Educadora Popular Martin Luther King tem sua própria rede de comunicação. Mas a conectividade em Cuba é muito baixa, por deficiência tecnológica, não é muito proliferado o uso de redes sociais, Cuba é muito limitada em estrutura.
O que mudou nos últimos anos?
Somos um país a 90 milhas dos Estados Unidos com mais de 50 anos de embargo político e econômico, que fomenta superstições, contrários ao governo. É muito complicado um processo de comunicação aberto nesse contexto. Temos muito cuidado com o conteúdo difundido, com qual enfoque, porque com toda campanha anti-cubana que existe, qualquer conteúdo publicado, mesmo que com boa intenção, pode ter repercussão internacional negativa, pode ser utilizado como um elemento de reivindicações contrárias dentro de Cuba.
Nos últimos dois anos tivemos uma abertura comunicativa muito grande em Cuba. Começamos por exigência do próprio governo e dos meios públicos de comunicação. Nos meios abertos, com conteúdos com qualquer tipo de enfoque. A comunicação dos meios oficiais tem abertura muito grande em Cuba, nos temas, conteúdos, enfoque, nas pessoas que fazem essa comunicação.
Mas existe um grande problema: são muitos anos de prática jornalística e de prática comunicativa que chamamos de “Plaza sitiada”. Em que estávamos constantemente alertas. “Qué hay, qué digo”, não no interior de Cuba, mas de Cuba para o exterior.
Como é esse processo de adaptação?
Depois de mais de 50 anos de uma prática de “plaza sitiada”, e agora, como que vamos nos adaptar? Não é uma mudança de chips de telefone, tirar de uma operadora e colocar de outra. Não é assim. É um processo cultural, de formação, de convencimento. Agora que temos abertura para fazer uma comunicação mais ampla, muito mais aberta, todavia, em sua rotina produtiva, a pessoa tem resistência a isso. Pensam: “será verdade que agora podemos falar livremente sobre todas as coisas”. Temos que fazer esse debate de forma profissional sobre a comunicação.
O problema não é a abordagem do tema. O problema é sob qual ponto de vista vamos abordar o tema. Com que objetivo? Eu posso abordar um tema muito complicado em Cuba, por exemplo, a democracia em Cuba. É um tema muito polêmico. Depende com qual objetivo pretendemos abordar. Quer abordar para criticar a democracia, o governo, dizer que não funciona? Ou quer abordar para dizer “isso sim, isso não, podíamos fazer assim, podemos fazer um país melhor, podemos construir o melhor socialismo”. Temos que estar posicionados e querer continuar com o melhor socialismo, você ser anticapitalista, antineoliberal. Eu penso que qualquer tema você pode discutir, desde que você tenha definido o norte que você quer seguir. E esse norte tem que ter debate, formação para melhorar e o tema ser bem definido. Você pode utilizar seu espaço, utilizar a tribuna, para querer gerar caos, conflito, mas me parece que isso não é saudável.
Como você define a liberdade de expressão em Cuba?
Não creio que a liberdade de expressão, a mal entendida liberdade de expressão, não exista em algum lugar. Toda a imprensa toma partido. Há uma imprensa que responde a um grupo econômico, outra que responde a uma linha política. Por exemplo, eu não imagino o jornal Brasil de Fato publicando um artigo que defenda a postura econômica dos transgênicos. Então teríamos que acusar o Brasil de Fato de burlar a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão. Porque não publica o artigo de jornalista de direita que defende os transgênicos. Então não podemos criticar a imprensa de direita que não queira publicar uma reportagem que defenda a agroecologia. Por que é questão de política. E a imprensa responde a uma política.
Portanto o conceito de liberdade de imprensa passa por uma compreensão política. Você pode dizer “liberdade de imprensa dentro desta construção política”. Agora sim estamos falando de liberdade de imprensa. Porque a política marca o conteúdo, marca o enfoque. Então se há liberdade de imprensa, liberdade de expressão, dentro desse conteúdo, desta forma, há liberdade de expressão. Mas ela é limitada pela construção política, pelo enfoque.
É um marco político que define a liberdade de expressão.
Dentro desse contexto, dessa conjuntura, dessa análise política, Cuba está tendo uma abertura muito importante. E como comunicadores temos que saber interpretar essa abertura. Temos que ser muito profissionais para não cair na falsa disputa de liberdade de imprensa e liberdade de expressão.
Como trabalhar essas mudanças com a juventude em Cuba?
É um processo de construção, de adaptação, de necessária formação profissional que o capacite a produzir conteúdo, dialogar com o público. Em Cuba está se configurando uma diversidade de público neste contexto que estamos vivendo. E estávamos acostumados a falar com o público geral de Cuba. Agora não. Nem sempre é um discurso para pessoas comprometidas. Para a juventude, devemos falar com pessoas que nasceram na década de 1980, que a Cuba que conhecem é precarizada e golpeada por um bloqueio, uma Cuba de muita carência, de muita limitação. Para poder assegurar também a continuidade do processo político da revolução cubana. Essa juventude não tem mais aquele fervor e patriotismo cubano da década de 1960. Em matéria de comunicação em Cuba, estamos numa etapa de revolução, ressurgimento, renovação, muito boa para agora e para o futuro, imediato e a longo prazo.
Qual o seu papel na ALBA Movimentos para essa articulação comunicacional?
Eu penso que viver e aprender todas as referências possíveis é muito importante, muito necessário. Cuba é um exemplo de faro, de luz, de guia, de exemplo em muitas coisas. De construção da história de luta no mundo. Isso é uma coisa que me traz à articulação dos movimentos sociais da ALBA, porque estaria aprendendo sobre pessoas, processos, do Brasil, da América Latina, do Universo todo. Não é o mesmo o que acontece no Brasil, na Argentina, Canadá, Honduras, Estados Unidos, Colômbia, Equador, Peru, Chile, Bolívia. Se identificarmos lutas em comum e aprendermos a ver como agem em cada país, sintetizando tudo isso, teremos uma perspectiva continental e depois, ao enfocar em Cuba, seria possível contribuir melhor em algum processo nacional.
O outro motivo que me traz ao Brasil pela ALBA é político, militante. Cuba faz parte da articulação da Secretaria Operativa da ALBA, coordenando e impulsionando a área de comunicação. E o trabalho na ALBA me permite ter toda essa visão continental. A ALBA Movimentos surgiu após a OEA lançar a intenção da ALCA, o Tratado de Livre Comercio das Américas, que é um mecanismo de dominação política e econômica dos Estados Unidos para submeter a América Latina. Partimos de uma história previamente construída. Há 3 anos, a América Latina tem essa articulação para impulsionar e resgatar a luta conjunta dos movimentos sociais e populares no continente. Surgiu para preencher uma lacuna de unidade para um trabalho conjunto, procurando acompanhar os governos progressistas das Américas sem perder a autonomia que deve ser própria dos movimentos sociais.
Por Paula Zarth Padilha e Joka Madruga
Terra Sem Males