Por Pedro Carrano
Crônicas latinoamericanas
Terra Sem Males
- Bolso
Não naquele dia.
Escolheram o assento preferencial para idosos, mesmo com bastante gente naquela noite. Os dois amigos se olharam quando o guarda municipal, uniforme azul, entrou logo em seguida.
– É o cara daquela vez do jogo.
– Nada.
– É sim.
– Se liga.
– Estou te falando.
– Teu cu.
– Vamos?
– Vai se fodê.
– Hein?
– Fala merda, cara. Ele está armado.
– Cuzão, vamos.
– Recebi aquele troco hoje.
– Vintão de bosta.
– Quero ir pra casa.
– Para.
– Cansado.
– Eu vou. Tu me ajuda.
– Só porque ele parou a gente aquela vez.
– E ele só fez isso, né?
– É, mais…
– Aham.
O guarda nem viu por onde entraram os socos. Chutes. Protestos vãos dos passageiros. Silêncios gritantes de quem continuava olhando no celular. O motorista não partiu e o cobrador enfim ergueu as mãos.
Depois veio a revolta. Uns vinte soldados perto do centro correram atrás dos dois. O idealizador morreu na primeira troca de tiros. Desarmado, o amigo cúmplice contou com a péssima mira da guarda. Sem saída, deitou-se no asfalto. Misericórdia – pediu – um tanto incrédulo. Sabia que a vingança.
Ensaiou, mas não completou a explicação. A vingança não quer morte, quer tortura.
Não naquele dia. Não naquele dia. Não justo naquele dia. Apertou a mão no bolso. Com uma última firmeza, não largou as moedas nem um minuto. Enquanto as moedas balançavam no bolso, e o resto do seu corpo era destruído.