A velha não saía nunca daquele rio.
Ali se sentia segura.
Aos poucos percebemos que seus pés viviam imersos na água: aquelas plantas cuja raiz, caule e frutos não estão fincados na terra, mas nas águas do rio.
Enquanto limpava os peixes, a senhora proseava e quando víamos já estávamos nós também com a água pela cintura, sendo puxados cada vez mais para dentro daquele volume gigantesco a se perder de vista.
O desfile de dentes abertos das piranhas estendidas ao sol não chamava a atenção de ninguém, apenas a nossa.
Depois a velha confidenciou que as piranhas eram pescadas ali, na mesma água barrenta que trazíamos na altura do peito. Houve medo, mas não conseguíamos sair dali, apesar do desespero e das tentativas e dos braços batendo na água.
De alguma forma aquela índia dava risada porque sabia. Ela controlava o fluxo das águas, dos peixes, do rio. E o nosso. As piranhas simplesmente nadavam aos nossos pés, e estavam muito menos assustadoras do que aqueles dentes abertos secando à beira do rio.
Por Pedro Carrano
Crônicas de Sexta
Conto inspirado em fotografia de Joka Madruga.
Publicado na primeira edição impressa do Terra Sem Males