Bonés, camisetas e bandeiras do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) lotaram o cinema de um shopping no Batel, bairro nobre de Curitiba, na noite fria deste domingo (9). A cena rara teve como motivação a estreia nacional do filme “Chão”, que conta com sensibilidade e realismo a história do acampamento Leonir Orback, localizado em Santa Helena, estado de Goiás.
A reação da plateia sinalizou a aclamação do público ao longa. Bom sinal para uma obra que disputa a mostra competitiva do 8º Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba.
Na tarde desta segunda-feira (10), a projeção ocupou a Vigília Lula Livre, com a presença de dezenas de cineastas participantes do Festival. Logo após as duas exibições houve um debate com a presença de quatro integrante do MST de Goiás que participaram do filme, além de dezenas de militantes do Movimento do Paraná e militante que compõem a Vigília Lula Livre.
“Estou muito emocionada, muito impactada”, resumiu a diretora do longa, Camila Freitas, logo após o lançamento nacional no cinema. “Foi um encontro maravilhoso, que me deixa muito animada e com a perspectiva de fazer poder um cinema que faça esse encontro entre trabalhadores e trabalhadoras do cinema, cinéfilos e trabalhadores rurais e de movimentos sociais que estão ali na luta de base para transformar esse país tão desigual em que a gente vive”.
Seu Ariulino Alves Morais, conhecido como Chocolate, era um dos Sem Terra emocionados na plateia das duas exibições. Ele vive no assentamento Guanabara, no município de Imbaú (PR), e faz parte do MST desde 1984. Hoje com 76 anos, já foi preso e perseguido por lutar pela terra: “Fiquei muito agradecido e estou muito feliz por nosso Movimento estar hoje em um filme. Passou de um sonho para uma realidade. Estou feliz porque ajudei a começar o Movimento, e muito grato por ver vocês terem documentado essa luta, que começou bem dizer há 40 anos atrás […]. Eles podem até matar muitos Sem Terra, mas não matarão nossa persistência e os nossos sonhos”, garantiu.
O nome da ocupação retratada na tela tornou o filme ainda mais significativo para a jovem Sirlene Ivaniski Rodrigues, moradora do acampamento Dom Tomás Balduíno, região Centro do Paraná, local onde o trabalhador rural Leonir Orback foi assassinado. O crime aconteceu no dia 7 de abril de 2016, em uma emboscada realizada pela Polícia Militar e por seguranças contratados pela empresa Araupel, no município de Quedas do Iguaçu.
“Eu e muita gente que está aqui é do acampamento Dom Tomás, e o filme emocionou muitos todos nós que somos de lá. Muitas vezes a sociedade não olha pra nossa luta. Muitas vezes nos chamam de vagabundo e não sabem a metade do que a gente passa dentro de um acampamento, na luta por ter a nossa terra”, relatou a militante. Ela e outros jovens da ocupação fazem parte da 4ª edição do Curso de Comunicação Popular Ulisses Manaças, realizado pelo MST no Espaço Marielle Vive de Formação e Cultura – que integra a Vigília Lula Livre.
Ocupação do cinema
Assim como a concentração da terra prejudica a vida da classe trabalhadora, o “latifúndio da arte” também está entre as desigualdades que o MST busca enfrentar. Essa é a avaliação de Nelson de Jesus Guedes, integrante da direção estadual do MST de Goiás: “Esse latifúndio da arte e do cinema ainda precisa ser ocupado, para que os trabalhadores possam se ver, se enxergar, se orgulhar”.
Assim como apontou o dirigente do MST, Camila Freitas pretende contribuir para que o filme chegue a muitos acampamentos e assentamentos para “quebrar essa barreira da comunicação elitiza em que estamos hoje”.
Além de estar na tela, o militante do MST Valdenir Gomes de Jesus Júnior integrou a equipe do documentário, como produtor local. “Nunca tinha trabalhado em filme nenhum, nunca tinha trabalhado com isso. E foi um aprendizado grande. Foi maravilhoso trabalhar com a equipe”. Depois de ver o filme pela primeira vez no cinema, ele resumiu o que sentiu: “Pra mim que não tenho estudo, se ver na tela do cinema, ver uma ‘turmona’ lá batendo palma pra nós, por essa produção coletiva, é um orgulho muito grande”.
No mundo
A primeira exibição da obra ocorreu em fevereiro, quando esteve entre os 12 filmes brasileiros selecionados para o 69º Festival Internacional de Cinema de Berlim. O evento é considerado um dos mais politizados do cinema internacional.
Por Ednubia Ghisi e Kelen Alves
Foto: Wellington Leno