Por Márcio Kieller
Secretário Geral da CUT Paraná e Mestre em Sociologia Política pela UFPR
Uma primeira e clara observação sociológica: o instrumento do impedimento está na Constituição de 1988 e, quando tem motivos legais, não é golpe! Agora sem isso, usado como instrumento político para usurpar o poder, banalizando o instrumento de impedimento, é golpe institucional sim!
O vice-presidente, Michel Temer, mostrou que o governo tem muito a temer por causa de sua ganância pelo poder. Veio com toda a sede ao pote do poder e vai entrar nele, nem que seja pela porta dos fundos. Homem que inspira pouca confiança e lembra a caricatura do histórico “Amigo da Onça”, personagem do ditado popular que sempre se dá bem nas costas dos outros. Pelo menos a mim sempre foi essa impressão que ele passou. E não é pelo que ele fez, ou pelo o que faz agora. Essa semelhança eu já caracterizava por suas antigas práticas políticas e pela semelhança física. Um homem que comanda um partido grande nacionalmente, mas com suas mazelas regionais, onde se destacam desde vilipendiadores, burocratas, coronéis regionais e, até homens com posições de envergadura moral de estadistas, como o senador Roberto Requião, que foi governador do Paraná por três vezes, por exemplo.
Quem conhece historicamente o PMDB nacional não estranha a postura do seu presidente, pois esse partido sempre foi a ave de rapina do poder. Sempre se locupletando com o sucesso eleitoral dos outros. Os últimos pemedebistas que se arriscaram a representar o partido em eleições nacionais foram o ex-deputado Ulysses Guimarães e o ex-governador de São Paulo Orestes Quércia, que levaram o PMDB a disputar pleitos em primeiro turno. E por mais incrível que pareça, não tiveram apoio nem de suas próprias estruturas regionais e estaduais.
Depois disso mais ninguém. Mesmo o ex-presidente Tancredo Neves, o avô do também golpista Aécio Neves, pois ele foi eleito em colégio eleitoral, como pensa em ser conduzido ao poder central o atual vice-presidente Michel Temer. Ou seja, como sempre o PMDB rapinando o poder de partidos alheios, se colocando durante todos esses anos na estrutura central do poder. Mesmo podendo e tendo todas as condições objetivas de disputar todas e quaisquer eleições nacionais pela estrutura enraizada e muito forte que tem nos estados e municípios.
E para compreendermos como se deu essa armação é preciso que lancemos um olhar sociológico para esses seis anos de governo de coalização eleitoral entre o PT e o PMDB e também toda a base aliada do governo. Claro sendo o PMDB o carro chefe desta “aliança eleitoral”.
Durante esses seis anos dos dois governos Dilma Rousseff, do PT, presidenta e Michel Temer, do PMDB, vice, fez o jogo racional da busca pelo poder em troca de apoio por cargos, benefícios e proventos. Cada vez exigindo mais cargos e dando menos apoio. Deixando o governo Federal sempre na mão nos momentos em que mais precisou do apoio do partido no congresso, seja na câmara federal, ou no senado, principalmente nas questões de condução da economia e pautas que eram de interesses da classe trabalhadora, o PMDB, não conseguia unificar a bancada. E cada vez que era cobrado sob seu papel no governo, em troca exigia mais cobranças, buscando sempre o intuito de aumentar o espaço de participação no governo em todos os escalões e nas empresas estatais controladas pelo governo federal.
Mas quando esse apoio se transformou na arquitetura do golpe? Quando Temer vislumbrou a possiblidade de trair a aliança eleitoral formada para ganhar as eleições? Na calada da noite revelando que pretendia chegar ao poder a qualquer custo e de qualquer forma, passando por cima de quem quer que fosse. Ou seja, o pragmatismo político falou mais alto e o projetou à frente da fidelidade eleitoral, trazendo à tona toda a individualidade que temos a Temer, desculpe-me o trocadilho, nos homens.
Mas porque se arquiteta interromper o mandato da presidenta Dilma?
Por um motivo muito simples. Criou-se no meio das elites oligopolizadas urbanas e agrárias, no grande empresariado brasileiro, nos grandes banqueiros e nos poucos donos das cadeias de redes nacionais de televisão e, até mesmo entres aqueles que se locupletam com esse sistema eleitoral falido e em termos de dar respostas aos problemas da sociedade. Afinal, com o financiamento privado das campanhas a lógica dos governos passa a ser uma lógica capitalista privada de devolver em forma de polpudos contratos com o estado brasileiro o dinheiro aplicado nas campanhas, fazendo jus a celebre frase: “Não existe almoço grátis!”.
Todos esses setores acima citados, que em determinado momento da conjuntura política tiveram que entregar os anéis para não perder os dedos. Tendo que fazer uma flexão política a esquerda, deixando outros partidos chegarem ao poder, visualizaram que os governos populares dos últimos quatro mandatos se continuassem na mesma toada de fazer política nas duas pontas, ou seja, produzir políticas para os muito ricos e políticas públicas de acesso a emprego e renda, acesso as universidades, valorização do salário mínimo dentre outra programas para os muito pobres.
Estaria se consolidando uma trajetória sequencial de governo que não se interromperia no mínimo nos próximos 12 anos, assim, essas elites novamente fizeram outra flexão que os trouxe novamente para a política de tirar o pé do ritmo acelerado de produção dos 10 primeiros anos do milênio, assim criando uma grave crise política de viés econômico sem precedentes nos últimos anos. Mas que em nada se assemelha a crises econômicas de grande carestia dos anos oitenta e dos anos noventa.
Michel Temer e Eduardo Cunha, ambos do PMDB que são os arquitetos desse golpe institucional para cima do governo democrático popular de Dilma Rousseff, isso tudo em conluio com o grande empresariado nacional, capitaneado pela FIESP de São Paulo, que sob o slogan: “De que não vai pagar o pato!” é uma das financiadoras de toda essa onda de construção do golpe institucional.
Por um motivo bem claro como apontamos acima, estão determinados a interromper agora e a qualquer custo a sequência de eleições ganhas por esse espectro de alianças de centro esquerda, capitaneado pelo Partido dos Trabalhadores, o PT. Então o que se observa é que setores das elites urbanas, do grande empresariado, ligados ao PSDB, ao PMDB que outrora viveram de especulação e de um mercado de reserva de mão de obra barata, e que querem voltar a esse período do ganho fácil, de não investir em produção, de viver da especulação, da lógica perversa do capital do lucro pelo lucro.
E através de ações políticas coordenadas com ações e consequências econômicas que vem desde antes das eleições de 2014, diariamente através das redes de comunicações oligopolizadas no Brasil, tentando desestruturar um governo que foi democraticamente eleito pelo povo. A começar pelas discrepâncias eleitorais do segundo turno, onde observamos que PT e PSDB tinham tempos iguais de campanhas no horário eleitoral gratuito, mas depois nos horários das principais tevês abertas, os veículos de comunicação, que são concessão de serviço, em sua quase totalidade estavam à disposição da candidatura de oposição.
Só faltando os editoriais das grandes tevês, rádios e revistas colocarem o CNPJ da campanha de oposição, para configurar campanha aberta, pois estava totalmente ao seu serviço. E mesmo assim sofreram uma fragorosa derrota no resultado das eleições de 2014, com mais de 3.000.000 milhões de votos à frente. O que até hoje os partidos que perderam a eleição ainda não aceitaram. E por isso não deixam o governo Dilma fazer o que foi eleito para fazer: governar.
A última cartada dessas forças políticas conservadoras, depois de todas que tentaram é a do golpe institucional através do impeachment, pois já tentaram outras diversas, como pedir recontagem dos votos e a anulação do resultado das eleições; auditória nas urnas eletrônicas, que foram auditadas e nada se verificou; processos no STF pedindo a cassação da chapa.
Todo o processo que desembocou no domingo dia da votação do processo de impeachment na câmara federal deixou claro que o processo é essencialmente político e não tem nada de técnico ou jurídico, o que configura a utilização banal do instrumento constitucional do impeachment, como sendo um Golpe Institucional contra o governo Dilma. E isso é golpe! Golpe arquitetado principalmente pelo vice-presidente da republica Michel Temer e pelo presidente da câmara federal Eduardo Cunha, ambos do PMDB.