Querer culpar a vítima é desculpa pra tentar justificar o injustificável. Mas a verdade é que nada justifica um mau comportamento.
Pedir desculpas não é a solução do mundo, mas é um bom começo. Infelizmente o pedido – mesmo que desaforado e insuficiente – não ocorreu nem à vítima e nem aos espectadores que aturaram o comentarista que, além de chantagens emocionais, ameaçou de morte sua colega de trabalho, com a qual teve um relacionamento sério a ponto de ficarem noivos, conforme denúncia nacional recente.
Um sujeito que carrega dois diplomas que parecem só ter efeito de titulação.
No jornalismo a graduação deve ter sido apenas uma capacitação pro forma. A escola que este frequentou fora dos bancos da universidade habilitou-com louvor para comentários estapafúrdios que só incitam ódio, revolta e afirmações dissimuladas.
Já o direito deve ter sido uma estratégia para aprender a defender a si mesmo, visto que este professor não tem ensinado em sala o que pratica no dia a dia. Parece conhecer muito da lei, mas pouco da nada tênue linha entre abuso e liberdade, também desconhecida por muitos.
Há 10 anos, no meu primeiro dia de trabalho em uma grande emissora de tv paranaense, ele, esse cara aí de cima, que já foi meu chefe, afirmou o seguinte:
– “Você é o perfil de jornalista que a gente gosta”.
Ansiosa, quis saber o porquê imaginando que ouviria minhas qualidades enquanto repórter.
A resposta foi um balde de água fria:
– “Bonitinha e solteira”.
O comentário veio juntamente com uma espreguiçada na suntuosa cadeira de diretor de jornalismo que este ocupava seguida de um olhar jogado por cima das lentes que me fizeram ter vontade de levantar da cadeira e sair correndo.
Um amigo havia me indicado a vaga com tanto zelo. Insistiu para que eu tentasse. E, sem graça, e com uma inegável oportunidade em mãos, aceitei ficar evitando nos quase três meses que permaneci qualquer contato com o indivíduo.
Uma semana após anunciar meu noivado fui demitida. E pronto!
O episódio ocorreu há 10 anos, mas tem coisas que a gente nunca esquece.
Trabalhei em outra emissora com o indivíduo. Dessa vez ele não era meu chefe, mas o encontrava pelos corredores. Pouco diálogo pra minha sorte. Tratava-o como se nada tivesse ocorrido.
A verdade é que vamos nos acostumando, erroneamente, com o assédio moral e sexual porque fomos moldados nessa cultura. Já inventaram até ditado pra isso: “Os incomodados que se retirem”.
Infelizmente, diante de uma tentativa de manter uma vida confortavelmente digna, nem sempre temos condições de nos retirarmos. Talvez o salário, talvez a falta de novas oportunidades, talvez a ignorância sobre os fatos, talvez a sociedade induzindo que é você quem tem baixar sua cabeça e aceitar. E pronto!
Aí surge uma “matéria” produzida só com fontes anônimas. O único a se revelar é quem? O tal agressor que não se reconhece dessa forma. Ele tenta desmoralizar a ex-namorada na tentativa de provar que ela buscou pelas agressões recebidas. Ou ainda, que ela mereceu ser ameaçada e ofendida.
Na tentativa de exemplificar aqui o ocorrido tomo liberdade, com todo o respeito, de afirmar que a ex-namorada poderia até ser tudo isso que ele afirma com tanto prazer. Sim, poderia. Mas e daí? NADA JUSTIFICA.
Eu vivi sete anos num relacionamento sob chantagem emocional e sei muito bem o que isso significa. Você se prende por medo, cria culpas pra si mesma que não existem, você se sujeita porque sua autoestima é tão baixa que é impossível se ver em outra situação que não aquela. Você convive com pedidos de perdão que só duram 24 horas.
Você acredita que é aquilo que você merece. E pronto.
Eu também vivi 13 anos de jornalismo sob assédio moral e sei muito bem o que isso significa. Você acredita que se sujeitar é a única forma de vencer. Que ser resiliente é não criticar, não tomar atitudes diferentes, não se opor. Que ter medo é necessário para sua sobrevivência no trabalho. Que ser elogiada pelo chefe é um ponto extra no seu currículo, ainda que ele utilize isso como forma de fazer você trabalhar mais sem receber por isso. Um medo que te consome dia a dia a ponto de nada mais fazer sentido.
Você acredita que é aquilo que você merece. E pronto!
Mas os assediadores são algumas vezes sucintos. São às vezes até tidos como heróis.
Já fui, por exemplo, demitida de uma empresa porque denunciei um chefe que se dizia meu amigo. Seu discurso era tão convincente a ponto de me fazer pensar que eu tinha chances de evoluir na empresa. A verdade é que esse tipo de assédio é predatório. São pessoas que te convencem de que é melhor você se manter ao lado delas porque assim estarão protegidas do desemprego.
E qual o propósito de “zelarem” pelo seu cargo, afinal”? Encontrar aliados para defender o cargo dele, e não o seu.
Dessa vez eu não acreditei que merecia aquilo. E pronto.
Mas o assédio é tão sério e tão ignorado que me dói pensar em quantos nesse momento podem estar se identificando com minha fala sem poder dizer nada.
Fala-se em violência física, a qual eu também já sofri. Mas subestimam muitas vezes a violência psicológica sem saber o quanto isso nos mata pouco a pouco. “Você é burra! Você não tem capacidade! Você é louca! Você é puta!”
Quantas lágrimas caíram agora de mulheres que resgataram na memória essa vivência?
Sim, homens também passam por isso. Mas referenciei as mulheres porque sei que são as principais vítimas.
Se colocar no lugar do outro não custa nada.
Os incomodados precisam parar de retirar, se assim não quiserem, e requererem seu espaço.
Não é você que precisa sair se não há nada errado contigo!
Os incomodados precisam se unir porque toda revolução começa com uma indignação.
Sejamos indignadas e indignados.
Que Beauvoir nos induza ao que há tantos anos nos deixou registrado:
“Que nada nos sujeite! Que a liberdade seja a nossa própria substância.“
Somos livres. Acredite. E pronto!
A denúncia da qual o artigo comenta pode ser lida aqui.
Por Silvia Valim
Jornalista
Foto: Joka Madruga