Em entrevista, Zeila Plath, advogada, atual presidente do Conselho Municipal do Direito da Mulher, Secretária de Desenvolvimento Social de Campo Largo e há mais de 15 anos tratando desse assunto, explica que reativar a Delegacia da Mulher ou criar um setor específico na cidade “não é nem mais uma luta nossa, é uma briga, e faz tempo”
Quem estava no planeta Terra nos últimos dias sabe que recém acabou a Copa do Mundo de Futebol. A mobilização da massa é comum, até porque vivemos no ‘país do futebol’, certo? Mas será que essa expressão está correta? Não seria mais apropriado falar que o Brasil é o ‘país do futebol masculino’? Se você acha que não, responda essa outra pergunta: você sabe quando e onde acontecerá a próxima Copa do Mundo de Futebol Feminino? Digo mais: você sabia que a Marta, maior jogadora de futebol da história do Brasil, recentemente foi nomeada embaixadora da ONU? E que uma das suas principais lutas será por igualdade de gênero?
Mas, diz aí, na sinceridade, você acompanha mais a trajetória da Marta ou do Neymar? De qualquer forma, você deve ter ouvido falar que na final da Copa do Mundo de Futebol entre França e Croácia houve um protesto, né? Pois é, quem ‘assina’ a ação direta é o grupo feminista russo de música e arte, Pussy Riot. Na oportunidade, quatro integrantes, Veronika Nikulshina, Olga Pakhtusova, Olga Kurachyova e Pyotr Verzilov (o único homem) pararam, por alguns minutos, a final da Copa em protesto à FIFA, ao governo Putin e suas práticas contra a liberdade de expressão e a livre manifestação de grupos feministas e da comunidade LGBT.
Bom, você já deve ter percebido que o assunto não é sobre futebol. E o protesto do grupo feminista russo resultou em 15 dias de prisão para os membros, além da proibição deles em eventos esportivos por três anos. Mas, independente da discussão sobre ‘como protestar’, a principal questão é: precisamos falar sobre igualdade de gênero e tudo que envolve a luta feminista. Mais uma coisa: já parou pra pensar que qualquer manifestação contra o machismo é punida rapidamente? Já as agressões contra a mulher…
Lembre-se: o famoso caso, no Rio de Janeiro, da vereadora Marielle ainda não foi solucionado. Já se passaram meses e até agora ninguém sabe quem matou e quem mandou matar Marielle e Anderson, o motorista da vereadora. Ambos foram assassinados no centro da capital carioca em plena intervenção militar na ‘cidade maravilhosa’.
Trazendo para o Paraná, em pouco mais de três anos da Lei do feminicídio – que passou a vigorar em março de 2015; foram registrados mais de 460 casos do crime (incluindo tentativas). São aproximadamente 13 casos de feminicídio por mês (considerando inquéritos concluídos e em andamento). Isso representa uma média de um novo caso a cada dois dias. Os números são do Ministério Público (MP-PR).
Campo Largo
E na Capital da Louça, quando uma mulher tem algum problema, onde ela encontra ajuda? Se em outubro de 2017 existia uma incerteza (leia entrevista “As mulheres de Campo Largo ainda estão desamparadas e desprotegidas”, com Ávila Maria Garrett Savi de Andrade, ex-presidente do Conselho Municipal do Direito da Mulher), hoje as mulheres campolarguenses têm se reunido permanentemente para combater os abusos impostos por uma sociedade machista.
“O Conselho funciona como órgão fiscalizador. Está atuando na promoção de políticas públicas para beneficiar a mulher”, explica Zeila Plath, atual presidente do Conselho Municipal do Direito da Mulher e Secretária de Desenvolvimento Social de Campo Largo. Ela acrescenta que o órgão municipal também fiscaliza desde questões ligadas a saúde da mulher (como a violência no parto), até o trabalho de inseri-las na sociedade civil: “empoderar, mostrar pra elas que temos que participar da política, sermos mais autônomas”.
‘Abrindo um parênteses’: é bom lembrar que o termo ‘empoderamento feminino’ foi o mais procurado no Brasil quando o assunto era ‘tendências visuais’, isso em 2016. A informação é do site Shutterstock – uma agência de banco de imagens fundada em 2003, com sede em Nova York. Em 2010, a ONU lançou os princípios de empoderamento das mulheres (veja AQUI – via ONU Mulheres).
Voltando a Campo Largo, cidade de aproximadamente 110 mil habitantes, na Região Metropolitana de Curitiba, Zeila explica que algo inédito acontece na atual administração municipal.
“Pela primeira vez temos um maior número de mulheres como primeiro escalão. Nunca na história do município tivemos essa representatividade” – Zeila Plath (*ZP).
Hoje, no executivo, há gestoras nas Secretarias de Governo, Finanças, Saúde, Educação, Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente, Desenvolvimento Social e Ouvidoria. Além desses cargos, há ainda mais seis em secretarias adjuntas.
“Isso é pra mostrar que as mulheres têm competência, sim, que elas podem ser escolhidas para essas funções. Isso fortalece nossa luta” – ZP.
Confira entrevista com Zeila Plath, presidente do Conselho Municipal do Direito da Mulher, secretária de Desenvolvimento Social e advogada.
Conselho Municipal do Direito da Mulher
O órgão foi criado em 2015 após a primeira Conferência dos Direitos da Mulher em Campo Largo. A representatividade é dividida em duas partes: Governamental e Não Governamental. Conta com dez conselheiras (5 Gov e 5 Ñ Gov). De acordo com Zeila, as principais demandas estão ligadas a violência e a autonomia financeira:
“Quando você começa a promover a autonomia financeira da mulher, ela começa a perceber que não depende daquele homem para sobreviver, que tem condições de cuidar dos seus filhos. Porque muitas vítimas da violência se prendem ao opressor porque elas acreditam que não tem como sustentar os filhos” – ZP.
A advogada, que há mais de 15 anos milita por igualdade de direitos, conta que trabalhou na primeira delegacia da mulher de Campo Largo. Segundo ela, foi nessa época que constatou um problema generalizado:
“Na minha visão eram só as mulheres em vulnerabilidade financeira que sofriam agressão física. Passando um tempo na delegacia eu percebi que não, havia muitas mulheres religiosas, que tinham condições e que muitas vezes bancavam seus agressores (ou seja, eles dependiam financeiramente delas)”– ZP.
Essa experiência na Delegacia da Mulher fez Zeila entrar de vez na luta por questões ligadas ao universo feminino. Para ela, “a partir do momento que a mulher está criticando a roupa da outra, ela está tirando o poder dela mesma”. Acrescenta também que é comum ouvir relatos de pessoas que sofrem preconceito estereotipado em expressões como “mãe solteira” ou “a separada”. Termos que, para ela, devem ser combatidos com educação.
“Nós vamos às escolas, tem os grupos de adolescentes, tanto de meninas quanto de meninos (temos que levar isso para o lado masculino também, para ver desde já o problema). Então o Conselho vai a esse público, seja jovem, infantil, nas associações de moradores, para tentar mostrar que nós não somos menores que os homens”– ZP.
Violência: onde recorrer?
Ao ser questionada sobre “onde uma vítima deve recorrer caso sofra atos de violência doméstica?”, Zeila é enfática: “Na delegacia”. Mas, ainda em dúvida, o assunto é retomado com outra pergunta: “na delegacia da mulher?”:
“Não. Nós não temos mais delegacia da mulher aqui. Nós temos uma delegacia pra tudo. Essa não é nem mais uma luta nossa, é uma briga, e faz tempo. Desde que ela foi fechada, nós retomamos o diálogo, várias tratativas com deputados, governadores, secretários de segurança, pra abrirmos esse setor de atendimento à mulher” – ZP.
Quando ela fala “setor”, é porque essa foi uma das alternativas sugeridas para que uma vítima possa ser atendida separadamente. Zeila explica que para ter outra delegacia é preciso abrir mais vagas para delegado, além de outros cargos: “o que dificilmente vai acontecer, pois, de acordo com o governo do estado, há um déficit de delegados no Paraná”.
Já a questão do setor específico para a mulher, Zeila explica que “não podemos abrir esse setor de atendimento porque não tem servidor. Faltam servidores estaduais. Um investigador e um escrivão. A prefeitura até forneceu um espaço, mas aí veio uma carta da Secretaria de Segurança segurando o processo”.
Mas, mesmo com limitação estrutural, o Conselho Municipal está sempre de portas abertas. As reuniões são mensais (ordinárias) e também previamente marcadas (agenda extraordinária). Os encontros são sempre na Prefeitura de Campo Largo (Av. Padre Natal Pigato, 925 – Bairro Cambuí, Bloco 1). “Todo mundo pode participar das reuniões. Mulheres e homens que queiram discutir são bem vindos”, convida Zeila.
Para entrar em contato, ter acesso a agenda do Conselho, é preciso ligar na Secretaria de Desenvolvimento Social (41 3291 5000). O site está em criação.
Representatividade: Feminismo, LGBT e Política
Para a presidente do Conselho Municipal do Direito da Mulher de Campo Largo existem alguns estereótipos que precisam ser quebrados:
“O movimento feminista não é só sair na rua, também é isso, mas, por exemplo, a partir do momento que a mulher está falando com um homem, é interrompida e se posiciona, fala mais alto, ela está sendo feminista. A partir do momento que ela diz que quer trabalhar fora de casa, ou mesmo que ela quer trabalhar no próprio lar, é o direito dela, ela está exercendo seu direito, está sendo feminista, sim” – ZP.
Há outras questões desafiadoras para o órgão municipal. Uma delas é a aproximação com a Comunidade LGBT. De acordo com Zeila, há pouco contato e o motivo é que em Campo Largo o preconceito é muito forte:
“São muito discriminados. Pelo que percebemos, essa comunidade tem até medo de vir dividir os problemas conosco. Eles acabam procurando fora, em Curitiba. Mesmo existindo muitos aqui, eles vão procurar ajuda fora” – ZP.
E com a proximidade das eleições, foi inevitável não entrar na questão da participação da mulher na política da cidade:
“Temos 52% de eleitoras em Campo Largo. Na última eleição, nós perdemos uma cadeira na Câmara. Então são 11 vereadores e só duas mulheres. Eram três e hoje são duas. Historicamente, acredito, só tivemos uma ou duas mulheres presidente da Câmara em todo esse tempo (*Campo Largo tem 148 anos)” – ZP.
Para a advogada, essa questão está ligada ao universo predominantemente machista na política. Mesmo com cotas para as mulheres na política, Lei nº 9.504, em vigor desde 1997, a representatividade é baixa e a legislação nunca foi cumprida pelos partidos políticos, que sempre contaram com a tolerância do Poder Judiciário.
“O Conselho não está aqui só para tratar da violência doméstica. Tratamos disso todo dia, a todo o momento e vamos continuar tratando, para mostrar que isso existe e que é errado, é crime e vamos lutar para diminuir; mas o Conselho está aqui também para fortalecer a mulher na questão política” – ZP.
Hoje o Conselho Municipal dos Direitos da Mulher conta com a participação do Sindicato dos Metalúrgicos de Campo Largo (Sindimovec) – Leia matéria sobre o Dia Internacional da Mulher com a diretora Rosi Cunico; Ordem dos Advogados do Brasil (OAB); Associação de Moradores do Bairro Gorski; Associação Reviver; AME; Procuradoria Geral; além de órgãos ligados ao governo municipal.
E antes de finalizar, você lembra que foi questionado sobre onde e quando seria realizada a próxima Copa do Mundo de Futebol Feminino? Então, o país sede será a França, em 2019.
*Foto: Coletivo reunido na prefeitura de Campo Largo: (da esquerda para direita) => Luciléia Schonrock (Secretaria dos Conselhos da Prefeitura de Campo Largo); Jéssica de Paula (Procuradoria Geral); Katiuscia Juliane Zini (Assistência Social e vice-presidente do Conselho); Lina Sanabria Gonçalves de Oliveira (Associação de Moradores do Bairro Gorski); Zeila Plath (Presidenta do Conselho e entrevistada); Rosimar Rocio Cunico (Secretária do Conselho e representante do Sindimovec); Karla Knauber (AME); Luana Mara Carloto (OAB); Raquel Rodrigues (Associação Reviver).
Por Regis Luís Cardoso.