As análises fizeram parte do debate “Direito do Trabalho e a Terceirização: Para Além do PL 4.330/04. Foto: Gibran Mendes.
Na noite desta quinta-feira (11) juristas debateram a terceirização, sua origem e consequência por aproximadamente quatro horas. Os especialistas foram unânimes em apontar que este modelo de contratação é exclusivamente um mecanismo de ampliar lucros e precarizar as relações de trabalho. As análises fizeram parte do debate “Direito do Trabalho e a Terceirização: Para Além do PL 4.330/04.
A juíza do Trabalho do Rio Grande do Sul, Valdete Souto Severo, reforçou a importância da discussão deste modelo de contratação de forma separada do Projeto de Lei 4.330/2004 que agora tramita no senado como PLC 30/2015. De acordo com ela, não é possível discutir este modelo de contratação a partir da ótica da regulação ou da redução de danos.
A magistrada avalia que não há ordenamento jurídico no Brasil que dê sustentação para este tipo de prática, nem mesmo a súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho que regula a terceirização nas atividades-meio. De acordo com ela, tanto a Constituição Federal quanto a CLT falam em emprego e nas relações diretas, sem intermediários, que neste caso além de garantir a ampliação dos lucros e rentabilidade às empresas, também tem outro efeito como reflexo. “O objetivo é reduzir custos, mas não é só este. A terceirização também distancia o empregado do empregador que não precisa mais controlar as condições do ambiente de trabalho, não precisa se preocupar com a quantidade de horas trabalhadas e nem sequer precisa enxergar esse sujeito. O pior efeito é a invisibilidade que provoca que nos trabalhadores terceirizados”, alerta Valdete.
Para o magistrado do Trabalho no Distrito Federal e ex-presidente da Anamatra, Grijalbo Coutinho, a terceirização é uma fraude sociológica e jurídica que tem origem como uma forma de minimizar as crises do capitalismo. O modelo de contratação, segundo ele, atinge diretamente os direitos humanos que não são apenas reconhecidos pelo Estado, mas sim, são produtos culturais oriundos de luta e que existem independemente do ordenamento jurídico.
Setores de produção, como a área têxtil, estão recheados de exemplos dos malefícios da terceirização. O magistrado recordou o desabamento de um prédio, em Bangladesh, onde morreram milhares de trabalhadores terceirizados que viviam em condições degradantes. “É o reflexo da ganância. E o que as empresas disseram? Que estavam chocadas com o fato e que não sabiam de nada, afinal, os trabalhadores eram terceirizados”, pontuou.
O presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 9ª Região (Amatra IX), José Aparecido dos Santos, ressaltou o aspecto de consumo que está intrínseco na terceirização. De acordo com ele, o principal argumento do setor produtivo é que uma vez autorizado, este modelo de contratação reduzirá custos, aumentará o consumo e ampliará a atividade econômica. Neste caso, isso representa a compra de bens que trazem felicidade momentânea e que em seguida deverão ser substituído pro outros. “Tudo ao mesmo tempo é vendável e descartável”, avalia o magistrado.
Para ele, a ideia do empreendedorismo que está sendo aliada à terceirização trará, além da perda de direitos, a consequência da ampliação do individualismo na sociedade. “O maior impacto que isso terá é sobre a própria noção de profissão e a noção de categoria, de sindicato, de atividade. Transforma a todos como indivíduos proprietários de si mesmo. O individualismo se acentua a tal grau que com certeza transformará grupos de trabalhadores em meras ficções, prejudicando a solidariedade e a luta social porque isso passa a ser problema de cada um”, lamenta.
O advogado e professor universitário, Ricardo Nunes Mendonça, questionou o ordenamento jurídico em outras áreas do direito que não a da Justiça do trabalho. “A liberdade de contratar encontra limites internos, não só nos direitos fundamentais dos trabalhadores, mas também em outras áreas do direito, como por exemplo, a garantia ao meio ambiente de trabalho. Não encontra também na função social do contrato e da empresa?”, questiona.
Ainda de acordo com Mendonça, os discursos em torno da terceirização vão mudando e se adaptando conforme a conveniência dos empresários. “Na década de 90 falava-se em especialização, coisa que nunca houve, o problema sempre foi o custo. Assim foi nos EUA e assim é na realidade europeia. Precisamos nos concentrar no que realmente importa, que é atividade nuclear da empresa, diziam. Atualmente, com terceirização desmesurada, as empresas sequer precisarãi empregar. Ou seja: qual a sua finalidade social? O lucro pelo lucro? Certamente não há espaço constitucional para isso”, afirmou.
A professora da UFPR, Aldacy Rachid Coutinho, fez uma crítica aos próprios operadores do direito. De acordo com ela, o lado positivo do PL 4.330 é fato de ter unido novamente diversos setores em busca de um objetivo em comum. “Quem sabe poderemos a partir de agora conseguimos nos unir, todos os atores sociais, em torno de uma pauta comum de defesa da classe trabalhadora. A defesa do direito do trabalho de reiteração daqueles fundamentos da sua própria constituição”, afirmou.
Para ela, o Brasil hoje tem um déficit de constitucionalidade e, inclusive, uma dificuldade para efetivar uma república já que preceitos constitucionais frequentemente são desrespeitados. Esta análise da professora parte do ponto de vista do desrespeito aos direitos fundamentais expressos na constituição com a precarização do trabalho como reflexo da terceirização. “Estamos olhando a transformação do estado em um estado mínimo, afinal essa proposta nada mais é do que o resultado desta ideologia neoliberal que foi aceita pela sociedade brasileira. É a retirada do estado, só que vamos pagar um preço por isso e será caro de mais”, avisa.
Este preço será a redução de políticas sociais previstas em um estado de bem estar social, até mesmo porque, segundo ela, a terceirização diminuirá a arrecadação de impostos. Esta redução ocorrerá com a “pejotização” dos trabalhadores. “Vai diminuir a arrecadação da previdência social e o aporte de tributos para um estado que se pretende cumpridor das normas constitucionais”, completou.
O professor do UniBrasil e magistrado do Trabalho, Leonardo Wandelli, expressou a sua análise sobre a importância do trabalho como um mecanismo de desenvolvimento pessoal e social. Nesta perspectiva ele não pode ser algo que fragilize o trabalho pois, consequentemente, precarizará também a vida do sujeito.
“Trabalho não é só o ganha pão, ele é mais do que isso. Ele é uma mediação fundamental para realização de necessidades humanas insuperáveis, isso significa pensar que é por meio da atividade de trabalho, da organização do trabalho, como conjunto de atividades e relações que se produz um bem absolutamente essencial como desenvolvimento da personalidade, construção da identidade, a formação de vínculos de solidariedade”, exemplifica.
De acordo com ele, a rotina de trabalho contemporânea faz com que as pessoas dediquem boa parte da sua vida ao trabalho. Neste caso, se estes aspectos não forem desenvolvidos em seus ambientes laborais eles dificilmente serão instigados em outro local. “Se entendemos que o trabalho é necessário para as pessoas, bom vamos ter que falar sério dessa história de dignidade humana”, argumentou Wandelli.
O debate foi promovido pelo Instituto Declatra, do UniBrasil, do Grupo de Pesquisa”Trabalho e Regulaçãono Estado Constitucional” (GPTREC) e da Rede Nacional de Pesquisas e Estudos em Direito do Trabalhoe da Seguridade Social (Renapdts).
Por Gibran Mendes
Declatra