Sempre que há uma situação de perigo agudo no sistema carcerário, o Departamento Penitenciário do Paraná determina a suspensão das movimentações nas unidades penais, para evitar o contato dos agentes com os presos e reduzir a possibilidade de eventuais rebeliões com os servidores reféns. A determinação vale para todas as unidades do Paraná. Ou quase todas. Há uma onde as movimentações nunca podem deixar de acontecer, a Penitenciária Feminina de Piraquara (PFP).
O motivo se deve a um histórico descaso: até hoje não há chuveiros nas celas da unidade. A situação obriga que as agentes que lá trabalham façam pessoalmente a movimentação diária de 420 presas para banho. “Aqui estamos sempre expostas ao pior mesmo quando o DEPEN determina que é preciso parar. Nossas condições de trabalho são tão precárias, que não conseguimos, se quer, cumprir uma determinação de segurança do Departamento Penitenciário diante de um risco iminente de rebelião”, lamenta uma agente da PFP que pediu para não ser identificada.
Foi o que aconteceu, por exemplo, em setembro passado, quando membros de uma facção criminosa explodiram muros da Penitenciária Estadual de Piraquara I, vizinha à PFP, para regatar líderes do grupo presos na unidade. “Todas as unidades do Paraná suspenderam as movimentações, menos nós. Mesmo ouvindo as presas dizendo que se a facção determinasse, elas virariam a cadeia, a gente continuou abrindo e fechando cubículo porque não tem como deixar as presas 3 dias sem tomar banho. Mas e se elas virassem, alguma dúvida de que a gente seria as primeiras vítimas da rebelião?”, relembra a servidora.
Na avaliação da diretora para Assuntos da Mulher do Sindicato dos Agentes Penitenciários do Paraná, Silvana Moreira, essa exposição das agentes penitenciárias é resultado de uma ideia preconceituosa e distorcida de que mulheres presas não representam perigo, aliada ao fato do sistema penitenciário sempre ter sido pensado por e para homens. “O DEPEN precisa melhorar o olhar sobre os presídios femininos. O caderno de segurança é pouco aplicado ali porque o Estado subestima o potencial de violência das presas”, argumenta a dirigente. “Na PFP, por exemplo, há situações de um único agente fazer a movimentação para o canteiro de trabalho de até 30 presas sem algema, uma situação que ninguém se arriscaria fazer com presos homens e que acaba colocando a vida de todo mundo em risco”, relata.
Insegurança latente
Em pesquisa realizada pelo SINDARSPEN em agosto passado, por ocasião do I Encontro Estadual das Agentes Penitenciárias do Paraná, 85% das servidoras disseram estar insatisfeitas com a segurança no trabalho.
Nem mesmo na unidade onde a proposta é de que haja apenas presas próximas à progressão de regime, as agentes penitenciárias conseguem trabalhar dentro dos protocolos de segurança.
Em outubro do ano passado, a governadora Cida Borghetti realizou uma solenidade para a inauguração da Penitenciária Feminina de Foz do Iguaçu – Unidade de Progressão (PFF-UP), que até então era o Centro de Ressocialização Feminino (CRESF), prédio anexo à Cadeia Pública Laudemir Neves. Uma mudança que até o momento ficou apenas no nome, já que o grau de periculosidade das detentas segue o mesmo, embora teoricamente se trate de uma unidade de progressão de regime. “O governo quer que a gente faça as movimentações e haja como se todas as presas ali fossem ressocializadas e estivessem prontas pra liberdade, quando quem está lá dentro vê que isso é uma utopia. A maioria delas é batizada em facção e elas cantam a oração da facção pra quem quiser ouvir. Só mudaram mesmo o nome da unidade”, relata uma agente sob a condição de anonimato por temer represálias de criminosos.
Na PFF-UF, existem cerca de 230 presas e apenas 7 agentes por plantão para todos os postos de trabalho e movimentações. Uma proporção de 32 presas pra cada agente, quando o preconizado pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) do Ministério da Justiça é de 5 presos para cada agente. Na PFP, a média é de 12 agentes por plantão para 420 presas.
A falta de servidores é um dos maiores problemas do sistema penitenciário do Paraná. Atualmente há um déficit de cerca de 1.000 agentes em todo o Estado, além da necessidade de ampliação de mais 1.900 vagas para dar conta de uma massa carcerária que subiu de 14 mil para 21 mil presos nos últimos 8 anos.
Problemas vão além das unidades femininas
Além das unidades femininas, as agentes penitenciárias também ocupam postos de trabalho nas unidades masculinas, onde exercem funções como controle do circuito TV, vistoria de sacolas das famílias e revista nos visitantes. Atividades nem sempre exercidas dentro de condições salubres de trabalho.
Um exemplo é revista das visitas. Em todo o Paraná existem apenas 5 aparelhos body scan, que atendem a 10 unidades penais. Nas outras 23, a revista é feita com o velho agachamento e sobre um espelho. Situação vexatória para as famílias dos presos e para as agentes.
Em algumas unidades, como na Colônia Penal Agroindustrial, não há nem mesmo lugar para esse procedimento, obrigando as agentes a fazerem a revista na sala convívio das servidoras.
Outra reclamação frequente das mulheres que trabalham em unidades masculinas é quanto ao assédio moral. 48% das agentes já se sentiram diminuídas pelas suas chefias exclusivamente por serem mulheres.
Organizadas para lutar por seus direitos
Assim como em outros seguimentos da sociedade, as mulheres que trabalham no sistema penitenciário do Paraná estão cada dia mais organizadas para lutar por seus direitos. Durante o I Encontro Estadual, realizado pelo SINDARSPEN, muitas tiveram coragem de expor a precariedade do sistema e as opressões que ainda sofrem em decorrência do gênero.
Entre as insatisfações apontadas, a pouca representatividade nos espaços de comando do sistema penitenciário: 75% delas consideraram insuficiente a quantidade de mulheres nesses postos. Desde a realização do Encontro, as duas unidades femininas do Paraná passaram por mudança em suas direções e, atualmente, têm agentes penitenciárias em todos os espaços de chefia, inclusive, na direção. A agente Êrica Giordani dirige a PFF-UP e a agente Alessandra Prado a PFP, fato inédito até então.
Em algumas unidades, como na Penitenciária Estadual de Ponta Grossa (PEPG), a direção se reuniu com as agentes para resolver as questões levadas. “A partir do Encontro das Agentes, percebemos que elas têm uma demanda especial que nós, enquanto gestores, não estávamos percebendo e que temos a obrigação de atender, até porque são questões simples de serem resolvidas, mas que no dia a dia não percebíamos que precisava mudar. São questões que tendem a melhorar o funcionamento da unidade”, disse à época o diretor da penitenciária, Luiz Silveira.
As questões apontadas pelas agentes durante o I Encontro Estadual levou o Sindicato da categoria a incluir o respeito às especificidades de gênero na proposta de regulamentação da atividade do agente penitenciário e no plano de carreira que estão em debate com o governo.
Texto: Waleiska Fernandes / Fotos: Joka Madruga