Por Pedro Carrano
Crônicas de Sexta
Terra Sem Males
Servelino acorda bem antes dos galos. Corta a cidade no busão apertado. O servidor ouve um comentarista da rádio lembrando que todo o brasileiro é sedentário. Depois recebe a notícia do desconto dos dias parados, com a desculpa de que a greve atrapalhou os cidadãos. Com a fala agressiva, foi dito que todo o servidor já tem grande salário. Trabalhador deve ser responsável de certo pela inflação. O comentarista ainda fala que a saída do país está na educação com E maiúsculo, mas Servelino tem colegas funcionários de escola, e sabe qual é a real da situação.
Ele vê a TV inflamando cada usuário, vê a notícia do enfermeiro tendo o cabelo puxado fora do horário, mas nunca viu ninguém mostrando o quanto todo esse povo aqui se dedica no trabalho.
Servelino no fundo percebe o que um dia falou um senhor lá do bairro, que o mundo na verdade anda bem ao contrário. A ocupação daquele terreno que nunca serviu pra nada virou coisa de marginália. Pra relaxar um pouco, Servelino vê todo mundo na novela feliz, com sucesso na vida e corpo sarado. Mas o servidor não consegue de tanto movimento nem mexer o antebraço.
Só que Servelino não vai dizer que tudo está de boas e sorrir com a paciência das capivaras. Ou dar feliz natal e próspero ano novo com o sorriso engomado. Servelino não é herói. E também não é otário.
*Publicado originalmente no Jornal do Sismuc, edição 120 (dezembro de 2015)