Acampamento da APP-Sindicato guarda histórias de solidariedade, desapego e dramas pessoais. Foto: Joka Madruga
Imagine uma pequena vila no meio de um grande centro urbano onde a base da economia chama-se solidariedade. Assim é possível definir o acampamento montado pela APP-Sindicato no Centro Cívico, núcleo dos poderes do Paraná. Cerca de 200 pessoas convivem diariamente com espírito de paz, resistência e lembranças do que deixaram para trás nos dias em que abandonaram tudo para lutar pelos seus direitos conquistados. Além, obviamente, do público flutuante que passa diariamente pela Praça Nossa Senhora de Salete, sejam professores ou não.
A comida chega de todos os locais. Além da alimentação própria, provida pela APP-Sindicato com recursos dos próprios trabalhadores, muitas pessoas chegam diariamente ao local para oferecer alimentos, água, cobertores e até mesmo roupas devido as fortes chuvas que atingiram o local nos primeiros dias.
Este é um dos principais combustível para que as pessoas continuem onde estão, como a professora Valderes Aparecida Bueno, que veio de Francisco Beltrão, na região sudoeste do Paraná. Com 58 anos, dos quais 40 dedicados ao magistério, ela orgulha-se de ter participado de todas as greves da educação pública estadual. Mas mais do que isso: orgulha-se da solidariedade que toma conta de todos.
“Estou aqui desde o dia nove de fevereiro e só saio no dia em que o governador disser que está tudo resolvido, vocês venceram”, relata a professora. De acordo com ela, a solidariedade ultrapassa as barreiras da categoria. Pessoas alheias ao movimento oferecem todo o tipo de ajuda, seja em Curitiba ou até mesmo em sua cidade. “ Uma amiga vai na minha casa molhar minhas plantas e fazer o pagamento das minhas contas”, conta.
Para ela todas os problemas ficam para trás. “Não enfrento dificuldades porque digo que a vida é feita de desafios. Tivemos um dia de muita chuva, entrou 20 centímetros de água na minha barraca. Neste dia tive que dormir na casa de uma professora daqui de Curitiba que nos ofereceu sua residência para tomarmos banho, dormir e comer. Mas eu me recuso a sair do acampamento”, revela Valderes.
O comando de greve da APP-Sindicato tem uma lista de pessoas que colocaram-se à disposição para ajudar os acampados, a exemplo da professora que emprestou a casa para Valderes. “É emocionante a solidariedade. Com isso cada dia temos um folego novo. Estamos na luta por uma coisa 100% legal. Quando você diz para um pai que está em greve porque o governo quer tirar o meu direito e o pai diz que filho fica em casa neste tempo e que podemos ligar caso precisemos de algo, poxa, isso é o reconhecimento do teu trabalho, que você faz diferença”, avisa.
Quando questionada se tem pressa para que a greve acaba, a professora é enfática. “Nenhuma. A minha pressa é a pressa do governo. No dia em que eles falarem eu reconheço que está errado e o meu comando de greve disser que acabou eu levanto meu acampamento, pego minhas coisas e vou para casa tomar banho, dormir uma noite na minha cama e no dia seguinte às 7 horas da manhã estou no meu colégio”, projeta.
De Pontal do Paraná, o professor de filosofia na escola Paulo Freire, Cristiano Soares, deixou para trás o pai com mal de Alzheimer. “Fico preocupado com ele lá, não tem ninguém cuidando e preciso ficar ligando para saber se está tudo bem. Mas fica com aquela preocupação na cabeça”, conta.
Mas mesmo com as limitações que o início da doença traz, Cristiano salienta que o apoio do pai é incondicional. “Ele entende e apoia, fica até revoltando com tudo que está acontecendo”, relata.
Cristiano conta que a extensa programação cultural promovida pela APP-Sindicato ajuda a esquecer um poucos os problemas e quem ficou para atrás. “No sábado, por exemplo, tivemos uma palestra bem interessante sobre a educação pública no Chile. Temos eventos culturais, como bandas e a exposição de fotografias sobre a greve. Sempre está acontecendo alguma coisa e essa programação cultura é essencial. Ficar aqui já não é fácil, ninguém vem aqui acampar porque acha bonito sair de sua cidade vir para uma praça”, argumenta.
Professora de sociologia na UEL, Maria Neuza da Silva, de 51 anos, disse que só conseguiu sentir-se em paz quando saiu de Londrina e veio fortalecer o movimento em Curitiba. “Está havendo um crime contra a educação do Paraná e precisamos fazer alguma coisa, não dá para nós que trabalhamos e acreditamos na educação básica e superior ficarmos parados. Existe uma inquietação, você só se sente confortável vindo e participando”, diz Maria Neusa.
Ela também deixou a vida que leva no Norte do Paraná para vir para cá. Seus pais, acima de 80 anos, ficaram em casa. “Quando falei para minha mãe, de 84 anos, que estava vindo para cá achei que ela resistiria. Mas não, ela disse ‘Filha, vai mesmo, o que você ainda está fazendo aqui? ’”, lembra. Difícil saber nesta situação que tem mais orgulho de quem.
Recém-chegado de Francisco Beltrão, o professor de história Paulo Duarte, de 44 anos, também vive um drama. Ele
acaba de ser empossado no cargo e mesmo em estágio probatório não deixou a luta para os colegas de profissão.
“Estas questões pragmáticas defino depois. A luta é muito maior que isso”, enfatiza.
De acordo com ele, o fato de ainda estar em estágio probatório pode lhe trazer vários problemas, mas isso fica em segundo plano no momento. “Tenho a consciência de que estou no lugar certo. Tenho medo de ser demitido, como qualquer professor que está em estágio probatório teria. É um medo que é real, além do receio de não receber salário ou receber represálias. Mas os medos são individuais e não dão conta do tamanho que é essa luta”, completa.
Geração de renda – Ao lado do acampamento é possível observar uma série de barracas que vendem alimentos e bebidas. Estas pessoas estão tendo uma renda extra devido ao intenso fluxo de pessoas que passam diariamente pelo local.
Uma delas é Arlindo Padilha, de 54 anos, que ajuda a esposa e o filho em uma barraca que vende milho verde, pamonha e outros derivados do cereal. “Estamos aqui ganhando um dinheiro extra, mas na torcida pelos professores. Desejo que Deus entre no coração deste Beto Richa e resolva o problema. O povo não elegeu ele? Ele que faça escolas boas para o povo. Como ter aula com 50 anos em uma sala de aula? Ele não tem neto? Não tem filho?”, questiona.
Com apenas 10% da visão, Padilha parece enxergar muito além do que diz. “Para os professores aguentarem este número de alunos que o Beto Richa quer em sala de aula não dá, é muito sofrimento. Estou ganhando meu dinheiro mas participando da luta com eles, eu e minha família”, afirma.
Presente todos os dias no local, seu Arlindo Padilha não revela qual é o rendimento diário, mas diz que a renda auxilia o sustento familiar. “Todo mundo ganha um pouquinho, não vamos mentir, né? Quando chove eles vendem guarda-chuva, chapéu. Eu tenho depressão se ficar em casa, então venho aqui para ajudar a cuidar da barraca e da minha netinha que vem conosco”, finaliza.
Gibran Mendes
CUT-PR