GRÁVIDA PERDE O FILHO DURANTE AVALANCHE DE LAMA DA SAMARCO/VALE
Novembre 30, 2015 9:31Por Joka Madruga
Terra Sem Males
Ouvir o desabafo de uma mulher que perdeu o filho durante o crime ambiental da Samarco/Vale/BHP-Billiton, em Mariana (MG), num aborto involuntário, não é das tarefas mais fáceis. Difícil relatar em palavras tanta dor. Eu estava acompanhado de mais dois companheiros do MAB, Movimento dos Atingidos por Barragens. Apenas sentamos do lado dela para convidar sobre uma reunião de organização e ela começou a desabafar. “Já não tenho nem mais lágrimas, de tanto de chorar”, nos disse. Com o gravador ligado ela falou de uma só vez, sem precisar fazer muitas perguntas.
Em respeito a sua dor e sua família não fiz foto e nem citarei seu nome. Esta jovem mulher, mãe, que não deve ter nem 30 anos, com algumas marcas em seu corpo, ainda se recupera das lesões. Seu olhar longínquo e sua fala indignada emociona.
Durante seu relato, chegou o cunhado e disse que ela foi arrastada pela lama por mais de 1km. Ela consentiu com um aceno.
Segue o relato:
“Na hora que soube que a lama descia, segurei meu menino de dois anos pelo meio e fui para a casa da vizinha que era mais alta que a nossa. Acreditávamos que ela ficaria apenas a alguns centímetros. Eu pensei que o barro viria e depois a gente limparia. Foi o tempo de entrarmos (ela, o irmão, o filho e os 3 sobrinhos) e subirmos no sofá. Segurei meu sobrinho pelo braço direito e meu filho no braço esquerdo.
Eu ia correr, mas não consegui subir o morro. Minhas pernas travaram. Olhei para trás e vi meu irmão com meus três sobrinhos em apuros e voltei para ajudá-lo. Ele com o filho de 4 anos no colo e o outro atrás dele. Quando percebemos a lama dentro da casa, já estava na altura do joelho. A residência dela era grande e quando vi o fundo caindo, como se fosse um papelão se amassando, com a lama engolindo tudo, segurei os meninos com a força que eu tinha.
Quando afundei e voltei, a primeira coisa foi olhar para meus braços se certificar se as crianças ainda estavam comigo, mas eu os perdi. Rezei na hora a Deus para proteger meus filhos, meu irmão e meus sobrinhos desta porcaria toda. E quando eu pensava que estava livre, vinha outra onda e me mandava mais longe. Ai eu me levantava para reconhecer onde estava e não via ninguém. Pensei em me agarrar em alguma coisa, mas tudo que eu segurava afundava. E as ondas me arrastavam.
Eu pedi a Deus que se fosse da vontade Dele, deixasse meu filho sobreviver, mas se fosse para ele morrer, eu entenderia. Foi quando senti meu filho sair da minha barriga, caindo pelas minhas pernas. Pode ter sido melhor assim, pois engoli tanta lama que ele poderia nascer sem saúde.
Vi um caule de bananeira e debrucei em cima, peguei uma folha de palmeira e fiquei acenando. Pedi ajuda para um homem que vi de longe, mas tudo que eu agarrava para chegar mais perto dele afundava. Ele jogou um galho de árvore e me puxou. Eu já estava fraca e quase sem voz. Depois ele conseguiu resgatar meu sobrinho também.
Pensei que iria morrer e que naquelas alturas os meninos já estavam mortos. A gente não imagina que uma criança de dois anos (seu filho), meninos de quatro, cinco e de oito (seus sobrinhos) iriam sobreviver (seu irmão foi encontrado e hospitalizado na sequencia). Pensei que também iria morrer. Até hoje sinto dores no corpo. Perdi meu filho de 3 meses e minha sobrinha, que 40 minutos antes foi em casa e ao sair me pediu benção. Vou lutar por meus direitos até o fim. Dinheiro nenhum vai trazê-los de volta. Mas não vou desistir.
Se fosse durante a noite, ninguém teria se salvado. E até hoje não acredito no que aconteceu. Ainda quero ir lá em Bento Rodrigues para ver o que aconteceu. Eu sei que lá está tudo destruído. Vejo reportagens, vejo fotos e jornal. Mas quero ir lá. Minha ficha ainda não caiu. Prefiro ficar lá em cima (no quarto do hotel), quietinha. Pensando. Só desço quando é necessário.
Nunca mais vou ter meu cantinho. Meu cantinho. Foi difícil construir ele. Me entregaram esta casa no dia 11 de abril do ano passado. E hoje olho para trás e vejo que nunca mais vou ter uma casinha igual. Mesmo se fizerem o mesmo projeto não será a mesma coisa. Não vai ter a rua que meu filho e meus sobrinhos brincavam. Minha casa e do meu irmão era colada uma na outra. No domingo passado, estava todo mundo na casa da minha mãe. Meus tios, meus irmãos. Molecada brincando de bola. Minha mãe fez broa. Estava todo mundo feliz.
E não tenho mais cabeça para reunião (da Samarco). A gente não pode nem falar direito porque não dá tempo. Eles terminam a reunião e vão embora. Entra cada um no seu carrinho e ó, dá o fora. A psicóloga perguntou se quero fazer tratamento. Quero não. Quem bate esquece, quem apanha não. Depois que tudo isto regularizar. Eles voltarão a ganhar o dinheiro deles. Milhões às nossas custas. Nunca vamos esquecer.”
Clique aqui para conferir outras matérias do Terra Sem Males sobre o crime ambiental em Mariana (MG).
DOCUMENTÁRIO REVELA LUTA DE BENZEDEIRAS PELO RECONHECIMENTO
Novembre 29, 2015 20:33Por Fabiano Camargo
Filme tem lançamento pela internet com acesso gratuito. Roteiro e direção são de Lia Marchi, da Olaria Projetos de Arte e Educação
Conhecimentos tradicionais, segredos das plantas medicinais, crença e muita vontade de cuidar do próximo. Estes são alguns dos ingredientes que compõem a saga humana das benzedeiras, realidade de um Brasil profundo que resiste até o presente. A partir do retrato de um grupo de mulheres do interior do Paraná que exerce esta prática, o documentário em curta metragem “Benzedeiras – Ofício Tradicional” revela a saga humana que se repete em muitos rincões do país. Com roteiro e direção da cineasta, pesquisadora e professora Lia March, e produção da Olaria Projetos de Arte e Educação, o filme já pode ser visto na internet com acesso gratuito. O endereço é o: www.youtube.com/olariaculturalcombr
Longe das capitais e dos grandes centros urbanos, onde por muito tempo médicos e postos de saúde eram raros, pessoas que se dedicam a ajudar e curar outras com o auxílio de chás, pomadas, infusões e muita fé, traziam uma alternativa. Em seus 24 minutos de duração, este documentário mostra o trabalho de um grupo de mulheres dedicadas a esta missão. Com imagens poéticas e olhar que consegue se aproximar muito ao universo retratado, o filme revela a luta delas pelo reconhecimento de seu ofício, dando voz às protagonistas deste processo.
Por meio de depoimentos e cenas do cotidiano das benzedeiras, o filme mostra detalhes das práticas realizadas por um grupo de mulheres da região de Rebouças e São João do Triunfo, a cerca de 200 quilômetros de Curitiba. A relação delas com a terra e seus frutos – raízes, cipós, folhas e demais “remédios do mato” – se dá numa área de terras comunitárias, cultivadas e cuidadas de maneira cooperativa. A partir daí, o filme mostra o processo de organização das benzedeiras e, com o apoio do Movimento Aprendizes da Sabedoria, a conquista do reconhecimento.
Esta trajetória iniciou em 2008, com a realização do I Encontro Regional de Rezadeiras, curadores e costureiras de machucaduras de cidades do centro sul do Paraná, organizado pelo Movimento. No ano seguinte, um mapeamento indicou a existência de 294 detentores de ofícios tradicionais de cura na região. Em 2010, a Câmara Municipal de Rebouças aprovou a Lei nº 1401, que reconhece os conhecimentos das benzedeiras como oficio tradicional de saúde popular. Ficou oficializado, assim, o reconhecimento da importância do trabalho delas para a saúde pública, garantindo-lhes o direito de exercerem seus saberes e o livre acesso à coleta de plantas medicinais nativas. Nas cenas finais, as benzedeiras exibem felizes suas carteirinhas que garantem a conquista.
SOBRE O FILME
Com uma extensa produção cultural focada na cultura popular, Lia Marchi conheceu as personagens deste documentário em 2011, num evento realizado pelo Iphan em Curitiba. Depois deste dia foram muitas visitas à região de onde elas vieram, muitas conversas e, por fim, o projeto e a gravação do filme. A obra foi rodada em 2015.
“Nos tempos idos, em que médico não existia perto, as benzedeiras e os benzedores foram médicos, psicólogos, enfermeiros, confidentes, amigos. Foram – e são – cura para males que podem estar numa gama que vai da bicheira à depressão, passando por machucaduras, inflamações, quebrantes, até o famoso ‘ar'”, conta Lia. “Foi neste percurso de singularidades, das vidas privadas destas mulheres, das particularidades de cada mazela que afligia um doente ou outro que eu vi, em cada uma delas, o sentido da comunidade, do indivíduo partilhando sua vivência com a história da coletividade”.
Conforme Lia, elas passaram por uma trajetória de “resignação e luta, misturadas com a alquimia destas mulheres e homens que souberam lidar com o preconceito, com o medo, com a desinformação”. Foram, sintetiza a pesquisadora e cineasta, protagonistas de um milagre humano.
O Movimento Aprendizes da Sabedoria mostrou-se uma ferramenta de grande importância para o futuro das benzedeiras e benzedores da região, prossegue Lia. “Ao mesmo tempo em que trouxe um reconhecimento externo aos saberes e fazeres destas pessoas, trouxe também algo de fundamental para a vida de cada uma delas: o entendimento de seu próprio valor, a certeza de que sua cultura e sua tradição têm lugar no mundo e o sentido de que suas práticas vão para além de suas vidas”.
SOBRE A DIRETORA E PRODUTORA
Lia Marchi é cineasta, pesquisadora, professora e produtora. Iniciou carreira artística em 1990, como produtora cultural e atriz. A partir de 1998 cria e coordena o projeto Tocadores, que editou livros e filmes focados nos músicos da cultura popular, em diversas regiões do país e também em Portugal. Fundou em 1999 a Olaria Projetos de Arte e Educação, onde atua como diretora artística coordenando a realização de diversos projetos.
Há mais de 15 anos se dedica a pesquisa e divulgação das culturas tradicionais e populares, especialmente do Brasil e de Portugal. Em seus livros e filmes, aborda o rico universo das comunidades tradicionais e dos sons e sentidos das culturas locais. Atualmente divide seu tempo entre a pesquisa musical, a realização de documentários e oficinas para diversos públicos.
É autora de onze documentários e quatro livros, entre outros produtos culturais, como exposições, seminários e cursos.
IGREJA DE MARIANA CELEBRA 270 ANOS E É SOLIDÁRIA COM OS ATINGIDOS DA SAMARCO
Novembre 29, 2015 12:19Aconteceu no último sábado (28), a Celebração do Dia da Arquidiocese de Mariana, que também celebrou os 270 anos de sua criação. Aproximadamente 5 mil fiéis católicos estiveram presentes.
Em vários momentos Dom Geraldo Lyrio Rocha, arcebispo de Mariana, ressaltou a importância da solidariedade com os atingidos e pediu justiça.
Durante a celebração, houve uma coleta em dinheiro para os atingidos do crime ambiental da Samarco/Vale/BHP-Billiton. Um panfleto foi distribuído por agentes pastorais sobre o rompimento da barragem e apoiando o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB): “A arquidiocese conta, especialmente, com a atuação do MAB nessa causa para mobilizar, organizar e auxiliar os atingidos na luta por seus direitos”. No final da celebração o povo presente gritou: “Águas para vida. Não para a morte!”
Abaixo segue algumas imagens.
Fiéis católicos celebraram 270 anos da arquidiocese de Mariana e se solidarizam com os atingidos pela lama da Samarco. Fotos: Joka Madruga
PT DEFINE CANDIDATURA PRÓPRIA EM CURITIBA E PODE LANÇAR TADEU VENERI
Novembre 28, 2015 17:29Por Manolo Ramires
Terra Sem Males
A militância do Partido dos Trabalhadores (PT) de Curitiba se reuniu na sede do Sintracon para discutir os rumos eleitorais em 2016. O partido se definiu por ter candidatura própria em Curitiba. O nome indicado é o deputado estadual Tadeu Veneri. Cargos não serão entregues. Para os petistas, somente a candidatura própria é capaz de resgatar a identidade da sigla e enfrentar os desafios externos e internos.
Para a vereadora professora Josete, o partido precisa dessa reflexão. “Temos que ter a candidatura própria para mostrar o que fizemos ao país e trazer a Curitiba. É necessário também uma autocrítica, pois erros de companheiros nos levaram ao descrédito junto à sociedade”, avalia.
A vice prefeita Miriam Gonçalves não atacou o prefeito Gustavo Fruet. Por outro lado, entende que o partido deve ter candidato em 2016. “Eu disse em abril para o Gustavo Fruet que ainda não decidimos a candidatura própria neste encontro. Mas a gente discute o tema e eu vou me submeter à maioria. Eu sou sim a favor a candidatura própria. Não é para fazer oposição ao Gustavo, mas expor nosso posicionamento. E como fui eleita, estarei na Prefeitura até o fim de 2016. Para mim, a candidatura própria é para mostrar que temos propostas para Curitiba e para o país”, defende.
Embora o partido tenha definido pela candidatura própria, o nome a ser escolhido só se define em março. Até lá outros candidatos podem aparecer além de Tadeu Veneri. Outra decisão é não entregar os cargos na Prefeitura de Curitiba. Seguem mantidos os cargos de segundo escalão nas secretarias, a secretária do trabalho e o cargo de vice-prefeita Miriam Gonçalves.
Indicado como pré-candidato do PT, o deputado estadual Tadeu Veneri se coloca à disposição para a campanha. Para ele, o partido deve ter coragem para lutar. “Nós estamos em uma conjuntura difícil. Mas temos que lembrar que somos um partido que deu voz a quem não tem voz. Essa candidatura mostra que não vamos nos dobrar, não vamos nos entregar. Está muito claro que há a necessidade de ter a candidatura própria. Eu coloco meu nome à disposição. Nós temos que sair unidos desse encontro”, incentivou Veneri.
O ex-deputado federal e relator do Plano Nacional de Educação Ângelo Vanhoni também defende a candidatura. Contudo, ele pediu paciência para que o partido saia fortalecido do processo. “Na última defesa eu defendi a aliança com Fruet. Agora a conjuntura é outra. Mas acho que não deve ter pressa e sim paciência para a discussão”, relativizou. O nome de Vanhoni, inclusive, foi indicado como candidato a vereador.
BARRA LONGA, UMA CIDADE VÍTIMA DO CRIME AMBIENTAL DA VALE/BHP-BILLITON/SAMARCO
Novembre 27, 2015 8:54Por Joka Madruga
Terra Sem Males e Movimento dos Atingidos por Barragens
Muito tem se falado da histórica cidade mineira de Mariana. Pouco de Barra Longa, cidade vizinha e que foi parcialmente destruída pela lama da Vale/BHP-Billiton/Samarco, inundada pelo rio do Carmo. Cheguei lá junto com um grupo de médicos populares e uma amiga, também jornalista. Percebemos que a destruição causada pelas mineradoras não escolheu classe social. Atingiu ricos e pobres. Mas claro que os pobres sempre sofrem mais.
Chegamos no meio de uma reunião dos atingidos com o Movimento dos Atingidos por Barragens e a Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais, que acontecia na Igreja Católica e que virou referencia para os desabrigados. O olhar das pessoas atingidas revelava o temor pelo futuro. Não perderam a vida, mas a tiveram desconstruída por causa da ganância de uns poucos.
Muitos trabalhadores do comércio estão desempregados, pois foram demitidos. O bares, hotéis, pousadas, restaurantes e lojas da parte baixa da cidade foram atingidas. Sem renda, os proprietários tiveram que tomar uma medida extrema: demitir. Alguns agricultores e pecuaristas ficaram isolados e perderam produção, de leite especialmente.
No entanto, a maior reclamação dos moradores é de que não foram avisados. O rompimento da barragem de Fundão aconteceu por volta das 16h30. A lama chegou em Barra Longa às 3h30 da madrugada. Tempo suficiente para ligarem para a defesa civil da cidade e retirar as pessoas dos locais de risco. Não foi registrada nenhuma morte nesta localidade, mas a indignação da comunidade é grande. Muitos acreditaram no boato de que a lama não chegaria em Barra Longa e por isto perderam tudo.
A lama levou vidas humanas, documentos pessoais, móveis, automóveis, animais, casas, roupas e tantas outras coisas mais. Mas não levou a fé e a indignação deste povo mineiro que tem recebido ajuda do mundo inteiro. E um dos principais atores na luta por seus direitos tem sido o Movimento dos Atingidos por Barragens, que tem organizado os atingidos e atingidas. Orientando e sendo um interlocutor com os poderes executivo, legislativo e judiciário.
Abaixo segue alguns relatos de moradores e atingidos:
Sandra de Oliveira, Secretária Municipal de Assistência Social, explica como está o planejamento para atender a população: “primeiro distribuímos para as famílias atingidas diretamente. Mas agora começamos a atender as parcialmente atingidas, que são as pessoas que perderam empregos ou ficaram isoladas”. Ela relata que ainda não tem previsão de quando a cidade volta ao normal.
Maria Celeste, proprietária do Hotel Xavier, teve parte de seu estabelecimento inundada pela lama. Ela reclama que a Samarco quer pagar o preço abaixo de tabela, pelo tempo que está sem hóspedes. “Em momento algum a Samarco avisou Barra Longa (que a lama descia). Eu acho até que eles não sabiam a dimensão do problema que eles causaram. E hoje eles estão ai, colocando preço nas nossas mercadorias”, desabafa Celeste, que recebe em seu hotel mais de 10 voluntários da Igreja Batista sem cobrar nada.
Adilson de Paula, teve prejuízos com um carro da marca Gol que estava na garagem de sua residência e que fica na parte superior do imóvel. Ao lado havia um comércio especializado na venda de queijos, do irmão de seu patrão e tudo foi devastado.
Denise Ferreira, professora, acredita que esta tragédia foi maior que a enchente que teve em 1979, quando o rio do Carmo inundou a parte baixa da cidade. Ela ficou sabendo sobre o rompimento pela televisão e que a lama só iria atingir a praça da cidade, que fica nas margens do rio. “Muita gente não acreditou que a lama chegasse acima da praça e por isso nem tiraram as coisas de suas casas”, relata.
Gilinho, dono do posto de combustíveis, teve sua casa destruída nos arredores da praça. Ele foi acordado por seu tio às 3h30 da madrugada, que ouviu as notícias e correu socorrê-lo. “Podiam (Samarco) ter vindo na frente avisando, pois tinha tempo para isso”, reclama o empresário indignado, pois a lama chegou em Barra Longa 11 horas depois do rompimento.
Jésus Neves, nascido em Barra Longa há 84 anos, nunca imaginou, nem em sonho que uma tragédia desta poderia acontecer. “Nem sabia que a barragem era tão grande a ponto de causar tanto estrago”, confidencia. Assim como outros moradores, ele acredita que era possível ter evitado tanto prejuízo, devido ao tanto de dinheiro que a Samarco/Vale/BHP-Billiton lucra com a mineração.
Andreia Luiza, tinha sua casa nos arredores da praça, é artesã e perdeu tudo. Inclusive seu material de trabalho. “Minha casa era confortável e foi tudo embora. Em horas vi minha vida ser destruída”, desabafa.

Voluntários limpam as residências dos atingidos. O marrom na parede é a marca de onde a lama chegou. Foto: Joka Madruga

Bem-te-vi em cima de um monte de lama, nas margens do rio do Carmo. Quanto tempo a natureza levará para se recompor da ganância de uns poucos? Foto: Joka Madruga
Matéria relacionada: ATINGIDOS PELA LAMA DA SAMARCO (VALE/BHP-BILLITON) NÃO SÃO SÓ OS DESABRIGADOS
SAMARCO SE COMPORTA COMO “BOTEQUIM DA ESQUINA” DIZ JUIZ DE MARIANA-MG
Novembre 26, 2015 18:38Por Paula Zarth Padilha
Terra Sem Males
O juiz de Mariana, Frederico Esteves Duarte Gonçalves, negou recurso judicial da Samarco (empresa que tem como donas a Vale e BHP-Billiton), que pedia o desbloqueio de pouco mais de R$ 7 milhões de suas contas bancárias, afirmando que a empresa “vem adotando estratégia jurídica indigna e deliberada de, como se fosse o botequim da esquina, não cumprir o mandamento judicial”.
Na decisão, ele declarou que, mesmo em seu balanço anual ter declarado provisionamento de R$ 500 milhões para contingências como as que ocorreram em Mariana, com faturamento anual de quase R$ 8 bilhões e lucro líquido de quase R$ 3 bilhões ao ano, a Samarco “sumiu com o dinheiro, embora, em 31 de dezembro de 2014, tivesse em seu caixa mais de dois bilhões de reais”.
O juiz também observou que a Samarco pediu o desbloqueio sob a justificativa de “proceder com o apoio social às vítimas do acidente” e o cumprimento do acordo firmado com o Ministério Público Federal e Estadual, mas antes de tudo “vem a público pedir desculpas às vítimas, em horário nobre da TV” (citou veiculações nos intervalos do programa Fantástico, da Rede Globo). Anúncios pagos.
Além de negar o desbloqueio, o juiz Frederico Gonçalves determinou o bloqueio de quaisquer valores e títulos de crédito da Samarco sob custódia do Banco Central do Brasil, até completar os R$ 300 milhões. De acordo com informações do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, a medida também abrange eventuais valores que estejam em conta transitória decorrente de operações de exportação ou de internalização de dinheiro, recebimentos de recursos do exterior, liquidações de carta de crédito de exportação ou qualquer outro empréstimo, ainda que estejam lançados em qualquer outra rubrica contábil.
As informações acima podem ser consultadas na tramitação do processo 0039891-33.2015.8.13.0400, no TJMG.
Confira mais notícias sobre a tragédia em Mariana-MG aqui.
ATINGIDOS PELA LAMA DA SAMARCO (VALE/BHP-BILLITON) NÃO SÃO SÓ OS DESABRIGADOS
Novembre 25, 2015 12:02Moradores dos subdistritos de Pedras e Campinas, no município de Mariana-MG, relatam como foi o dia em que a lama de rejeitos de minérios chegou na localidade após o rompimento da barragem Fundão, de propriedade da Samarco, empresa das gigantes mineradoras Vale e BHP-Billiton.
Todos e todas com quem conversamos disseram que não foram avisados pela empresa, mas por um “homem de moto” da região, pai de um trabalhador da Vale. Algumas famílias não acreditaram no alerta.
Nesta região o povo ficou ilhado durante 5 dias, pois de um lado a lama encobriu a estrada e do outro levou embora uma ponte.
Abaixo alguns relatos:

A lama da Vale encobriu boa parte da pastagem dos produtores de leite, que ficaram sem ração durante cinco dias. Foto: Joka Madruga
Clodoaldo Carneiro, produtor de leite, precisou alugar um pasto do vizinho para manter seus animais. Antes da tragédia ele produzia cerca de 400L de leite por dia. Agora está na média de 250L diários. Carneiro e sua mãe têm 193 hectares de terra, sendo que metade foi engolido pela lama da Vale/BHP-Billiton/Samarco. Só ficou a parte onde tem morro.
Ele e sua mãe foram avisados às 19h, (o rompimento aconteceu por volta das 16h30), quando chegaram na residência, que fica no meio do morro e por isto não tiveram a casa destruída. A lama chegou em Pedras às 21h15 e pouco antes eles passaram pela ponte que foi levada.
Sobre o trabalho do Movimento dos Atingidos por Barragens, em organizar o povo para lutarem por seus direitos, ele é enfático: “tudo que for organizado e fazer o povo se unir, sem ninguém levar vantagem, é válido”. Ele não quis ser fotografado, mas seu olhar denunciava sua indignação.
Para o agricultor familiar Manoel da Silva, aumentou o trabalho para dar água para o gado, que não bebe mais do rio, que fica a uns 100 metros de sua residência. Agora tem que levar para um outro lugar mais distante.
Maria Goreti, disse que os animais ficaram 5 dias sem alimentos. “Os animais (vacas leiteiras) ficavam olhando pra gente e berrando pedindo ração. Elas não gostam do pasto no morro, elas querem ficar na pastagem perto do rio (que está coberta de lama)”, relata com os olhos lacrimejando.
Cristiana Aparecida, agente de saúde em Pedras, não consegue dormir de preocupação por causa da lama na estrada e a ponte caída. “Deito na cama e fico preocupada. E se alguém adoece? Não tem como sair com rapidez. Minha filha chegava da escola as 11h30, agora leva umas duas horas a mais, pois o motorista do ônibus precisa dar uma volta imensa. Espero recuperem a ponte logo”, desabafa num misto de emoção e revolta.
Maria Macedo, agricultora, e seu marido foram avisados, mas não acreditaram. Eles só deram conta do que vinha pela frente quando ouviu o barulho da lama descendo. “Deu um estalo na cachoeira que tremeu tudo, acabou a luz, desatei os cachorros que estavam amarrados, peguei a bolsa de documentos e subimos o morro. Lá ficamos até o dia clarear e só voltamos quando a lama baixou. Perdemos galinhas, patos, uma roçadeira, plantações de mandioca, milho, feijão e enxadas. Os patos quando andam na lama dão uma pirueta e caem mortos”, explica.
O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) atua há mais de 20 anos na organização de quem tem suas vidas prejudicadas pela ganância de uns poucos. O MAB defende que todos os atingidos tem direito de ficar em situação igual ou melhor do que antes. E que todas as decisões devem ser tomadas pelos atingidos e atingidas.

Em alguns pontos a lama subiu mais 15 metros, destruindo casas e outras construções. Foto: Joka Madruga
Joka Madruga
Repórter fotográfico, diretor do Sindijor-PR, editor do site Terra Sem Males e voluntário do MAB em Mariana-MG.
85% DOS RECURSOS DA VALE (ENTÃO DO RIO DOCE) DEVERIAM SER FUNDO PÚBLICO PARA A REGIÃO, DIZ ADVOGADO
Novembre 25, 2015 11:02O advogado Eloá dos Santos Cruz, responsável por diversas ações populares contra a entrega do controle acionário da empresa para especuladores transnacionais (a chamada privatização de 1997), é taxativo: a então empresa mista Vale do Rio Doce deveria ter um fundo público para melhoramento e desenvolvimento da região desde o ano de 1942, quando foi criada, até 1997, quando o patrimônio nacional foi vendido na Bolsa de Valores.
Esse fundo, que hoje poderia ser investido na recuperação ambiental e em indenizações das vítimas da tragédia de Mariana (MG), que não foi acidente, deveria ser equivalente a 85% do lucro líquido da então estatal.
“A criação da Companhia Vale do Rio Doce, publicada no Diário Oficial de 01 de junho de 1942, estabeleceu uma regra que está em pleno vigor: que o dividendo máximo de lucros a ser distribuído não pode passar de 15%. E o que restar do lucro (os outros 85%), deve se destinar a um fundo de investimento em prol dos estados de Minas Gerais e do Espírito Santo. Esse decreto nunca foi revogado”, afirmou Eloá durante uma palestra para comunicadores populares e sindicalistas na noite de 18 de novembro de 2015, no Rio de Janeiro.
Eloá também defende que a Vale do Rio Doce antes da chamada privatização de 1997 já tinha ações na bolsa de valores. “O tratamento dado à Vale já era de empresa privada, nasceu privada. A conversa da privatização foi para justificar engodo combinado para entrega do controle da Vale a especuladores transnacionais”, afirmou.
Ações populares

Advogado Eloá dos Santos Cruz (à direita na foto) falou sobre a Vale durante encontro de comunicação no Rio de Janeiro. Foto: Paula Zarth Padilha.
Na década de 1990, o advogado, que foi funcionário da Vale do Rio Doce de setembro de 1997 a maio de 1995, quando se aposentou, articulou inúmeras ações populares questionando mais de 30 ilícitos no edital de licitação da empresa. Um desses ilícitos, que poderia ser considerada uma causa de nulidade da venda, seria que a licitação da Vale dizia ser insuscetível de revisão. “Contratos de concessão são precários pela própria natureza e devem ser revistos”, explicou.
Em primeira instância, um juiz de Belém do Pará encerrou dezenas dessas ações populares sem exame de mérito, mas em recurso Eloá conseguiu que o Tribunal Regional Federal da 1ª Região invalidasse as sentenças e reabrisse os processos. Estão pendentes de julgamento no Supremo Tribunal Federal cinco processos sobre o que Eloá chama de “desestatização” (e não privatização) da Vale.
Eloá é taxativo: “Ninguém pode dizer que comprou ações da Vale de boa fé”.
* O advogado Eloá dos Santos Cruz se apresentou na mesa “Roda viva sobre política e economia no mundo hoje” na noite de abertura do 21º Curso Anual do Núcleo Piratininga de Comunicação, realizado no Rio de Janeiro. Ele se apresentou como advogado formado em 1964, oriundo última turma antes do golpe militar. Ele defende o título de eleitor como principal documento para exercer a máxima do artigo 1º da Constituição de 1988: “Todo poder emana do povo”. E esse poder é viabilizado por ações populares, que podem ser protocoladas a partir da existência do título de eleitor. Seus textos podem ser consultados no blog Muçungão.
Por Paula Zarth Padilha
Terra Sem Males
400 FAMÍLIAS DO PARANÁ SÃO INDENIZADAS APÓS SEREM ATINGIDAS PELA BARRAGEM DE SALTO CAXIAS
Novembre 25, 2015 10:00A coordenação do Movimento Nacional dos Atingidos por Barragens (MAB) irá realizar um evento de celebração, na próxima sexta-feira, 27 de novembro, pelo resultado da luta de 400 famílias do Paraná que conquistaram indenização por serem atingidas pela abertura das comportas da Usina Hidrelétrica de Salto Caxias em 2014.
A vitória com a conquista da indenização é inédita na história dos atingidos por barragens de todo o país, após um ano de lutas e mobilizações.
O ato comemorativo da conquista da indenização das famílias atingidas pela abertura das comportas da UHE Salto Caxias será realizado no dia 27 de novembro (sexta-feira), com início às 10hs, na comunidade de Marmelândia, município de Realeza. A comunidade de Marmelandia se encontra ao lado da ponte do rio Iguaçu que liga Capanema a Capitão Leônidas Marques.
Fonte: Movimento dos Atingidos por Barragens do Paraná
CRÔNICA: LUZ NO ASFALTO, CALOR HUMANO NA FAVELA
Novembre 24, 2015 12:00Na noite de 21 de novembro, sábado, a favela Santa Marta, mais íngreme do Rio de Janeiro, no alto de seus 788 degraus do chão ao topo, estava no escuro. Numa escuridão iluminada. Por um faixo de luz que dividia o lugar. E por todas as luzes refletidas do asfalto. Na gíria, pelas casas que não estão na favela.
O bar do Zé Baixinho recebeu a visita de uns 30 ou 40 comunicadores populares de todos os cantos do Brasil, inclusive Joka e eu, à luz de velas, som ambiente de voz, violão e batuque, comida caseira (caldo verde e baião de dois). Mas a cerveja era quente. Aquele lado do morro estava sem luz desde 10 horas da manhã. Levados por Repper Fiel, militante e comunicador ligado ao Núcleo Piratininga de Comunicação, nosso tour pelo morro foi retomado às 22 horas. Ainda no escuro.
Subimos e descemos becos e escadarias por uma escuridão rodeada de vida. A vida dos moradores. Que ou gritavam “é bom para verem o que a gente passa”, ou estavam ali fazendo a festa, curtindo a noite de sábado. Também ouvi alguém comentar “descobriram que 30 jornalistas de esquerda viriam aqui e nos deixaram sem luz”. Pode ser.
Passamos por umas quatro ou cinco festinhas familiares na favela, seja churrascos sob velas ou mesmo bailes animadíssimos com luzes coloridas na outra metade do morro que não teve o corte de energia. Já estive no Santa Marta em 2011, também acompanhando os jornalistas de esquerda do Fiell. E a vontade de repetir essa experiência me vez voltar, em insistir no tour noturno, mesmo na escuridão, na expectativa de rever aquela realidade de novo. E aquele mirante.
Não chegamos ao mirante, mas a vista estava bonita. A vista é bonita. Talvez o melhor dos privilégios de quem mora ali. Localizada em Botafogo, diz Fiell que a especulação imobiliária após a “pacificação” aumentou os custos de vida na favela Santa Marta, tanto o valor cobrado pela energia elétrica, quando os valores dos alugueis. E que muitos ex-moradores foram procurar lugares mais distantes e mais baratos para viver. E em troca da vista privilegiada, diz ele, muita gente que vai de mudança para o Rio de Janeiro procura um lar no Santa Marta.
Eu só procurei rever. E quatro anos não mudaram nada. A contradição ainda é a mesma. Os mesmos degraus. A mesma vista. Ali, o Rio de Janeiro para turista ver se confunde no lar doce lar de quem sobrevive a uma realidade tão diferente. E que só seus próprios olhos podem te contar. Não é ruim. Só é diferente. E sem privilégios.
Por Paula Zarth Padilha
Terra Sem Males
* Os editores do Terra Sem Males Joka Madruga e Paula Zarth Padilha estiveram no Rio de Janeiro entre os dias 18 e 22 de novembro para participar do 21º Curso Anual do Núcleo Piratininga de Comunicação, que reuniu mais de 200 pessoas entre comunicadores populares e dirigentes sindicais de diversas categorias. A visita ao Santa Marta é parte da programação noturna extra-oficial do evento.