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A identificação para Freud e a relação objetal

29 de Janeiro de 2014, 17:55 , por Rafael Pisani Ribeiro - 0sem comentários ainda | No one following this article yet.
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Licenciado sob CC (by-nc-sa)

 

 

Identificação: forma pela qual a criança toma um indivíduo como modelo. No caso do menino o pai, a menina a mãe. Generalizadamente o menino em uma figura masculina e uma menina em figuras femininas, ao menos em um complexo de Édipo/ Elektra normal. [1]

 Relação objetal: o desejo sobre posse. No caso do menino um desejo pela mãe, a menina pelo pai. Não um desejo relativo ao ato sexual em si, mas da companhia, desejo de estar com a pessoa. Um desenvolvimento adequado ocorre dessa forma.

   No período anterior ao complexo de Édipo as duas coisas coexistem sem confronto, isto é, a criança deseja o progenitor do sexo oposto e ama o progenitor do mesmo gênero. Quando ocorre a unificação da vida psíquica eclode o complexo de Édipo normal e com isso o conflito interno e ambíguo. Para o menino o pai é um obstáculo entre ele e a mãe, por isso deseja destruí-lo ou substituí-lo junto a mãe. Ou seja, ódio e amor coexistem na relação com o menino desejando a mãe e disputando-a com o pai e a menina desejando o pai e disputando-o com a mãe. Na fase oral ocorre a incorporação e a projeção na qual o indivíduo expressa no mundo seus sentimentos agindo por tais impulsos e vendo-os em outrem. É esse o ponto a qual vive o canibal, isto é, devora somente aqueles por qual enxerga alguma importância.

  Vários destinos podem ocorrer após esse momento com a identificação. Entre eles uma inversão na qual ela se torna objeto fazendo com que o menino/menina deseje possuir seu pai/ sua mãe e não sê-lo/sê-la. Portanto, a identificação toma o alvo como modelo, enquanto o objeto em termos de posse.

Em um contexto mais complicado isso gera uma formação neurótica de sintomas.   Freud no texto original cita uma garota desenvolvendo uma tosse semelhante a da mãe. Isso decorre pelo desejo de substituir a mãe expressando o amor objetal ao pai e dessa forma substitui a mãe ao menos por consciência de culpa, copiando seu sofrimento.[2] Ou a identificação com a mãe se torna expressão objetal e a antiga relação com o pai se transforma em identificação, assumindo então nesse outro exemplo um sintoma do pai. É possível dizer então que houve uma inversão entre identificação e objeto, um se tornou o outro.

  Sendo a identificação a primeira e original forma de ligação afetiva do indivíduo, em circunstancias de formação de sintomas, isto é, de repressão e predomínio de mecanismos inconscientes ocorre com frequência de a escolha do objeto se tornar identificação ocorrendo a introjeção de características do objeto no Eu. Isso pode ocorrer ora com a pessoa amada, ora com a pessoa não amada. Nos dois casos a identificação é parcial, introjetando apenas um traço da pessoa-objeto.

Portanto, o complexo de Édipo normal e a inversão entre objeto e identificação configuram dois casos, sendo o segundo de formação de sintomas. O terceiro desconsidera a relação objetal com a pessoa copiada. Se uma garota de um pensionato recebe uma carta de um admirador secreto lhe causando ciúme e, tem como reação um ataque histérico, caso algumas de suas amigas descubram teriam a mesma histeria por via de infecção psíquica. É o mecanismo de identificação em querer ou poder colocar-se no lugar da pessoa ou situação.[3] Todas desejam tal situação e sob consciência de culpa acolhem o sofrimento decorrente da situação.

Isso não ocorre por compaixão porque ela surge a partir da identificação e a prova disso é que tal infecção ou imitação ocorre em locais na qual se supõe uma simpatia pré-existente menor que o habitual entre amigas de um pensionato. Em outras palavras, existe algo em comum entre duas pessoas. A identificação ocorre sobre esse algo e, em situação patogênica ela se desloca para o sintoma produzido pelo Eu. Dessa forma a identificação através do sintoma é o indício de um local de coincidências entre dois EUs que deve permanecer reprimido.

   Dessa forma assim pode ser resumido: “A identificação é a mais primordial forma de ligação afetiva a um objeto; segundo, por via regressiva ela se torna o substituto para uma ligação objetal libidinosa, como que através da introjeção do objeto no Eu; terceiro, ela pode surgir a qualquer nova percepção de algo em comum com uma pessoa que não é o objeto dos instintos sexuais. Quanto mais significativo esse algo em comum, mais bem-sucedida deverá ser essa identificação parcial, correspondendo assim ao inicio de uma nova ligação.” [4]

 Através do estudo das Psicoses nos foi mostrado a identificação de outras formas, na qual dois casos serão tratados mais adequadamente. A origem da homosexualidade masculina é frequentemente quando o menino deve perder de vista a mãe como objeto e acaba por transformar isso em identificação. Deseja transformar-se nela e procura um objeto que possa substituir seu Eu, amar e cuidar como aprendeu com a mãe.

É um processo frequente que pode ser consultado a vontade e independe do motivo da mudança ou suposição acerca do motor orgânico instintual. O problema é onde tal mudança afeta o indivíduo, isto é, no caráter sexual ocasionado pela transformação de objeto para identificação, e portanto, colocando-se no lugar da mãe: deseja quem ela deseja, ou seja, seu pai- o sexo masculino.[5] Assim se renuncia o próprio objeto. Se fica preservado no inconsciente ou é inteiramente perdido escapa de tal discussão. A introdução do objeto no Eu já não é novidade.

 Freud relata em tal texto uma publicação na Revista internacional de Psicanálise onde uma criança com a perda de seu gato declara simplesmente ser o gato e passa a agir como ele, andando de quatro, não comendo na mesa etc... A melancolia é outro grande exemplo, afinal, entre as causas mais notáveis está a perda real ou afetiva do objeto amado. Uma característica maior de casos assim é a autodepreciação do Eu, unida a uma autocrítica e recriminações a si mesmo. A Psicanálise descobriu que esses reproches se aplicam no objeto representando a vingança do Eu frente a ele. A sombra do objeto cai sobre o Eu.

 Tais considerações mostram ainda que o Eu se divide em dois pedaços e um se enfurece com o outro. Esse “outro” contém o objeto perdido. O lado repressivo nos é desconhecido e contém a consciência moral. Sua ação repressora também existe em épocas normais, no entanto, nunca de forma tão inexorável e justa. Já no Narcisismo, Luto e Melancolia supomos uma instancia separada do Eu e em conflito com ele-o ideal do Eu. Lhe damos a função da auto-observação e consciência moral, portanto influi na repressão e na censura dos sonhos[6]. É a herdeira do narcisismo original quando o Eu infantil bastava a si mesmo.

Gradualmente absorve as influências e exigências do meio e, quando em alguns momentos seu Eu é incapaz de cumprir e assimilar tais coisas o indivíduo recorre ao ideal do Eu. Ele é algo externo e só aparece quando o Eu em si já não é mais satisfatório ao indivíduo. Além disso, percebemos no delírio de observação uma grande influência dessa instância, com origem na autoridade, principalmente os pais. Sem esquecer que a distância entre Ideal do Eu e Eu real varia a cada indivíduo e em muitos não é maior que na criança. O texto a que me referi constantementeestá colocado nas referências.

 Lembrem-se de referenciar a fonte caso utilizem algo deste blog. Dúvidas, comentários, complementações? Deixe nos comentários.

 Escrito por: Rafael Pisani

 Referencias:

 Psicologia das massas e análise do eu e outros textos (1920-1923) / Sigmund Freud ; tradução Paulo César de Souza- São Paulo: Companhia das Letras 2011 Psicologia das massas e análise do Eu, Capítulo VII A identificação

 

 


[1] Na época de Freud o pai era tido como a regra, o dono da casa, quem a sustenta e mãe tinha a responsabilidade da atenção e carinho. Por isso uma “figura masculina” representa autoridade e uma “figura feminina” representa passividade. Portanto podem ser papéis exercidos tanto por homens quanto por mulheres e outras pessoas além dos pais da criança.

[2] A consciência de culpa aparece pela ambigüidade da relação. Explicação dada pelo presente autor e não no original.

[3] A parte: “no lugar da pessoa ou situação” é no original é “em querer ou poder colocar-se na mesma situação” A alteração foi meramente didática.

[4]  Capítulo VII-  A identificação, ultima linha da página 64 ao fim da nona linha da página 65. Livro citado nas referências.

[5] A frase: “... e portanto, colocando-se no lugar da mãe deseja quem ela deseja, ou seja, seu pai o sexo masculino” foi adicionada a titulo de didática.

[6] O ideal do Eu é o que se contrapõem ao lado introjetado pelo objeto.


Tags deste artigo: psicanálise

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