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Orientar não é instruir, pedir não é dar ordem

9 de Abril de 2014, 20:21 , por Rafael Pisani Ribeiro - 0sem comentários ainda | No one following this article yet.
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Licenciado sob CC (by-nc-sa)

Esse é um assunto curioso, até mesmo complexo de se pensar. Para elucidar esse tema é nítido pensar na educação como uma forma de manter a estrutura social. Um filósofo interessante é Michel Foulcault na questão educativa.  Primeiramente o campo ideológico. Os telejornais são utilizados como meio de informação política, junto com jornais impressos e pelo rádio. Simultaneamente, existem distrações como programas de entretenimento. Dentro disso estão novelas, filmes, reality shows como Big Brother, programas de competição como “Show do milhão”, “Mega senha”, programas de culinária como “Mais você”, e vários outros. É feito um esforço para educar a massa segundo a ideologia dominante fazendo-a entender a posição que deve ficar e o que pode fazer. Especifícamente falando, a liberdade é fazer aquilo que se pode, o que a lei permite, ou ainda pior, é ser livre para fazer aquilo que deve fazer.

O êxito foi obtido e um exemplo é a sociedade moderna. Dessa forma as pessoas permitem que o sistema perpetue sua existência até os tempos atuais onde indivíduos diferenciados são chamados de loucos e, por saírem da linha recebem a punição.     A punição é um mecanismo secundário aparecendo quando a educação falha. O termo “educação” nesse sentido pode se equivaler a adestramento, então assim como adestramos cães, os pais adestram os filhos. Na sociedade moderna, quando a educação falha em fazer com que o indivíduo se torne cidadão e aceite a ordem das coisas como é-  ou ao menos não concorde e não tente mudá-la- a repressão se torna necessária. Isso para a não ocorrência do caos na ordem, portanto, é uma sociedade muito mais disciplinadora do que repressora. [1]Nisso entra Marx, onde a ideologia dominante são as ideias da classe dominante, onde de tudo é feito para mantê-la. Dito isso, é simples trazer tais ideias para com coisas simples do cotidiano.

Segundo o dicionário Melhoramentos Orientar significa "Indicar o rumo exato de" e é sinônimo de instruir, alertar. Indicar por sua vez é "designar, sugerir" e é sinônimo de recomendar, aconselhar. Pedir significa "solicitar, requerer, exigir e reclamar". Instruir por sua vez é "dar instrução, doutrinar, ensinar, ser esclarecido, informar". Doutrinar vem de doutrina que significa "conjunto de princípios de um sistema religioso, político ou filosófico". Ordem significa "boa disposição das coisas, cada uma no seu lugar ou maneira, modo, disposição". Assim constituem termos diferentes, mas quase igualados no cotidiano.

Se orientar é "indicar o rumo exato" e indicar é sinônimo de sugerir, recomendar, aconselhar ao menos há uma escolha quando se é orientado a algo, enquanto a instrução visa ensinar uma doutrina específica para que a ordem seja mantida. Pode ser usado em sentido diferente em outros contextos, mas é comum orientar tomar sentido de instrução podendo se traduzir por duas formas : a primeira como fase de educação, impor a ideologia dominante através da educação evitando-se a repressão e a linguagem como forma de manter a hierarquia e estrutura social, portanto mantendo a classe dominante no poder.

Na primeira, ao invés de o sujeito resistir a essas ideias, através de punições ele vai se conformando e assim evita sofrer na busca de algo que é considerado difícil ou até impossível. É possível dar de exemplos militantes dos movimentos sociais e sonhadores. O sonhador vai ser punido com suas falhas e decepções, o militante por também ser sonhador sofrerá o mesmo e a solução arranjada, sabendo que socialmente algumas coisas são consideradas como sem solução é: se não vai dar certo, para que sofrer? No quesito linguagem, ela representa um sentido, identidade e ideologias[2]transmitidas também através da linguagem escrita.

É possível identificar de qual local a pessoa é, classe social, sua orientação sexual, ideologias morais e identitarias ou gênero através da linguagem que usa, apesar de haver uma série de preconceitos transmitidos também através da linguagem. Por ela a vontade de se manifestar contra uma lei, ideia, autoridade pode ser reduzida transmitindo a ideia de que protestos são baderna e a doutrina ideal é a obediência as autoridades ou o fato de “uma lei ser lei e pronto”. Atrás dessa linguagem que a palavra orientar se confunde com instruir e pedir com mandar. A que ponto isso tem influência no cotidiano?

 Vejamos exemplos da Universidade, Exército e trabalho. Na universidade temos “orientadores” em Mestrado, Doutorado, Pós graduação e Graduação e os alunos são “orientados” a seguir as regras da ABNT e do professor. No exército os soldados e suas várias patentes são “orientados” a seguir as ordens de seu imediato superior. No trabalho o patrão “orienta” o funcionário a fazer o que ele pede. No primeiro, segundo e terceiro caso não existe escolha, a não ser no sentido de que a escolha correta está dentro da doutrina e é premiada.

A escolha fora dela é punida, ou seja, só existe uma doutrina correta - portanto na Universidade tem-se instrutor e não orientador. O caso da palavra pedir também é interessante. O General “pediu” para sentar, o chefe “pediu” ao funcionário para fazer algo, o professor “pediu” um trabalho. Em nenhum desses contextos havia a opção de negar o “pedido” sem punição, assim o “pedido” vem como uma forma amenizada de dar ordem, vindo de uma ideia de que tal sujeito está disposto a cooperar com a doutrina específica e manter a ordem, ainda que haja a falsa ideia de que é livre para escolher. Enfim: não é que essas palavras nunca sejam usadas em seus verdadeiros sentidos, mas quando tem o sentido distorcido servem para manter a hierarquia social, portanto, cuidado com as palavras: orientar não é instruir, pedir não é dar ordem.

 Lembrem-se de referenciar a fonte caso utilizem algo deste blog. Dúvidas, comentários, complementações? Deixe nos comentários.

 

 Escrito por: Rafael Pisani

 

 Referencias bibliográficas:

 

Construindo a Língua no discurso público: 
Práticas e ideologias linguísticas. Celso Alvarez Cáccamo. Disponível em: http://www.udc.es/dep/lx/cac/lingpubl.html: Linguística Geral, Depto. de Filologias Galego-Portuguesa e Francesa Faculdade de Filologia Universidade da Corunha apud Publicado em Agália. Revista Internacional da Associação Galega da Língua 50 (1997), pp. 131-150. Data de acesso: 18 de novembro de 2013

 Disponível em: http://ensaiosdegenero.wordpress.com/2012/08/29/linguagem-e-identidade-sistemas-de-diferencas/ .Lucas Passos/http://ensaiosdegenero.wordpress.com .  Data de acesso: 18 de novembro de 2013

 Disponível em: http://verdadeoumentira-mentiraouverdade.blogspot.com.br/2013/03/sociedade-educacao-emovimentos-sociais.html .Rafael Pisani/www.verdadeoumentira-mentiraouverdade.blogspot.com .  Data de acesso: 18 de novembro de 2013

 Disponível em:  http://verdadeoumentira-mentiraouverdade.blogspot.com.br/2013/07/o-antipartidarismo-nas-manifestacoes.html .Rafael Pisani/www.verdadeoumentira-mentiraouverdade.blogspot.com .  Data de acesso: 18 de novembro de 2013

 Melhoramentos dicionário língua portuguesa. 2006. Primeira edição. Editora melhoramentos. 85-06-04442-1

 Vigiar e punir:nascimento da prisão; tradução de Raquel Ramalhete. 38.ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.


[1] A partir de É feito todo um esforço para educar...” até “...é uma sociedade muito mais disciplinadora do que repressora.” foi um trecho do texto “Sociedade, educação e movimentos sociais” no seguinte link deste mesmo blog: http://verdadeoumentira-mentiraouverdade.blogspot.com.br/2013/03/sociedade-educacao-emovimentos-sociais.html e a partir de “Dentro disso” até “vários outros” a fonte é um texto desse mesmo blog chamado “O antipartidarismo nas manifestações” no seguinte link: http://verdadeoumentira-mentiraouverdade.blogspot.com.br/2013/07/o-antipartidarismo-nas-manifestacoes.html No entanto, a fonte desse conteúdo nos dois textos foi o livro “Vigiar e Punir” de Michel Foulcault.

[2] Fontes da linguagem como ideologia, identidade  e sentido: http://www.udc.es/dep/lx/cac/lingpubl.html e http://ensaiosdegenero.wordpress.com/2012/08/29/linguagem-e-identidade-sistemas-de-diferencas/

 


Tags deste artigo: psicologia e sociedade

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