Nestes tempos de insensatez e intolerância louvar o amor, a amizade, os encontros e desencontros, as alegrias e as tristezas, a vida como ela deveria ser vivida, enfim, pode parecer algo completamente extemporâneo - e até mesmo uma atitude corajosa, de alguém que pretende passar uma mensagem para as pessoas, algo do tipo "gente, há algo mais importante para o homem que o ódio".
No Brasil, poucos artistas têm uma obra coerente com a convicção de que o ser humano é, em grande parte, movido a paixão, e busca, por mais que esconda, ser feliz, usando, para isso, todas as armas de que dispõe.
Na música popular, um dos maiores exemplos dessa coerência é o paulistano Eduardo Gudin, que nos quase 50 anos de carreira, iniciada precocemente, aos 16 anos, coleciona dezenas - ou centenas? - de composições que vão além da casca da ferida que remói homens e mulheres e os deixa, muitas vezes, desnorteados, sem ação ou abobalhados.
Seu último trabalho é um CD chamado "Eduardo Gudin & Notícias Dum Brasil 4". Notícias Dum Brasil é o nome do grupo que o acompanha desde há muitos anos e que contou em sua formação com profissionais do nível de uma Fabiana Cozza, por exemplo.
Neste novo trabalho, Gudin reúne composições inéditas - ou quase, como a parcerias com Adoniran Barbosa e Toquinho -, obras maduras, sinceras, de um nível técnico altíssimo, pouquíssimas vezes observado na MPB.
Gudin já se encontra, ao lado do próprio Adoniran e de Paulo Vanzolini, de quem também foi parceiro, no pódio dos maiores compositores paulistas de música popular - e, por consequência, entre os craques do Brasil.
Para quem ainda tem alguma dúvida sobre a excelência da sua obra, é só ver e ouvir o clipe de "Olhos Sentimentais", a música que abre seu último CD, feita em parceria com o extraordinário Paulo César Pinheiro, um de seus primeiros e mais constantes parceiros.
Sem exagero, uma obra-prima, já um clássico.
A letra, poesia pura, vai abaixo:
Pelo bem de seu amor
Tive que voltar atrás
Pra curar a dor
Pra buscar a paz
Pra regar a flor
Que secou pelo sal do cais
Pra apagar o giz
Dos perfis das paixões banais
Pra afastar ardis
Armadilhas, traições casuais
Pra passar verniz
No que a gente já quis, quis demais
Pra que o amor feliz
Nunca seja o amor fugaz
Só voltei pra ver
Os seus olhos sentimentais
E que bom dizer:
Estão iguais!
Não é mais quimera
Esse amor retornar ao que era
Ele é a primavera
Que não vai morrer jamais