São Paulo, a capital, não é para os fracos.
Ou para aquelas pessoas que gostariam de viver num menos violento, mais amigável, um local com seres humanos tolerantes uns com os outros, que respeitassem as diferenças e dessem oportunidades para que todos pudessem desenvolver as suas habilidades - e construir seus sonhos.
São Paulo é feia, fedida, violenta, nada hospitaleira, embrutecedora.
Tem muito mais defeitos que virtudes.
Mesmo assim, milhões de pessoas a habitam, passam suas vidas inteiras nelas, trabalham e estudam, formam famílias, relevam o sofrimento diário de perder horas espremidas num vagão de metrô ou num ônibus ou num carro qualquer, porque o homem tem essa capacidade de se adaptar a qualquer meio, por mais inóspito que seja.
São Paulo poderia ser outra se não tivesse sido governada por prefeitos sem nenhuma visão, nenhum compromisso com a população, nenhuma vocação de estadistas, nenhum interesse na coisa pública - e todo o interesse em favorecer certos grupos privados.
Nos últimos anos São Paulo esteve sob o comando de pessoas como Celso Pitta, Paulo Maluf, José Serra, Gilberto Kassab, Jânio Quadros e Reinaldo de Barros.
Ou seja, é um milagre que ela tenha sobrevivido a tamanha catástrofe.
E nada mais natural que seja hoje o exemplo mais acabado da tremenda desigualdade que marca o país, ostentando algumas ilhas de riqueza em meio a um oceano de pobreza.
O atual prefeito, Fernando Haddad, que tantas críticas recebe, é, na verdade, uma benção para São Paulo.
Ele mostra, de modo inequívoco, que é possível se ter um outro olhar para a metrópole, é possível quebrar paradigmas, tentar, ao menos, torná-la mais civilizada e mais humana.
Sua tarefa é dificílima, pois ele tem de lutar não só contra interesses concretos de sujeitos que ajudaram a construir o caos paulistano, mas, principalmente, contra a mentalidade, solidificada em grande parte dos cidadãos, de que uma cidade é composta de ruas, avenidas, pontes, viadutos, túneis, prédios e carros, centenas de milhares de carros.
Haddad, teimoso, vai em frente em sua convicção de que, quando deixar a prefeitura, a cidade já terá algumas células de civilidade e algumas sementes de tolerância.
Caberá ao seu sucessor fazer com que essas células se multipliquem e as sementes germinem.
Dificilmente, porém, isso ocorrerá.
Haddad, tudo indica, será, na próxima eleição, novamente um azarão.
Seus adversários têm muito mais chances de vencer.
Contam com a simpatia dos oligarcas porque servem a eles há muito tempo.
Têm dinheiro de sobra para gastar e publicidade nos meios de comunicação sem restrições de nenhuma espécie, como os apresentadores de televisão José Luiz Datena e Celso Russomanno.
Os dois, fortes candidatos, representam o que há de pior na política brasileira.
Valem-se de sua exposição em programas popularescos, que exploram a violência e os conflitos sociais, sob o disfarce de notícias ou utilidade pública.
Utilizam uma linguagem moralista, que mascara todo o reacionarismo da classe social a que são subordinados.
Mostram uma falsa indignação contra "tudo que está aí", principalmente contra os políticos, contribuindo com isso para deseducar o povo.
Dividem o mundo em preto e branco, entre os homens de bem e os maus, os mocinhos e os bandidos - e ao fazer isso se tornam justiceiros que ignoram todos os ritos e códigos da Justiça.
São, em resumo, simples oportunistas que se valem da popularidade que desfrutam graças à televisão para ingressar na política e fazer dela um trampolim para seus negócios.
Numa sociedade avançada, certamente seriam repudiados pelos eleitores.
Nessa São Paulo formada, majoritariamente, por uma classe média ignorante, politicamente analfabeta e sem noções de cidadania, que se informa por meio de uma imprensa que se transformou em porta-voz de partidos políticos da direita mais atrasada do mundo, eles são franco favoritos a suceder o intelectual e humanista Haddad.
Cada povo tem o governo que merece, não é isso que diz a sabedoria popular?
Motta
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