O caso do Boimate, uma página inteira da revista "Veja" dedicada ao espetacular cruzamento do boi com tomate, foi, até outro dia, o ponto mais alto da degradação do jornalismo brasileiro.
Até então ninguém poderia imaginar que os jornalistas nativos fossem tão irresponsáveis, tão inconsequentes e tão absolutamente imbecis ao ponto de acreditar que uma brincadeira de 1º de abril de uma revista estrangeira fosse algo verdadeiro.
Mas eles acreditaram.
E, contrariando todas as regras da profissão, não checaram a "notícia", simplesmente a reproduziram, simplesmente traduziram a piada do inglês para o português.
No ano passado um dos mais conhecidos jornalistas brasileiros, que até mesmo chegou a dirigir a publicação que levou ao público essa sensacional conquista da genética moderna - imagine quantos anos de trabalho incansável foram necessários para produzir o boimate... -, entrevistou um sósia do técnico da seleção brasileira de futebol na Copa de 2014, o mundialmente conhecido Felipão, crente de que estava conseguindo, num avião de carreira, um furo espetacular.
A ótima biografia de Assis Chateaubriand, "Chatô", do ex-repórter Fernando Morais, apresenta inúmeros casos de estupro das boas práticas do jornalismo, perpetradas pelo extraordinário personagem que dá nome ao livro.
O interessante é que, 70, 80 anos depois das estrepolias de Chatô, o cenário do jornalismo pátrio continua inalterado.
Na falta da preguiça, que permite a publicação de inúmeros "boimates", e do despreparo, que possibilita que um sósia tome o lugar da personalidade pública, prolifera hoje a canalhice entre os jornalistas.
O uso - ou melhor, o abuso - dessa terrível característica do caráter tem feito com que o boimate se transformasse numa nota de rodapé no livro da história da imprensa brasileira - essa crônica que é escrita cotidianamente, e cotidianamente é levada ao distinto público.
Assim, por causa da troca do jornalismo pelo canalhismo, apartamentos de 180 metros quadrados se transformam em suntuosos triplex, pedalinhos e barcos de alumínio viram iates de fazer inveja a xeiques das mil e uma noites, delações de réus confessos são aceitas como verdades absolutas, práticas justiceiras medievais são elevadas à condição de cruzadas redentoras pela ética e moralidade.
Nunca, nem nos tempos em que Chatô mandava publicar em seus Diários Associados uma notícia falsa do linchamento de um cunhado fascista do conde Francisco Matarazzo por italianos vingativos, somente para aporrinhar o seu inimigo, a imprensa brasileira esteve tão no fundo do poço.
Hoje, ler uma revista ou um jornal, impresso ou eletrônico, assistir a um telejornal ou ouvir o noticiário do rádio, é o mesmo que entrar num mundo de ficção - um mundo sombrio, opressivo, triste e definitivamente selvagem.
Motta
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