Que o brasileiro é corrupto não é novidade.
A corrupção, em todos os níveis, em todos os setores, em todas as formas, faz parte do cotidiano do país.
O brasileiro não vive sem a corrupção.
Ela alivia os seus males, facilita a sua vida, torna-o mais bem humorado.
Constatado esse fato notório, até mesmo, recentemente, em pesquisa do Instituto Data Popular, há outro que fixa o caráter do brasileiro: a hipocrisia.
A corrupção intrínseca do brasileiro se completa com essa atitude típica do ser humano de demonstrar uma virtude que não tem.
Não por coincidência, a pesquisa do Data Popular mostrou que a corrupção é sempre dos outros, embora o pesquisado confesse que já saiu da linha umas tantas vezes.
Mas, ah, para ele, nada do que faz de errado se configura como corrupção...
Qualquer um que acompanhe minimamente o noticiário dos jornalões, revistões e programões de rádio e televisão, sabe que o Brasil vive hoje um momento especialíssimo, no qual se enfatiza o combate a essa desgraça que é a corrupção.
Esse trabalho é levado a cabo por uma força-tarefa composta por um juiz de primeira instância, promotores do Ministério Público, policiais e delegados da Polícia Federal, que resultou, entre outros frutos, num festival de "delações premiadas", prisões de executivos, empresários e dirigentes partidários - esses últimos, estranhamente, apenas de agremiações da base de sustentação do governo federal.
Também, numa queda estimada de 2 pontos porcentuais no Produto Interno Bruto, o PIB, que mede a riqueza da nação, no ano passado, ceifando milhares de empregos da cadeias petroquímica e da construção civil - novamente, de maneira estranha, os paladinos do combate à corrupção preferem punir as empresas em vez de punir aqueles que, nelas, foram os responsáveis pelos crimes.
Vá entender...
Pois bem, com a cumplicidade dos jornalões, revistões e programões de rádio e televisão, que também denotam um imenso interesse em eliminar a corrupção dos outros, esses paladinos da moral e dos bons costumes praticamente se apropriaram daquilo que muitos chamam de Justiça - um termo impreciso, convenhamos, quando se refere ao que é praticado costumeira e secularmente no Brasil.
A corrupção passou, então, a ser assunto exclusivo desses homens de bem.
Eles, praticamente, se tomaram conta de tudo o que abrange hipotéticos ou suspeitos atos ilícitos, mas com uma peculiaridade que os transformou em seres absolutamente únicos neste universo de iniquidades em que vivemos - esses cruzados hodiernos têm a incrível capacidade de distinguir, a priori, sem outros filtros que não seus dons extraordinários, quem é ou não corrupto.
E os corruptos são sempre os outros, nunca eles, nunca os do seu lado - sim, porque eles têm um lado, ideológico, político, partidário, classista e social.
E fica por isso mesmo, já que o Brasil está entregue à impotência de lideranças frouxas, esmaecidas, acomodadas a uma condição falsamente segura, já que, numa democracia débil ninguém está protegido de desmandos corporativos ou mesmo institucionais.
Os homens de bem com seus ternos de Miami, suas camisas negras, sua fala mansa, sua falsa fúria moralista, sua ignorância dos mais comezinhos procedimentos éticos ou jurídicos, sua violação aos mais banais códigos civilizatórios, e seu acumpliciamento com o que de mais retrógrado existe na sociedade, é bom dizer, se equivalem a qualquer brasileiro normal, esse que sonega o Imposto de Renda, suborna o policial rodoviário, paga "proteção" a PMs, estaciona em vagas de deficientes, fura filas e semáforos, ultrapassa carros pelo acostamento das estradas, comete, enfim, essas "pequenas" infrações do dia a dia.
A única diferença é que o grau de hipocrisia desses nossos caça-corruptos supera em muito o nível habitual e tolerável de hipocrisia do brasileiro.
Motta
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