Algum tempo depois de ter destruído a União Soviética, Mikhail Gorbachev passou a viver, entre outras coisas, de palestras, seguindo o exemplo de vários colegas ocidentais. Corria o mundo a divulgar seu feito, temperando a conversa com alguns conselhos e observações sobre política internacional, que os ouvintes fingiam acreditar ser sérios, para esquecer logo em seguida.
Tantas viagens acabaram trazendo-o ao Brasil, mais precisamente a São Paulo. Num intervalo do interminável oba-oba com que os nativos o presentearam, o líder aposentado foi parar no Estadão para ver como é que funcionava um dos principais baluartes da recém-florida democracia liberal que aqui se instalava.
Quando surgiu na redação, dezenas de curiosos, de contínuos a jornalistas de todos os calibres, o cercaram. Gorbachev parou diante de uma mesa, sorriu o sorriso dos predestinados, sentou-se na cadeira vaga e pegou um dos jornais que ali se achavam amontoados. Ao abrí-lo, o espoucar de flashes parecia fogos de artifício.
E não deu nem tempo de avisá-lo que havia escolhido o jornal errado: Gorbachev posava para a imortalidade do Estadão passando os olhos numa Folha de S. Paulo!
A balbúrdia daquele momento foi tamanha que ninguém ligou para a gafe. O fato é que Gorbachev se despedia sob uma calorosa salva de palmas e um princípio de confusão, quando uma veterana integrante daquela equipe de bravos jornalistas agarrou a cadeira que o ex-líder havia usado e determinou, entre categórica e histérica:
- É minha, é minha! Ninguém mais vai sentar nela!
Por causa do tumulto não deu para ver se ela levou o troféu para casa ou simplesmente o incorporou à mobília de sua mesa de trabalho. (Carlos Motta)