A intervenção da direção da Polícia Federal
Uma reunião ocorreu em 14 de Julho de 2008 em São Paulo entre os encarregados de Operação Satiagraha e a cúpula da Polícia Federal, enviada de Brasília para esse fim. Por iniciativa dos delegados da Satiagraha, todo o encontro foi gravado.
Para surpresa dos delegados, em vez da reunião discutir os novos rumos da operação, houve apenas reclamações da cúpula da polícia, como o uso de algemas em alguns dos investigados e o privilégio a uma equipe de TV. No final do encontro, foi anunciado que Protógenes Queiroz será investigado em duas sindicâncias internas na PF.A omissão do nome do advogado petista Luiz Eduardo Greenhalgh da lista dos investigados na operação Satiagraha foi um dos motivos do acirramento da crise entre a cúpula da Polícia Federal enviada de Brasília e o delegado Protógenes Queiroz.
A direção da Polícia Federal ficou irritada ao ser surpreendida com o pedido de prisão do advogado e ex-deputado federal e líder petista Greenhalgh, e ainda com gravações incriminadoras de conversas telefónicas mantidas pelo líder petista com o chefe-de-gabinete do presidente Lula, Gilberto Carvalho. Nesses diálogos, Greenhalgh pede ajuda a Carvalho para descobrir informações do inquérito sigiloso movido contra o banqueiro Daniel Dantas.
Protógenes foi informado no mesmo dia, por telefone, da decisão do diretor-geral da Polícia Federal, Luiz Fernando Corrêa de que haveria uma incompatibilidade entre cuidar de um inquérito tão complexo e, ao mesmo tempo, se preparar para um curso superior de polícia. A única alternativa oferecida a ele pela cúpula da PF foi se dedicar com exclusividade a seus estudos. Protógenes teria comentado com colegas que esse afastamento desmerece seu trabalho e causa um prejuízo muito grande à investigação.
Uma denúncia formal, enviada pelo delegado Protógenes Queiroz em Julho de 2008, revelou alguns dos obstáculos postos no seu caminho para obstruir suas investigações sobre o banqueiro Dantas: na véspera de deflagrar a Operação Queiroz recebeu um telefonema do diretor da Divisão de Combate a Crimes Financeiros, Paulo de Tarso Teixeira, exigindo a relação com nomes dos investigados, e ameaçando que o superintendente da Polícia Federal de São Paulo poderia suspender a operação.
Com base numa representação feita pelo delegado Protógenes Queiroz, que encerrou seu relatório da operação, o Ministério Público Federal em São Paulo abriu procedimento administrativo em 18 de Julho de 2008 para apurar se as investigações policiais sofreram algum tipo de obstrução. O procedimento foi instaurado a pedido dos procuradores da república Anamara Osório Silva e Rodrigo de Grandis.
Por sua vez a Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara dos Deputados decidiu investigar a suposta obstrução da Polícia Federal aos trabalhos do delegado Protógenes Queiroz, que foi afastado dia 18 de Julho de 2007 do comando da Operação Satiagraha. A CPI das Escutas Clandestinas da Câmara dos Deputados também vai averiguar se houve alguma obstrução aos trabalhos de investigação de Protógenes por parte da própria Polícia Federal.
Os três poderes da república, representados pelo ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal, órgão máximo do Poder Judiciário, o Senado Federal, por intermédio dos senadores Arthur Virgílio (PSDB-AM), considerado membro da bancada favorável aos interesses do dono do Opportunity e Heráclito Fortes (DEM-PI), considerado o líder da 'bancada de Dantas' no Congresso, e posteriormente o Poder Executivo, através do Ministro da Justiça Tarso Genro, concluíram que é importante "'preservar os direitos dos cidadãos investigados criminalmente".
O jornal O Estado de S.Paulo e a Agência Reuters noticiaram em 15 de Julho de 2008 que Tarso Genro, e Gilmar Mendes, chegaram a um acordo na presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para aperfeiçoar métodos e as próprias instituições para "preservar direitos dos cidadãos investigados criminalmente".
Daniel Dantas já havia declarado à revista Veja:
Que cumpram comigo o que foi tratado. Eu não afundo só. Se eu descer, levo junto PFL, PSDB e PT.
A reação de juízes e procuradores da República contra um possível processo de investigação quanto à conduta do juiz Fausto De Sanctis, da 6ª Vara Federal Criminal, fez o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Gilmar Mendes, recuar da decisão de pedir ações administrativas contra o magistrado. Não obstante o ministro Gilmar Mendes negar tais intenções, De Sanctis foi intimado pela Corregedoria do TRF a partir de representação do presidente do STF (Gilmar Mendes) tendo 5 dias para "prestar informações" sobre a Satiagraha.
Em reunião com o presidente da Associação dos Juízes Federais, Fernando Mattos em 15 de Julho de 2007, Gilmar Mendes disse que fora mal interpretado ao encaminhar cópias da sua decisão sobre o pedido de habeas corpus aos órgãos de corregedoria, e que sua intenção era apenas dar ciência aos corregedores.
Representação contra Fausto de Sanctis no CNJ
Em 5 de Setembro de 2008, o deputado Raul Jungmann (PPS-PE), denunciado pelo Ministério Público Federal por supostos desvios de verba no INCRA que teria praticado quando ministro, entrou com uma representação disciplinar no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), do qual Gilmar Mendes era presidente, contra o magistrado Fausto Martin De Sanctis. Segundo ele, o juiz teria desrespeitado a Constituição Federal ao conceder senhas de acessos telefónicos ilimitados aos agentes da Polícia Federal, no decorrer da Operação.
Afirmou Jungmann:
Fere o sigilo de dados de comunicação. A ação é incompatível com o Estado de Direito e já foi condenada pela própria Justiça.
Equipe de investigação desmantelada
A equipe da Polícia Federal que fez o trabalho de inteligência foi desmantelada em Julho de 2008.
Os seus investigadores mais importantes, logo abaixo do delegado, um escrivão e um agente de polícia, que tinham conhecimento de centenas de telefonemas e complexas operações financeiras que envolveu Dantas, Naji Nahas e executivos do grupo Opportunity foram destacados para atuar na Operação Providência, passando a vigiar barracos em favelas da periferia de São Bernardo do Campo (SP), buscando supostos "laranjas" utilizados em fraudes contra a Previdência Social.
Outro delegado que teve papel importante na Operação, Victor Hugo Rodrigues Alves Ferreira, trabalha em Ribeirão Preto (SP), sem qualquer vínculo com a operação. Com o conhecimento da Justiça Federal, Ferreira fingiu aceitar participar de um suborno de R$ 1 milhão.
Protógenes foi afastado da segunda etapa da Operação, oficialmente lotado na Diretoria de Inteligência Policial, não tem mais sala, telefone fixo ou computador; enquanto fazia o curso em Brasília, suas coisas foram embaladas e colocadas num armário, sendo avisado por telefone.
Até aqui, como afirmado, a síntese (por sua vez sintetizada) de Wikipedia. Na página da enciclopédia online há mais material, mas agora vamos em frente, porque a Operação Satiagraha não acaba neste ponto. Aliás, é preciso avançar no tempo e chegar até os nossos dias.
2014: tudo ilegal
Por unanimidade, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal considerou que a apreensão de discos
rígidos e computadores que deu origem à Operação Satiagraha foi ilegal.
Em habeas corpus, o tribunal entendeu que, como a diligência foi feita sem que houvesse mandado de busca e apreensão expedido para aquele endereço, as apreensões foram ilegais e os objetos apreendidos não podem ser usados como provas em processo judicial.
O caso foi levado à 2ª Turma em 16 de Dezembro de 2014 pela ministra Cármen Lúcia, que havia pedido vista do voto do relator, ministro Gilmar Mendes. Na sessão do dia 9 de Dezembro, o ministro expôs seu entendimento de que, “sob o aspecto formal, o mandado não tem validade”. Além da ministra Cármen, também acompanharam o relator os ministros Celso de Mello e Teori Zavascki.
A 2ª Turma discutia habeas corpus impetrado por Dantas pedindo que as buscas feitas na sede do Banco Opportunity, no Rio de Janeiro, em Outubro de 2004, fossem consideradas ilegais. Segundo o pedido, a Polícia Federal aproveitou um mandado de busca e apreensão destinado à sede do Grupo Opportunity para vasculhar a sede do banco, que não estava contemplado pelo documento.
O mandado foi expedido no contexto da operação chacal, em que a PF investigava movimentações no mercado brasileiro de telecomunicações. O Grupo Opportunity era o controlador acionário da Brasil Telecom, mas a Telecom Italia estava interessada no posto. De acordo com a PF, Dantas e a então presidente da BrT, Carla Cico, contrataram a empresa de espionagem Kroll para bisbilhotar as atividades da cia italiana no Brasil.
Dantas foi absolvido das acusações da Operação Chacal. O que a defesa, feita pelo escritório do advogado Andrei Zenkner Schmidt, pretende com o habeas corpus é contribuir ainda mais para sepultar a chacal e apontar mais uma nulidade na origem da Satiagraha. Com a decisão, a diligência que apreendeu os computadores que permitiram à PF descobrir indícios de crimes financeiros na privatização da BrT (o objeto inicial da Satiagraha) foi declarada ilegal.
O mandado de busca e apreensão falava no “endereço profissional” de Dantas. Tratava-se de sede do Grupo Opportunity, que ficava no 28º andar de um prédio empresarial na Avenida Presidente Wilson, no Rio de Janeiro. O Banco Opportunity ficava no mesmo prédio, mas no 3º andar, e durante as diligências a PF descobriu ligações entre as duas empresas.
Já dentro do prédio onde ficavam as duas empresas, o delegado da Polícia Federal Angelo Gioia pediu ao juiz substituto da 5ª Vara Federal Criminal de São Paulo, onde tramitava a chacal, Alexandre Cassetari, que autorizasse a apreensão dos discos rígidos dos computadores do Banco Opportunity. Segundo o habeas corpus, o telefonema do agente da PF induziu o juiz a erro, pois ele não estava com os autos do processo e não sabia dos limites do mandado de busca e apreensão.
No despacho, Cassetari afirma que, no telefonema, Gioia falou sobre a importância do disco rígido do servidor do Banco Opportunity e, por isso, não autorizou a apreensão, mas somente a cópia do conteúdo. Reza o despacho:
Ordeno a não apreensão do disco rígido do servidor que se encontra nas dependências do Banco Opportunity, local em que está sendo cumprido mandado de busca e apreensão.
A ministra Cármen Lúcia, em seu voto-vista, concordou com os argumentos da defesa. Segundo ela, a ampliação do mandado, “sem a devida pormenorização”, faz com que as buscas no segundo endereço tenham sido ilegais. Ela lembrou que a jurisprudência da própria 2ª Turma é a de que não se pode estender os efeitos de um mandado sem dar detalhes do local onde ele deve ser cumprido, “sob pena de tornar nulas as provas”. “Não há uma identificação precisa nem sobre a conversa telefónica” que motivou a nova diligência, disse a ministra.
Em seu voto, o ministro Celso de Mello afirmou que se trata de mais um caso de “polaridade entre poder do Estado e direito do particular”:
A ação persecutória do Estado, para revestir-se de legitimidade, não pode se basear em meios ilegítimos.
Disse o ministro Celso de Mello:
Houve intrusão de policiais no espaço privado. Nenhum agente público, policial ou não, ainda que animado dos melhores propósitos, pode entrar no espaço privado sem autorização judicial.
Da Operação Chacal à Satiagraha
Tinha sido das investigações da Operação Chacal que nasceu a Operação Satiagraha, talvez a mais famosa mega-operação já conduzida pela Polícia Federal. Investigou indícios de crimes financeiros cometidos por Daniel Dantas e o Opportunity durante o processo de privatização da Brasil Telecom.
Esses indícios foram descobertos justamente nessa diligência que foi ao andar que não devia. Nesses discos rígidos e no servidor a Polícia Federal teve acesso a informações de clientes do Banco Opportunity que basearam um laudo depois enviado à Justiça Federal de São Paulo. Esse laudo deu origem à Operação Satiagraha.
A operação foi derrubada pelo Superior Tribunal de Justiça porque as provas foram colhidas de maneira ilegal. Ficou provado que o delegado responsável, Protógenes Queiroz, convocou agentes da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) para ajudar nas interceptações telefônicas, usou dependências e pessoas de fora da PF, como detetives particulares além de intensa troca de telefonemas com empresários.
Hoje, corre no Supremo um inquérito que investiga se a operação foi financiada por adversários de Dantas no mercado financeiro para derrubá-lo do controle da BrT.
A Operação Satiagraha deu mais um largo passo em direção à cova. O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, negou seguimento ao recurso interposto pela Procuradoria-Geral da República contra a decisão que anulou toda a investigação por ilegalidade na coleta de provas. A decisão foi dada em 24 de Junho de 2015 e ainda não publicada.
O pedido da PGR foi feito em recurso extraordinário, cuja subida ao Supremo foi autorizada pelo Superior Tribunal de Justiça. Entretanto, Fux considerou o recurso “manifestamente incognoscível”, ou seja, questões preliminares impedem o conhecimento do pedido.
O RE foi apresentado ao Supremo em 2012. Nele, a subprocuradora-geral da República Lindôra Maria Araújo afirma que STJ, ao anular a Satiagraha, “violou fortemente” a ordem jurídica, social e económica do país pois:
Ao declarar a ilicitude das provas produzidas ao longo da Operação Satiagraha, sem sequer especificá-las e dimensionar o que seria, de fato, tal operação, anulando, também desde o início, a ação penal em que o banqueiro Dantas foi condenado por corrupção ativa.
Entretanto, o que aconteceu foi que o último a dar parecer no caso, o subprocurador Eduardo Dantas Nobre, aposentou-se, e o processo não foi redistribuído a tempo. Outra questão discutida na decisão de Fux é que o recurso trata de matéria infra-constitucional e, portanto, não pode ser recebido pelo Supremo.
A Satiagraha foi anulada pela 5ª Turma do STJ em junho de 2011. Por três votos a dois, o colegiado seguiu o entendimento do ministro Adilson Macabu, desembargador convocado ao STJ, segundo o qual a Polícia Federal violou princípios constitucionais durante a coleta de provas.
Macabu entendeu que a convocação de agentes da Abin, a Agência Brasileira de Inteligência, no caso foi feita de forma clandestina e extrapolou as funções do órgão. A Abin existe para assessorar a Presidência da República e, na Satiagraha, foi convocada informalmente pelo delegado da PF Protógenes Queiroz para ajudar a fazer escutas telefónicas e diligências.
O STJ também considerou nula a ação montada pela Polícia Federal, sob comando do delegado Protógenes, com autorização do juiz Fausto Martin de Sanctis, para provar uma suposta tentativa de suborno de um delegado da PF por Dantas.
A gravação da ação, em vídeo, foi feita por uma equipe da Rede Globo encomendada pelo delegado Protógenes. Constatou-se que a fita, usada como prova, foi editada. Protógenes também combinou com a emissora as datas em que prisões seriam feitas, para que pudessem ser filmadas. Por conta da manobra, a 2ª Turma do STF condenou o delegado à perda do cargo de delegado da PF e a prisão por quebra de sigilo profissional.
Considerações finais
Chegados ao fim, permito-me algumas considerações.
Em primeiro lugar, e mais uma vez, quero agradecer o Leitor Chaplin que forneceu o material todo, seja no caso da Operação Zelotes, seja naquele da Operação Satiagraha.
Depois: mas como pode uma pessoa chamar-se Protógenes?
A seguir: o que estas duas operações revelam é algo conhecido não apenas no Brasil. Trata-se da existência daquele emaranhado feito de política e grupos económicos, um conluio presente em boa parte das democracias (desenvolvidas, em desenvolvimento ou não desenvolvidas) na cuja base há só uma palavra: corrupção.
É muito estranho aos meus olhos observar as "lutas" verbais entre quem defende uma fação política e quem defende uma outra. A tal propósito, convido a reler os nomes dos partidos envolvidos nas duas operações: deveria sugerir algo. O quê? Simples.
A luta não deve ser "horizontal", apoiantes dum partido contra apoiantes dum outro, mas "vertical": cidadãos contra a cúpula formada pelos partidos políticos e os agentes económicos que, com as más e ilegais práticas, provocam enormes prejuízos a todo o País.
Até quando os cidadãos ficarão entretidos com estas lutas entre os pobres (ou escravos, escolha o Leitor o termo que preferir), o tal emaranhado continuará, agradecendo-vos, e isso independentemente do partido ao governo. Quem pensar o contrário faça o favor de descer da árvore, porque no mundo actual as ideologias não passam duma parede de fumaça atrás da qual a realidade desenrola-se de forma bem diferente.
Que fique claro: as ideologias existem e são praticadas, mas não são aquelas que a maior parte dos Leitores conhecem, tal como Direita, Esquerda, etc.. Estas já não existem e não desde hoje.
Repito, não é um fenómeno apenas do Brasil: é um fenómeno que abrange quase todas as economias modernas e isso é um péssimo sinal, porque significa que estamos a proceder num caminho errado:
- porque só uma pequena parte da população é favorecida
- porque a política já não está ao serviço dos cidadãos mas dos interesses particulares
- porque os cidadãos ficam cada vez mais inconsciente acerca da realidade e vivem numa grande ilusão
- porque os prejuízos provocados por esta conduta são enormes, bem superiores aos que podemos imaginar.
Aqui não.
Ipse dixit.
Relacionados:
A Operação Satiagraha - Parte I
A Operação Zelotes - Parte I
A Operação Zelotes - Parte II
A Operação Zelotes - Parte III
A Operação Zelotes - Parte IV
(falta de tempo: acrescento as fontes logo que possível, desculpem o incómodo!)