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Trabalho: o chip no funcionário

22 de Maio de 2018, 15:30 , por Informação Incorrecta - | No one following this article yet.
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Quando Todd Westby, CEO da Three Square Market, teve a ideia de implantar microchip nos trabalhadores, achava que apenas cinco ou seis pessoas seriam voluntárias: ele, dois ou três diretores e alguns funcionários do departamento de ciência da computação.

Mas a realidade foi diferente: das noventa pessoas que trabalham na sede da empresa 72 agora têm o chip: fizeram a fila para colocar o dispositivo, do tamanho dum grão de arroz, debaixo da pele da mão, entre polegar e indicador. Agora podem abrir as portas de segurança, conectar-se a computadores e efetuar pagamentos nos distribuidores automáticos da empresa com o chip.

Porque temos que admitir: pagar o café da pausa só aproximando a mão ao distribuidor é uma grande comodidade. Comodidade e segurança: eis dois pontos chaves para espalhar a ideia. A Three Square Market começou há dois meses a implantar chips em pessoas com demência em Porto Rico. Se alguém se perder e a polícia o encontrar, é possível ler o microchip e ter acesso a toda a sua história médica, aos medicamentos que pode e não pode tomar, a sua identidade.

O seguinte passo é óbvio: a empresa acaba de lançar um aplicativo para celular que combina com o chip com o GPS do telefone e rastreia a localização da. Na semana passada, pessoas em liberdade condicional começaram a usá-lo em vez da pulseira eletrónica que Westby descreve como "intimidante e degradante". O GPS para monitorizar os dependentes da empresa também? "Não. Não há razão para fazê-lo" responde Westby. E Westby tem razão: o GPS está ultrapassado.

Na semana passada, o Times informou que algumas empresas chinesas estão a usar capacetes com sensores para ler as ondas cerebrais dos seus trabalhadores e detectar fadiga, stresse e até mesmo emoções como a raiva. Uma empresa de eletricidade decide o número e a duração dos intervalos dos trabalhadores com base nas ondas cerebrais enquanto a tecnologia é usada também para detectar perda de atenção em quem conduz comboios.

São pequenos passos, os primeiros, mas vão todos na mesma direção. E é algo "natural", pois electrónica e informática já acompanham os nossos movimentos ao longo do dia: por qual razão deixa-los fora do ambiente de trabalho?

Existem empresas de tecnologia que vendem produtos que rastreiam o trabalho dos funcionários com intervalos regulares, monitorizam as teclas digitadas, usam a webcam para tirar fotografias das mesas dos dependentes. Neste aspecto, trabalhar em casa não é uma proteção contra essa vigilância porque pode ser feito de forma remota. O software pode monitorizar o uso das redes sociais, analisar o idioma ou ser instalado nos telefones portáteis dos funcionários para monitorizar os aplicativos criptografados como o WhatsApp. Os funcionários podem ser acompanhados por dispositivos que não apenas acompanham a posição deles, mas também controlam o tom de voz, a frequência com que falam nas reuniões, com quem falam e ao longo de quanto tempo.

O GPS? Pré-história.

Monitorizar os funcionários não é uma novidade.
Aliás: sempre foi assim. Antes era o chefe da repartição que cronometrava os trabalhadores na fábrica ou era a máquina que carimbava a entrada e a saída. A diferença é que agora tudo é digital e, sobretudo, deixou de ser parcial: o trabalhador pode ser seguido constantemente, vasculhando o seu comportamento até o mais pequeno pormenor.

A tecnologia detecta hoje coisas que não podiam ser detectadas antes, como o número de teclas que os funcionários pressionam, o que veem no ecrã, o tipo de linguagem que usam. Ainda existem limites que obstaculam a vigilância total nas empresas, especialmente na Europa: mas quanto podem resistir?

Um caso conhecido: Amazon

Em Fevereiro a Amazon patenteou uma pulseira que monitoriza a posição das mãos do trabalhador em qualquer momento; mas em 2014 um jornalista da BBC tinha conseguido fazer-se assumir pelo colosso americano e já na altura o controle era severo.

Em 2016 saiu o livro Hired: Six Months Undercover in Low-Wage Britain ("Contratado: Seis meses disfarçado no baixo salário da Grã-Bretanha") que conta a experiência de James Bloodworth na Amazon.
Era impossível atingir as metas sem correr. Tínhamos um dispositivo portátil que controlava continuamente a produtividade. Toda as vez que é recolhido num artigo é activada uma contagem regressiva (para chegar ao próximo artigo) que mede a produtividade.
Segundo a Bloodworth, os supervisores informam os funcionários sobre a produtividade. Ele foi avisado que estava 10% abaixo do esperado:
Também enviam alertas com o dispositivo para dizer que você tem que aumentar a produtividade, você é constantemente monitorizado e classificado. Descobri que era impossível atingir as metas de produtividade sem correr, mas eles também dizem você não está autorizado a correr e, ao fazê-lo, recebe uma sanção disciplinar. Mas mesmo com um atraso na produtividade recebe-se uma sanção disciplinar.
Os trabalhadores têm que passar através de scanners de segurança para entrar e sair do trabalho. O tempo para alcançar as áreas de descanso, a ida à casa de banho: tudo isso é considerado "tempo morto".

Amazon diz que os dispositivos do tipo scanner "são comuns em todo o sector de armazém e logística, bem como nos supermercados ou nas lojas. São projectados para ajudar o pessoal a fazer o seu trabalho". Também garante que "todos os seus funcionários têm fácil acesso aos banheiros, que estão muito próximos do local de trabalho". E acrescenta: "Os funcionários podem usar o banheiro quando precisam, não verificamos as pausas para ir ao banheiro". E isso é verdade, pois não controlam: mas a produtividade cai.

E os trabalhadores? Bloodworth relata que alguns dos seus colegas estavam zangados, "mas o cinismo e a resignação eram predominantes. A maioria das pessoas que conheci não estava lá há muito tempo e procuravam outro trabalho". Isso é possível porque Amazon é um exemplo extremo. Mas se Bloodworth tivesse observado o futuro? "Talvez" responde ele:
Uma das coisas que surgiram em resposta ao livro é que as pessoas dizem que o trabalho será automatizado, ou que os trabalhadores devem ser mais flexíveis, como se o caminho do futuro fosse inevitável, algo que considero bastante perigoso. A Amazon pode safar-se com as decisões políticas e, dado que o movimento sindical é muito fraco, acho que outras empresas olharão para a Amazon, verão que tem sucesso com esse modelo de negócios e tentarão replicá-lo.

O call center

Para escrever o livro Working the Phones ("Trabalhar aos Telefones"), o sociólogo especializado no trabalho, Jamie Woodcock do Oxford Internet Institute, passou seis meses como empregado numa empresa de telemarketing. Percebe-se que há vigilância "a partir do momento em se entra" diz ele.
Existem telas de TV que mostram o desempenho relativo de cada trabalhador, os diretores coletam dados sobre quase tudo que você faz, todas as chamadas que fiz foram gravadas e armazenadas digitalmente. Em termos de controle, é como recuperar todas as partes que alguém fez numa linha de montagem e julgá-las retrospectivamente. Todos nós cometemos erros e todos temos dias maus, mas dado que esse tipo de vigilância pode ser feito de forma retrospectiva para despedir pessoas, é usada para fazê-las sentir que podem perder o emprego a qualquer momento.
A supervisão é incorporada em muitos do postos de trabalho que constituem a chamada "economia das pequenas tarefas" (gig economy). Não é fácil resistir à constante vigilância quando você está desesperado e tem que trabalhar. O que surpreendeu a Spicer é a maneira como as pessoas com empregos melhor remunerados concordaram em fazê-lo:
Anteriormente, os prisioneiros eram forçados a usar pulseiras sensoriais, mas agora disponibilizamos de bom grado tracker [aparelhos de monitorização, ndt] aos nossos empregadores e, em alguns casos, pagamos o privilégio. Empresas como IBM, BP, Bank of America, Target e Barclays ofereceram aos seus funcionários pulseiras para monitorizar a actividade Fitbit.
O que é Fitbit? Fitbit Inc. é uma empresa americana com sede em San Francisco (California, EUA) que disponibiliza produtos que controlam a actividade (número de passos, qualidade do sono e outras métricas pessoais) duma pessoa e transmitem tudo com uma ligação sem fios.

Isso porque, como explica Spicer, tudo nasce da ideia de querer melhorar ou otimizar a si mesmo:
Muitas tecnologias foram projectadas não apenas para fornecer dados do desempenho ao chefe, mas também para fornecê-los a você. Suponho que a tecnologia também seja vista como algo legal ou na moda, então não é de admirar que seja aceita tão facilmente.
Portanto, o controle passou da monitorização do correio electrónico para o corpo das pessoas, a assim chamada "biovigilância" ou o monitorização dos sinais vitais, das emoções e dos estados de ânimo.

É tudo negativo? Não, não é. É verdade que a vigilância pode ter aplicações vantajosas. Por exemplo, é necessária (e legalmente obrigatória) no sector financeiro para evitar o uso de informações privilegiadas. Pode ser usada para prevenir assédios e intimidações e até para erradicar preconceitos e discriminação. Já aconteceu: em 2017, um interessante estudo utilizou os dados de monitorização para demonstrar (com sucesso) que homens e mulheres comportavam-se de maneira quase idêntica no trabalho.

Uber

A nossa sociedade parece não poder travar o caminho da informatização, portanto o problema parece ser aquele de estabelecer limites, como bem sabe James Farrar. Motorista da Uber, no ano passado venceu uma batalha legal contra a companhia:
Eles recolhem muita informação. Uma das coisas das quais somos informados diariamente é quanto somos bons em aceleração e nas travagens.
Porque a Uber monitoriza estas e outras coisas: os "movimentos incomuns" do telefone quando alguém está a dirigir (para saber se o telefone é utilizado durante  acondução) e, claro está, a posição dos carros e dos motoristas via GPS. Diz Farrar:
O que me preocupa é que essa informação está a alimentar o algoritmo que decide a atribuição de serviços. Devemos ter acesso aos dados e entender como são usados. Se algum tipo de pontuação de qualidade das minhas habilidades de condução entra no algoritmo e, por isso, pode ser-se oferecido um trabalho menos valioso, longe dos clientes mais preciosos.
Não é um medo irracional. A empresa de distribuição de refeições prontas Deliveroo já está a fazer algo semelhante. Supervisiona o desempenho dos seus ciclistas e motoristas e começou a oferecer "acesso prioritário" na reserva dos turnos àqueles que "oferecem o serviço mais consistente e da mais alta qualidade".

Uber diz que o seu rastreamento é apenas para obter "uma condução mais suave e segura. Os dados são usados ​​para informar os motoristas sobre os seus hábitos na condução e não ​​para influenciar futuras solicitações de viagem". E aqui temos outra vez os pontos-chave: comodidade e segurança, verdadeiros cavalos de Troia da digitalização do trabalho.

Porque é a verdade é simples: quem não gosta de ter um serviço mais respeitoso das normas de condução, mais seguro e mais confortável? Quem pode criticar a Uber por tentar impedir que os seus condutores utilizem o telefone durante a condução? Se uma empresa defendesse a introdução de meios de controle mais apertados em nome da segurança dos clientes ou até dos trabalhadores, quem poderia opor-se? O mesmo Farrar admite: nem toda a vigilância é negativa. "A tecnologia de vigilância desempenha um papel importante", diz ele. Foi o mesmo Farrar que pediu a instalação no seu carro duma câmara após ter sofrido um ataque dum cliente. Ironicamente, quando Farrar encontrou o Uber para falar sobre o ataque, a empresa fez-lhe desligar o telefone para certificar-se de que não estivesse a gravar...


Ipse dixit.

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Fontes: The Guardian

Fonte: http://feedproxy.google.com/~r/InformaoIncorrecta/~3/sfw0bu6fqpo/trabalho-o-chip-no-funcionario.html