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A pegada do Homem

17 de Maio de 2018, 15:30 , por Informação Incorrecta - | No one following this article yet.
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O impacto de nossa espécie sobre o planeta certamente não é um assunto novo, mas raramente é tratado quantitativamente pela razão de que só temos estimativas e não medidas; e muitas vezes são estimativas muito aproximadas. É um facto inevitável: não é fácil quantificar a "pegada" do ser humano, as variáveis são muitas.

No entanto, podemos comparar avaliações feitas com métodos diferentes e com dados de base diferentes: isso permite chegar a "números" e ter com isso uma ideia do que se passa. E é exactamente o vamos fazer.

A biosfera selvagem

O que e isso? Bom, é o conjunto de todas as formas de vida não directamente dependentes do homem, mais os ambientes não modificados drasticamente pela agricultura ou outras atividades humanas: substancialmente, portanto, as florestas espontâneas (mesmo que exploradas) e das pradarias naturais.

Portanto, esta é uma camada que abrange a atmosfera (ar), a litosfera (terra) e a hidrosfera (água), na qual organismos vivos são encontrados em ecossistemas semi-naturais (pois ecossistemas "naturais" no sentido estrito já não existem na prática). A espessura da biosfera selvagem varia muito dependendo da zona, mas considerando que pelo menos algumas bactérias estão presentes em toda a superfície da Terra, em todas as águas e na troposfera, podemos considerar que a sua espessura varia entre 10 e 20 km.

No entanto, em terra, quase toda a massa viva está espalhada numa camada que varia de poucos metros a alguns centímetros ou ainda menos, enquanto nos mares está concentrada nos primeiros 2-300 metros de profundidade. Acima e abaixo, a densidade dos organismos vivos cai rapidamente. Considerando que o raio terrestre médio é de cerca de 6.370 quilómetros, podemos dizer que a Biosfera é uma espécie de "pele" viva da Terra: extremamente subtil mas também aquela que torna o nosso planeta completamente diferente de todos os outros conhecidos. É a Biosfera que permite ao homem também de viver.

Para ter uma ideia de como seria o nosso Planeta sem essa "pele", é suficiente observar uma fotografia de Marte: o panorama seria o mesmo, só menos vermelho.

Quão pesada é a parte selvagem da biosfera, aquela parte de "pele" que o homem ainda não conseguiu modificar de forma drástica? Ninguém sabe responder, existem muitos estudos mas nenhum realmente satisfatório, tanto que a NASA planeia colocar em órbita um satélite de propósito para responder a essa pergunta.

Ao comparar as diferentes hipóteses, chegamos a estimar a totalidade de todas as formas de vida na Terra, incluindo as bactérias, em cerca de 4 teratoneladas (ou quatro mil bilhões de toneladas) de carbono orgânico, que é possível traduzir (muito, muito aproximadamente) em 12-15 teratoneladas de organismos vivos (pois ao carbono é necessário acrescentar o peso dos outros elementos). É preciso notar que esta é a estimativa máxima, o mínimo é cerca de 1/4 deste valor.

Quase toda essa massa é composta de árvores, seguidas por cogumelos e, à distância, por minhocas e insetos. Mamíferos, aves e tudo o que costumamos observar com grande interesse são fundamentais para o equilíbrio interno dos ecossistemas, mas são quantitativamente insignificantes.

No mar, a quantidade de vida é muito menor do que em terra, menos de 5% do total. Estima-se que todos os peixes juntos sejam menos de 2 bilhões de toneladas, as cianobactérias um bilhão e o krill outro bilhão. Ao contrário do que acontece em terra, as plantas são uma massa muito menor que os animais e o equilíbrio é mantido pela taxa muito alta de crescimento e de reprodução das algas. Um facto que torna os ambientes aquáticos muito menos resilientes que os terrestres.

Tanto na água como na terra, as bactérias são a classe mais importante em termos de número de organismos, mas não em peso devido ao seu pequeno tamanho.

Voltando aos números, dissemos que a biosfera também inclui os solos: então, quanto pesam os solos selvagens? O Professor Zalasiewicz e o seu grupo de pesquisa da Universidade de Leicester (Reino Unido) estimam a parte totalmente antropizada (cujas características originais foram alteradas pelo homem) da superfície da Terra em cerca de 82 milhões de quilómetros quadrados, equivalente a pouco mais da metade da superfície da terra emergidas; sa que emergiu (que é praticamente todas as planícies e colinas); isso dá uma massa de cerca de 10 teratoneladas. Se o seu cálculo estiver aproximadamente correto, que podemos prudentemente estimar a massa global dos terrenos naturais e semi-naturais em cerca de 12-15 teratoneladas.

Dado que os terrenos naturais são geralmente mais profundos e mais ricos de  vida do que os antropizados (mas temos que lembrar que nas montanhas, por exemplo,onde a erosão é forte), podemos aproximar a biosfera selvagem em cerca de 25 a 30 teratoneladas (25 a 30 bilhões de toneladas).

Não sabemos quanto este dado possa ser confiável, mas sabemos com certeza que o valor está em rápido declínio, especialmente por causa da deflorestação, da erosão e da pesca industrial. Em 2013, Vaclav Smil (Departamento do Ambiente da Universidade de Manitoba, Canada), comparando vários autores, concluíu que a biomassa da Terra diminuiu em 30% durante os últimos 250 anos de frenético crescimento económico.

Homem & companhia

Vamos agora considerar a massa total dos seres humanos vivos, mais todas as espécies domésticas,
animais e vegetais. E nem podemos esquecer as nossas bactérias simbióticas (aquelas que vivem connosco) e as leveduras: só que não há dados disponíveis acerca disso, portanto vamos ignorar tanto as bactérias simbióticas quanto as leveduras (às quais peço desculpa).

Não podemos considerar apenas o homem sozinho: temos que incluir as espécies (animais e plantas) sem as quais não haveria civilização. Por outro lado, sem nós, as raças domésticas nunca teriam existido.

Então, se a massa de matéria viva está a diminuir em geral, é também verdade que nem todas as espécies estão a fazer o mesmo. Em particular, o homem ainda se encontra numa fase extremamente rápida de crescimento. Em 2000, Smil estimava a massa humana em 300 milhões de toneladas; o mesmo cálculo feito nos dados demográficos de 2017 dá pouco menos de 400 milhões de toneladas. Portanto, se considerarmos só os mamíferos, verificamos que os seres humanos são cerca de dez vezes todos os mamíferos terrestres selvagens juntos, incluindo ratos e elefantes (aos quais pedimos desculpa). Isso significa que circulam 10 quilos de carne humana por cada quilo de carne selvática.

Mas, como dissemos antes, à massa dos seres humanos devemos acrescentar aquela das nossas espécies domésticas: vacas, ovelhas, cavalos, porcos, e assim por diante. Uma estimativa de 2015 avaliou todos estes animais em cerca de 1.5 bilhões de toneladas. Se compararmos este número com a biomassa total, descobrimos que ela representa apenas 0.0005%, mas se considerarmos apenas os mamíferos (nós e quase todos os animais domésticos são mamíferos), descobrimos que, em vez disso, representam 98% do total.

Mil anos atrás, provavelmente, as proporções eram inversas, com os animais selvagens a representar 80-90% dos mamíferos terrestres; apenas cinquenta anos atrás ainda eram cerca de 20%, mas vamos em frente: dissemos que devemos considerar também os terrenos e as plantas agrícolas, sem os quais nem nós nem o nosso gado existiriam. Segundo os autores acima mencionados (Zalasiewicz e outros) estes ascendem a cerca de 17.5 teratoneladas, às quais é preciso acrescentar 400 milhões de toneladas de carne humana e os 1.500 de gado para chegar a 18 teratoneladas.

Dito de outra forma: os homens mais os animais domésticos mais os terrenos utilizados directamente pela espécie humana têm um peso que é dois terços (2/3) quando comparado com a vida selvagens. Por cada 3 quilos de vida selvagem, há 2 de vida domestica. E não é tudo.

Tecnosfera

Do ponto de vista ecológico não faz sentido nenhum considerar o homem separadamente dos seus artefactos: seria como considerar gatos sem unhas e dentes (gatos aos quais pedimos desculpa). A tecnologia é parte integrante do nosso modelo de vida e isso desde a descoberta do fogo. Podemos ter certeza de que sem a tecnologia a nossa espécie jamais conseguiria distinguir-se das outras espécies animais, portanto, ao avaliar "quanto pesamos" no Planeta, não basta considerar o nosso corpo, o nosso gado e os nossos campos.

Devemos considerar também todos os artefactos que compõem as infraestruturas e os produtos da nossa economia, sem os quais não teríamos um peso de quase 400 milhões de toneladas. Devemos levar em consideração o que é chamado de tecnosfera.

Ao somar todos os tipos de máquinas, objectos e lixo (pois também este conta) temos um total de 18 teratoneladas. Isso é assustador, porque é o mesmo valor de homens & companhia.

Resumo

Vamos sintetizar os dados:
  • Biomassa humana: 400 milhões de toneladas
  • Gado: 1.5 bilhões de toneladas
  • Terras e plantas: 17.5 teratoneladas
  • Manufactos e lixo: 18 teratoneladas
  • Total indicativo 36 teratoneladas

Ou seja: para fazer viver cerca de 400 milhões de toneladas de carne humana, são necessárias 36 teratoneladas de estruturas de suporte, que incluem cimento, metal, plástico, plantas e animais de estimação para cada um de nós (incluindo as crianças).

Mas voltemos ao início do artigo e lembremos que a biosfera selvagem equivale a, talvez, 25 a 30 teratoneladas de acordo com uma estimativa otimista. Significa que somente nós hoje ocupamos um espaço ecológico maior que todas as formas de vida e todos os ecossistemas selvagens sobreviventes juntos. Provavelmente 20-30% mais do que todo o resto.

Significa que ecossistemas verdadeiramente naturais já não existem, assim como não há mais biomas (um bioma é um grande sistema ecológico em que é (era) articulada a Biosfera). Isso significa que todos os ciclos bio-geo-químicos foram alterados de forma severa e irreversível; mudaram a estrutura e os fluxos de materiais e de energia que dão forma e substância à "pele viva do planeta".

Já não é possível falar do nosso planeta como dum espaço natural dentro do qual ocorrem as actividades humanas: pedimos desculpas, e muitas, ao planeta. Mas pedir desculpas não chega assim como não é suficiente pensar "Ahi que horror!" e depois continuar a viver como se nada fosse.

Numa época em que somos atropelados por uma enorme quantidade de falsa e/ou inútil informação, os dados deste artigo passam despercebidos ou ficam atirados para o saco das muitas noções que temos mas que não sabemos (ou queremos) como utilizar, ao lado dos alarmes acerca do aquecimento global. Mas se as mudanças climáticas têm os seus paladinos (com grande cofres por encher), de mudar o nosso modelo no se fala porque isso não promete lucros.


Ipse dixit.

Fontes: Sage: Scale and diversity of the physical technosphere: A geological perspective, Vaclav Smil - Harvesting the Biosphere: The Human Impact (ficheiro Pdf, inglês), The Tyee - What, Me Worry? Humans Are Blind to Imminent Environmental Collapse, Center of Biological Diversity - The Extintion Crisis, WWF: Living Planet Report 2016 (ficheiro Pdf, inglês), Oxford Academic: World Scientists’ Warning to Humanity: A Second Notice, William Ress: What’s blocking sustainability? Human nature, cognition, and denial (ficheiro Pdf, inglês), Jacopo Simonetta: Il peso dell'umanitá sul pianeta.

Fonte: http://feedproxy.google.com/~r/InformaoIncorrecta/~3/X5hEYKk58iE/a-pegada-do-homem.html