É verdade: tem também um património (oficial) de 1.700 biliões de Dólares. Mas festejou 70 anos e descobriu uma coisa curiosa: segundo uma sua pesquisa, o facto de ficar sentado em cima dum monte de dinheiro não evita que a Morte possa alcança-lo.
William Hunt "Bill" Gross é um manager, um daqueles que trabalham na Alta Finança. E não é um manager qualquer: foi ele que fundou a PIMCO, um colosso que gere 1.59 triliões de Dólares em activos.
Mas agora tudo isso parece menos importante. Porque Bill começa a ouvir a voz do patrão.
A morte me assusta e causa em mi aquela que o escritor britânico Julian Barnes chama de "grande agitação"... Vou acabar lá de donde cheguei, esquecido, desconhecido, e inconsciente após biliões de futuras eternidades... Assusta-me o morrer, aquelas horas intoleráveis esticadas indefinidamente pela medicina moderna, que acompanharão a maioria de nós nesses caminhos cheios de tumores, acidentes vasculares, invalidez, velhice...
Curiosa esta coisa, não é? Seja numa cozinha dum condomínio de Lisboa, enquanto tentas que a reforma possa pagar contas, medicinas e comida do mês, seja num escritório do 120º piso dum arranha-céu de Manhattan, enquanto ficas sentado por cima de 1.700 biliões, o ponto de chegada é exactamente o mesmo.
Qual a condição pior? A segunda, sem dúvida.
Porque o reformado é esquecido e desconhecido já em vida, numa sociedade que não valoriza a experiência acumulada com a idade, e pode encarar a Morte até como uma libertação.
Mas para o top manager é diferente. Porque aí realizas que podes protestar ou atirar os teus 1.700 biliões na cara da Morte: e tanto faz. O teu monte de dinheiro vale quanto a reforma mínima num condomínio de Lisboa.
Há mais. Bill agora tem o "sentido do fim" e fica abalado. Vê o seu pequeno (por assim dizer) império e, com os olhos da nova sabedoria, reflecte. A voz do patrão tem este poder também: gela os ossos e com eles a euforia de imortalidade destes pequenos "imperadores". Bill observa a Economia, aquele jogo enlouquecido feito de High Frequency Trading, de dinheiros infinitos que passam por cima das nossas cabeças, que regulam as vidas de nós escravos.
Bill observa tudo isso e o gelo chega até aí: vê o fim do Poder.
Tenho o sentido do fim. O mesmo sentido do fim que está a incomodar há algum tempo a Grande Carga dos touros financeiros que começou em 1981. Naqueles anos, com os Títulos de Estado que davam juros de 14,5%, as Bolsas enlouqueceram e a riqueza financeira foi multiplicada como nunca antes na história. Mas, como descreve Barnes para as vidas humanas, o mesmo aconteceu nas economias financeiras dos últimos 30 anos: acumulação, responsabilidade, agitação, e, finalmente, uma catastrófica agonia. Acho que a nossa super-órbita de investimentos esteja no fim.
Mas para a economia global, que continua a inchar bolhas financeiras ao invés de se focar em problemas estruturais, o caminho da salvação parece bloqueado. Se foram inúteis os triliões de Dólares de gasolina monetária bombeados pelo nosso Banco Central dos Estados Unidos, como podemos esperar que o mesmo funcione hoje na Europa de Draghi?
Com crescimentos de zero, taxas de juros para quem poupa perto de zero ou até menos do que zero, e com a crise de endividamento com montantes nem sequer imagináveis, o senso do fim tornou-se um laço que aperta todos os mercados. Haverá um tempo em que qualquer investidor irá recusar-se a trocar os seus Euros com Títulos de Estado e tudo irá secar ao sol. Eu tenho este sentido do fim do jogo das finanças e, como com a morte, incerta é apenas a data. Sinto uma grande sensação de agitação, de ansiedade. E vocês deveriam também.
Mas onde estamos nós? A pastar, com as cabeças dobradas por cima da relva.
Empresários, trabalhadores, estudantes, reformados, blogueiros, conseguimos ver um horizonte de 50 metros, feito de televisão, de internet, de promessas eleitorais e de esmolas.
Entretanto a vida passa, desperdiçada num Sistema podre que trata a maioria como escravos e tem os dias contados.
Temos que esperar os 70 anos para entender? Temos que esperar a Grande Queda? Ou vamos fazer algo antes? Sim, é verdade: não se pode fugir da voz do patrão e ela chamará também o nosso nome (esperemos sem muita pressa...). Mas uma coisa é acabar uma existência vivida como um alvo; outra coisa é acabar podendo dizer "Foi dono e senhor da minha vida, agora é tua".
Pensamos nisso: não há nada que possa ser feito por nós? Nada mesmo?
Não vale a pena aos menos tentar?
Ipse dixit.
Fonte: Paolo Barnard, Janus, CNBC