Como é possível avaliar as decisões do Presidente Trump no âmbito dos relacionamentos internacionais? Nestas últimas horas é ainda forte a emoção por causa do massacre de quase 60 pessoas por parte do exército israeliano: as vítimas estavam empenhadas em manifestações contra a recente decisão da Administração americana de reconhecer Jerusalém como capital do Estado israelita. Mas este é apenas o último episódio ligado às escolhas de Trump: nos últimos meses a presidência dos Estados Unidos tem assumido posições acerca da guerra na Síria, da China, da Europa, da Coreia do Norte. Todas estas decisões têm um denominador comum: foram um fracasso.
O site Global Research publica um artigo do Professor James Petras acerca do assunto. James Petras pode não ser a voz mais objectiva que é possível encontrar na internet: Professor Emérito de Sociologia na Binghamton University (New York) e Professor Adjunto da Saint Mary's University em Halifax (Canadá), as suas ideia políticas não seguem a onda mainstream, tendo ao longo do tempo apoiado o Presidente do Chile, Salvador Allende, as FARC colombianas, o Movimento dos Sem Terra no Brasil, Gilad Atzmon e Marie Le Pen na França. Lógico que Petras veja Trump com a mesma simpatia com a qual se vê a areia nos olhos.
Todavia, a sua análise é fundamentada e contém pontos de interessantes. Petras escolheu observar de perto três das últimas decisões do Presidente dos Estados Unidos: a rejeição do acordo nuclear com o Irão, a declaração de guerra comercial à China e o encontro com o líder da Coreia do Norte.
Os pressupostos subjacentes ao pensamento estratégico de Trump são que o "poder funciona" e que quanto mais a sua postura for intransigente, maior será a crença no mundo unipolar baseado no poder dos EUA. Como corolário, Trump interpreta qualquer aliado, o adversário que procura negociações, reciprocidade ou concessões como um "fraco". Em outras palavras, a política de força de Trump reconhece apenas a contra-força: as limitações nas suas políticas só serão encontradas quando as tangíveis perdas económicas e militares dos EUA ameaçarem a dominação imperial americana.
Trump quebrou o acordo com o Irão porque este ficava baseado na limitação das sanções dos EUA [...] Trump acredita que uma recessão económica irá levar o Presidente Rouhani a sacrificar os seus aliados na Síria, no Líbano (Hezbollah), no Yemen (Huthi), na Palestina (Hamas) e no Iraque (xiitas) e a desmantelar o sistema de defesa ICBM (sistema de mísseis intercontinentais). Trump persegue o objectivo estratégico de enfraquecer o Irão e preparar-se para a mudança de regime, trazendo o Irão de volta à situação de Estado-vasalo como era antes da revolução de 1979.
James Petras (aquele sentado)
A segunda razão para a política de Trump é o fortalecimento do poder militar israelita no Médio Oriente. O regime de Trump é profundamente influenciado pela lobby do poder sionista (ZPC) nos Estados Unidos. Trump submete-se aos ditames sionistas-israelitas porque estes têm um poder sem precedentes nos media, nos sectores imobiliário, financeiro e de seguros. Trump reconhece o poder do ZPC em comprar votos do Congresso, controlar os partidos e garantir compromissos no poder executivo. Trump é um típico autoritário: salta para a garganta de fracos, cidadãos, aliados e adversários e ajoelha-se perante o poderoso ZPC, aos militares e a Wall Street. A submissão de Trump ao poder sionista fortalece e até dita a sua decisão de romper o acordo com o Irão, assim como a decisão de pressionar França, Alemanha, os acordos comerciais do Reino Unido e sacrificar bilhões de Dólares: tudo para obrigar Teherão a aceitar o programa unilateral de desarmamento. Trump acredita que pode forçar as multinacionais europeias a desobedecer aos seus governos e respeitar as sanções.
Sempre no Médio Oriente, a decisão de reconhecer Jerusalém como capital de israel deixou os Estados Unidos sozinhos: de facto, são o único Estado que decidiu transferir para aquela cidade a sua embaixada.
Vamos ver as razões da guerra comercial de Trump à China:
Antes da presidência de Trump, especialmente com o Presidente Obama, os Estados Unidos lançaram a guerra comercial contra a China. Obama propôs o Acordo Trans-Pacífico para excluir a China e dirigir um exército naval no Mar da China Meridional. Obama criou um poderoso sistema de vigilância na Coreia do Sul e de exercícios de guerra na fronteira com a Coreia Democrática [claro: Obama era Nobel a Paz, ndt]. A política de Trump aprofundou e radicalizou as políticas de Obama. Estendeu a política belicosa de Obama para a Coreia do Norte, pedindo a desnuclearização do seu programa de defesa. O Presidente Kim, da Coreia Democrática, e o Presidente da Coreia do Sul chegaram a um acordo para abrir as negociações tendo em vista um tratado de paz, a fim de acabar com 60 anos de hostilidade. No entanto, o Presidente Trump juntou-se à conversa com a presunção de que as aberturas de paz da Coreia Democrática eram devidas às ameaças de guerra e à intimidação. Trump insiste que qualquer acordo de paz e o fim das sanções económicas pode ocorrer apenas com o desarmamento nuclear unilateral, a manutenção das forças dos EUA na península e a supervisão de inspetores aprovados pelos EUA.O que Trump não entendeu (ou não quer admitir) é o facto de ter caído como um pato no plano do Presidente Kim: antes um período de testes missilisticos e nucleares para reforças a sua posição, depois sentar-se à mesa das negociações com um maior poder de contratação.
A declaração unilateral de Trump sobre a guerra comercial contra a China acompanha a sua convicção de que as ameaças militares levaram à "capitulação" da Coreia democrática e à promessa de acabar com o programa nuclear. Trump impôs impostos de mais de 100 bilhões de Dólares sobre as exportações chinesas para reduzir o desequilíbrio comercial (200 bilhões em apenas dois anos). Pediu à China para acabar unilateralmente a "espionagem" industrial, o "roubo tecnológico" e cumprir com a monitorização trimestral dos EUA. Trump exigiu que a China não reagisse perante estas decisões e ameaçou responder a qualquer impostos de Pequim com mais impostos e restrições sobre bens e serviços chineses. Os objetivos de Trump são converter a Coreia Democrática num satélite militar para depois invadir a fronteira norte da China; e a guerra comercial para empurrar a China numa crise económica. Trump acredita que, se a China falhar como uma potência económica global, os Estados Unidos crescerão e dominarão a economia asiática e global. Trump acredita que uma guerra comercial levará a uma guerra militar bem-sucedida. Trump acredita que a China submissa, com base no isolamento do seu mercado dinâmico, irá melhorar a procura do domínio incontestado de Washington no mondo.
A agenda global de Trump está profundamente errada. A rejeição do acordo nuclear no Irão e a imposição de duras sanções isolaram Trump dos aliados europeus e asiáticos (vejam-se as últimas declarações do Presidente francês Macron e de Angela Merkel acerca dos relacionamentos entre Estados Unidos e Europa). Uma qualquer intervenção militar iria desencadear uma guerra regional que destruiria os campos petrolíferos sauditas: já agora a crise no Médio Oriente catapultou o barril de petróleo para os 70 Dólares, + 45% no último ano.
Uma eventual intervenção militar forçará o Irão a realizar o escudo nuclear contra a agressão EUA-israel e levar a uma guerra prolongada, cara e perdida. As políticas de Trump unificarão os iranianos, liberais e nacionalistas, minando qualquer colaboração com os americanos. O mundo muçulmano (não apenas xiita) unificará as forças e levará o conflito para a Ásia e a África. O preço do petróleo subirá ainda mais, provocando a falência de empresas e o conseguente colapso de instituições bancárias e mercados financeiros.
A atitude de Trump com a China vai levar à interrupção da cadeia de abastecimento que suporta a economia dos EUA e, em particular, das suas 500 empresas multinacionais que dependem de economia chinesa para as exportações. A China aumentará o consumo interno, diversificará os mercados, os parceiros comerciais e fortalecerá a aliança militar com a Rússia. A China tem uma bem maior capacidade de recuperação das perturbações de curto prazo: Wall Street, pelo contrário, demora anos a ultrapassar as crises.
Os tons ameaçadores de Trump constituem um perigo real para a paz e a justiça no mundo. E as suas hipóteses sobre as consequências da sua política estão profundamente erradas. Não há base para acreditar que as sanções possam derrubar o regime iraniano; que israel sobreviverá ileso a uma guerra com o Irão: que uma guerra do petróleo não colocará em risco a economia dos EUA; que a Europa permitirá que as suas empresas sejam bloqueadas no mercado iraniano.
Isso enquanto a guerra comercial de Trump com a China já nasceu morta: não há lugares de produção alternativos tão vantajosos para as multinacionais dos EUA. E não é possível excluir a China do mercado mundial, uma vez que tem laços com cinco continentes. Trump não pode dominar a Coreia do Norte ou forçá-la a sacrificar a sua soberania com base em promessas vazias.
Se até agora a política internacional tem proporcionado derrotas à Administração americana, o futuro perfila-se ainda pior.
Conclui Petras:
As ferozes ameaças de Trump fazem parte da estratégia de intimidar a fim de garantir ganhos políticos? Trump está a interpretar as mesmas tácticas "loucas" de Nixon-Kissinger, nas quais o Secretário de Estado dizia aos oponentes de aceitar os seus pedidos "razoáveis" ou de enfrentar o pior? Não penso que seja assim. Ao contrário de Trump, Nixon não era controlado por israel. Ao contrário de Trump, Nixon não era acompanhado por conselheiros favoráveis à guerra nuclear. Nixon, ao contrário de Trump, abriu os Estados Unidos para negociar com a China e assinou acordos de redução nuclear com a União Soviética. Nixon promoveu com sucesso a pacífica coexistência. Trump é um mestre em derrotas.
Para avaliar os resultados dum político podemos observar os resultados adquiridos até então e as previsões sobre as futuras consequências. Até agora, os resultados apoiam as opiniões de Petras, não de Trump. E o futuro é perigoso: além de quanto afirmado no artigo, há também o risco de Trump, com a sua táctica obtusa, ser empurrado para um beco sem saída, uma situação de não regresso na qual só poderia ir em frente até as mais extremas consequências.
Na verdade, os relacionamentos com o estrangeiro de Trump nem podem ser definidos como "política": são apenas uma lista de imposições. Que é possível até quando os outros aceitarem dobrar-se. Mas o que aconteceria se alguém decidisse resistir?
Ipse dixit.
Fonte: Global Research