
Pode ser?
Pode.
Obrigado.
Cláudia é o dona dum café. Um café onde a maioria dos clientes bebe imperiais, o clássico copo de cerveja com um pratinho de tremoços.
Mas Cláudia tem um problema: muitos dos clientes estão desempregados, não têm dinheiro. Cláudia tenta tornar o ambiente mais atractivo, com tremoços de primeira qualidade e musica de Enya como banda sonora. Mas não funciona: os clientes continuam a não ter dinheiro e com a música de Enya ficam também deprimidos.
Cláudia pensa e afinal encontra um genial plano de marketing: os clientes podem beber agora e pagar depois. Marca os consumos num bloco de notas: e estas são as dívidas dos clientes, como é claro.
A formula "Bebes agora, pagas depois" vinga, Cláudia torna-se a dona do café mais popular da cidade.
E o negócio agora funciona. Apesar de Enya.
De vez em quando, Cláudia aumenta um pouco os preços, mas ninguém se queixa: afinal é sempre um "paga depois", o aumento até parece virtual.
O banco de Cláudia também fica feliz: agora é uma óptima cliente e decide aumentar o empréstimo, para que possa desenvolver ainda mais o negócio. Afinal, diz o banco, é verdade: o empréstimo é uma exposição, mas é garantida por todos os créditos que Cláudia tem com os clientes dela. Não há riscos.
Enquanto isso, o Departamento dos Sábios Investimentos e Alquimia Financeira do mesmo banco tem uma ideia genial: pega em todos os créditos do café de Cláudia e usá-los como uma garantia para emitir novos títulos no mercado internacional. Qual o problema? É uma operação legítima e os créditos são uma coisa segura, os clientes têm que pagar, cedo ou tarde. Mais uma vez: não há riscos.
A Agência de Rating Imperiais & Tremoços fica entusiasta e imediatamente assina uma classificação AA+ aos créditos de Cláudia. E também ao banco, pois este trabalha com produtos de primeira qualidade, é óbvio.
Até é encontrado um nome para identificar estes títulos: New Imperial High Performance Guaranteed, NIHPG. E soa bem.
Obviamente os investidores não sabem que os títulos são garantidos pelas dívidas de desempregados que gostam de cerveja: afinal o nome parece promissor e depois há um conhecido banco atrás disso e também uma excelente avaliação da agência de rating. Não há riscos.
Por isso os títulos NIHPG são bem-vindos no mercado, vendem-se sem problema e os preços deles aumenta. Normal: são garantidos, é um investimento seguro. Tão seguros que até os Fundos Pensões adquire uma boa quantia deles: títulos de primeira qualidade, com óptima avaliação, rendem bem e o valor aumenta. O investimento ideal. Não há riscos.
Tudo continua alegremente até que um dia o banco de Cláudia recebe um novo director. Este repara no ar de crise que há no mundo fora e decide reduzir a exposição da instituição. Não quer arriscar, portanto reduz o empréstimo de Cláudia e pede que ela acerte as contas: terá de depositar dinheiro até ser atingido o limite do novo empréstimo, que obviamente é mais baixo.
Cláudia, portanto, tem agora que conseguir o dinheiro e começa a pedir aos clientes para pagar as dívidas, aquelas apontadas no papel. O que é obviamente impossível: porque os seus clientes estão desempregados. E ficaram também deprimidos por causa de Enya. Aqui há riscos.
Então, o que acontece? Acontece que Cláudia não consegue juntar o dinheiro necessário, não pode depositar o dinheiro no banco: e este logo corta os empréstimos. Cláudia tornou-se uma cliente insolvente. Pior: sem empréstimo, Cláudia nem pode continuar a actividade: dado que os clientes não pagam na hora, a única forma de comprar novas mercadorias era com o empréstimo do banco. Inevitavelmente, o café fecha, os funcionários são despedidos.
Mas há mais: o preço dos títulos ligados ao café, os NIHPG, entram em queda e perdem 90% do valor. E o banco que tinha emitido estes títulos? Agora tem problemas, pois os investidores que tinham adquirido os NIHPG agora querem o dinheiro de volta, o banco entra em crise de liquidez (o banco, coitadinho, não tinha aquele dinheiro todo!) e congela imediatamente a actividade: nada mais de empréstimos para as empresas.
Obviamente tudo isso é um trauma no mundo económico. O fornecedor de Cláudia, que em virtude do seu sucesso tinha entregue cervejas e tremoços com pagamentos deferidos, encontra-se agora cheio de dívidas que nem pode cobrar. Não só: mas tinha também adquirido alguns títulos NIHPG e perdeu 90% do investimento com isso.
Resultado: o fornecedor de cerveja antes despede e em breve fecha.
O fornecedor dos cd de Enya também despede e fecha: um concorrente compra o que sobrar da empresa, fecha a produção local e desloca tudo para a Austrália. Infelizmente, os Aborígenes odeiam Enya, afirmam perturbar a harmonia de Mãe Terra e assustar os cangurus, por isso destroem a nova fábrica e queimam os cd numa grande fogueira catártica.
Mas esta é outra história.
É uma altura triste, sem dúvida.
Felizmente há um Estado e que faz o Estado? Resgata o banco com um mega-empréstimo, sem pedir garantias, nada: simplesmente o banco não pode falir, pois se o banco fechasse seria uma hecatombe. Isso, pelo menos, é o que o Estado afirma.
Mas há uma dúvida: onde é que o Estado encontra os fundos necessários para o mega-empréstimo?
Simples: como novas taxas e impostos pagos por todos aqueles que nunca tinham ido ao bar, porque empenhados a trabalhar e não a beber cerveja e tremoços.
Eis de quem era o risco.
Ipse dixit.
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