Carta de Kim para fazer-se propaganda
12 de Janeiro de 2018, 19:51
, por Informação Incorrecta
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Recebemos dum tal Kim de Pyongyang e publicamos:
Olá pessoal, tudo bem? Olhem, sou Kim Jong-un, o ditador da Coreia do Norte, aquele gajo baixinho, gorducho e com os cabelos cobertos de asfalto, lembram-se de mim?
Bom, era só para dizer o seguinte: não sei se sabem mas houve conversações com os fulanos da Coreia do Sul. Fizemos uma jantarada lá naquele lugar da fronteira para falar de algumas coisas, tipo as Olimpíadas, os atletas, as cheerleaders... já que estávamos aí decidimos também reactivar a linha vermelha entre os dois comandos militares. Não é por nada, mas em certos casos melhor um telefonema que fazer logo partir um míssil, não acham?
E segurem-se porque esta é forte: que tal umas famílias do Sul que abraçam os parentes do Norte, naturalmente em mundovisão, com lágrimas e sorrisos? Epá, eu disse logo aos fulanos de Seul que gostava disso, só de publicidade vamos fazer uma pipa de massa. Ok, esta coisa das famílias ainda não está certa, mas estamos a trabalhar nisso, nunca se sabe.
Em qualquer caso disse aos de Seul: "Pessoal, até a próxima e não desapareçam, tá bom?". Para vocês isso pode ser normal, mas para nós coreanos...bom, é um ar novo. Paz? Calma, pessoal, calma com estas palavras. "Paz"...não exageremos. Estamos a falar, já é muito.
Ora bem: decidi escrever no blog (a propósito: obrigado Max por conceder-me o espaço, porreiro este gajo!) porque a situação é a seguinte: eu, Kim modestamente, estou ciente de que o recém-eleito presidente sul-coreano, Moon Jae-in, é um democrata que apresentou uma proposta de distensão com a Coreia do Norte aos eleitores, e sei que ele ganhou precisamente porque a maioria do povo coreano tem medo de se tornar uma vítima dum jogo geopolítico com mísseis que esvoaçam dum lado para outro. E os coreanos não gostam de acordar de manhã com um míssil que rebenta na sala de jantar, somos gente esquisita, eu sei.
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Eu pequenino: fofinho! |
Agora, concentrem-se: o presidente sul-coreano também era o secretário pessoal do ex-presidente Roh Moo-hyum, um político que aquela grande... ehm, a senhora Condoleezza Rice e o amiguinho Robert Gates (pois, aqueles da administração Bush, exacto) definiram como "não confiável", "imprevisível" e "fundamentalmente anti-americano".
E Roh não tinha feito nada de especial, só seguir os passos do seu antecessor, Kim Dae-jung, aquele que ganhou o Prémio Nobel da Paz em 2000 por ter perseguido a doutrina de política externa conhecida como a política Sunshine.
Como? O que é a doutrina Sunshine? Mas onde raio vivem vocês? Fogo... tá bom, escutem: substancialmente é a reconciliação final entre as duas Coreias. E eu acho isso um "interesse nacional" compreensível, certo?
Agora, vamos pensar no grande passo: vamos fazer esta abençoada paz, depois de sessenta e cinco anos pode ser, não é? Também tenho que lembrar que segundo a China esta da paz é coisa "boa e justa": e pessoal, a China dá e leva 85% do import-export da minha Coreia, topam? Também o coiso aí, o Vladimir, ligou de Moscovo noutro dia e disse que sim, esta da paz é mesmo uma coisa "boa e justa". E é sempre melhor não irritar os russos, topam outra vez? Muito bem.
Então pensei: quase quase prometo retirar as 10 mil peças de artilharia colocadas nas colinas da Coreia do Norte ao longo dos 238 quilómetros da fronteira, cujo alcance atinge Seul (o míssil na sala de jantar, lembram?).
E poderia também receber a deslocalização industrial do Sul, ampliando a zona económica especial no parque industrial de Kaesong. Ok, admito: este foi um conselho dos chineses, eles percebem destas coisas, mas a mim nem parece mal.
Também porque daí até a ideia dum mercado comum o passo é curto. E um mercado comum entre as duas Coreias significaria expulsar a produção do inimigo histórico: o Japão. Vocês nem imaginam quanto na Coreia odiamos o Japão. E não só aqui no Norte, também lá no Sul, nem podem ouvir o nome...
Bom, dizia: afinal qual o problema? Vocês podem dizer "Sim, vai Kim, faz isso tudo!". Pois, parece fácil, não é? Mas não é. Explico, pois acho existirem dois problemas.
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Tanto frio! |
O primeiro: os gajos do exército. O meu exército entendo. Vocês nem imaginam quantos são obtusos. Sim, é verdade: o ditador sou eu, mas estes não são poucos, há uma inteira casta deles e todos querem manter o tacho.
Imaginem: amanhã vou falar com eles, tipo "pessoal, temos que mudar". Acham simples? Acham que aqueles nada vão fazer? Eu bem faço purgas de vez em quando, mas aqueles são muitos...
Segundo problema: os Estados Unidos. O que iriam fazer? Porque dito entre nós: aquele Trump parece-me uma besta. Eu sei, ele diz que quer pensar na América antes, etc., etc. Mas os EUA têm aliados, como o Japão. E uma Coreia unida seria um grande problema para Tóquio, não iriam gostar mesmo. Não é por nada, mas uma nova Coreia, que amplia a sua já assinalável capacidade produtiva (ok, ok: a capacidade do Sul, não era preciso lembra-lo...) pode tornar-se incómoda, pode alterar os já difíceis equilíbrios da região.
Sabem, às vezes tenho uma dúvida: mas será mesmo que os EUA querem a paz neste cantinho do mundo? Podem dizer "Ó Kim, estás paranoico". Ok, pode ser. Mas estamos tão próximos da China, um dia alguém poderia pensar em nós como uma espécie de ponte para chegar até Pequim. Já agora uma gaivota arrota e, pumba!, enche-se de navios americanos. Depois uma pessoa começa a pensar mal, não é?
Pronto, era só isso que queria dizer. E lembrem: as conversações com os fulanos do Sul correram bem, melhor do que o previsto. Agora estou farto e vou experimentar uma nova ogiva nuclear até chegar a hora do lanche. Fiquem bem.
Com amor,
Kim