Desde os anos noventa, quando nasceram a ovelha Dolly e o rato Cumulina, os cientistas nunca pararam de clonar os animais, conseguindo o êxito com 25 espécies. Nem é a primeira vez que é clonado um primata: já ocorreu com Tetra, o macaco nascido através da técnica da separação dos embriões.
Por qual razão todo esse clamor, então?
Em primeiro lugar porque a publicar o trabalho da equipa de Qiang Sun foi o prestigioso periódico científico Cell: um facto que dá autoridade à pesquisa. Depois porque a nova clonagem parece solucionar alguns problemas técnicos que, até agora, tinham provocado falhas na maioria das tentativas de clonagem de primatas.
E agora? Falta o último passo: depois dos macacos será a vez do Homem? É inevitável, apesar dos custos, das contra-indicações e dos seus problemas éticos.
Em 2002, os Realianos (um grupo religioso formado por pessoas com sérios problemas psiquiátricos) afirmaram ter conseguido clonar uma criança, chamada Eva. Mas era falso: de facto, até hoje a clonagem humana permanece como uma espécie de Santo Graal da genética.
Vantagens?
Há problemas técnicos: já com outras espécies há uma alta incidência de abortos, muitos casos de morte logo após o nascimento, defeitos genéticos e outros problemas de saúde. O criador de Dolly, o embriologista escocês Ian Wilmut, advertiu sobre os perigos da clonagem: gigantismo, doenças pulmonares, disfunção do sistema imunológico, obesidade, disfunção cardíaca, etc.). Wilmut tinha estudado os problemas dos clones, chegando a perguntar-se perguntando-se havia um exemplar "completamente normal". Daí o seu apelo contra a clonagem humana:
Ninguém deve sequer tentar clonar uma criança [...] Há abundantes evidências de que a clonagem pode dar errado e não há motivos para acreditar que os mesmos problemas não ocorram na clonagem dos homens.
Teoricamente abrem-se novos cenários para o tratamento de muitas graves doenças humanas ligadas aos sistema nervoso (Alzheimer, Parkinson, Stroke). Todavia, muitos temem cenários dignos da ficção científica: a possibilidade de um uso distorcido destes novos conhecimentos. Hipóteses sem fundamentos? Não: a verdade é que clonar um ser humano é inútil, a não ser que sejam tomadas em conta medidas não éticas como, por exemplo, a possibilidade de ter clones humanos entendidos como reservas de órgãos.
Outra possibilidade teórica seria a clonagem para melhorar as qualidades genéticas da humanidade: por exemplo, seria possível clonar indivíduos bem sucedidos na música, nas artes, na ciência, literatura ou política. Mas também neste caso temos profundas implicações: em primeiro lugar significaria interferir com o trabalho da Natureza, a única até hoje capaz de ditar os ritmos e as modalidades da evolução. A seguir, isso significaria criar uma distinção/subdivisão no seio da Humanidade, distinguindo entre pessoas mais ou menos capazes e, portanto, dignas ou não de ser replicadas: haveria pessoas "escolhidas" (as merecedoras de clonagem) e outras "normais", com um futuro "dispensável".
Irmã Morte
A clonagem apresenta graves problemas, não apenas técnicos: o que está em causa é também o papel a Homem. Úteros de aluguer, criação de inteligência artificial, manipulação genética... Assuntos complicados. Porque se o sujeito formos nós, um discurso racional torna-se quase impossível: quem pode negar a uma mãe o direito de ter um filho, mesmo que fisiologicamente esteja impedida? Hoje existe a possibilidade, com inseminação artificial ou o já lembrado útero alugado. É simples dizer "não", "não é natural": mas se nós formos a mãe, se o desejo de maternidade (ou paternidade) for o nosso? Quantos estão dispostos a recusar escolhas possíveis em nome da ética? Eis o ponto fraco que "justifica" passos eticamente duvidosos.
A Ciência sabe isso e explora a ocasião: há procura. Hoje "criar" seres humanos para ter órgãos de reserva parece um pesadelo, mas amanhã? Como teria sido julgado o aluguer dum útero no 1800? Porque hoje é aceite?
Mas o que há no fundo da questão? O que é que justifica o caminho da Ciência em territórios cada vez mais perto do Criador (seja ele quem for, se for) e/ou da Natureza? O que é que faz continuamente deslocar os limites da ética e da Ciência?
A resposta é "imortalidade". O Homem tem medo da morte, a companheira sempre presente ao nosso lado como uma obscura e inevitável ameaça. O Homem não aceita a morte e tenta derrota-la ou , aos menos, adia-la. Os filhos são também (mas não só, óbvio) o perpetuar do nosso "eu"; a inteligência artificial é outra forma de ter um filho, de certa forma até melhor do que nós; a clonagem somos nós, mas quase eternos. Por uma vez há algo mais forte do que o dinheiro: é a visão do nosso fim.
Isso faz que o termo "evolução" (e também "progresso") seja interpretado demasiadas vezes como a vontade de rescrever as leis da Natureza segundo os nossos gostos: é uma filosofia antropocêntrica na qual tudo afinal deve dobrar-se às necessidades do Homem.
Para todos? Nem pensar...
As novas tecnologias adquiriram o poder de sugestão e condicionamento que mudarão as relações sociais e políticas: em teoria, o novo Homem deve ser o dono do seu destino, o conquistador da Natureza. E esta não passas duma invenção, com as suas leis que podem ser violadas pela cultura, pelo progresso científico, pelo conhecimento. É uma mudança que já está em andamento e não desde hoje.
Problema: quem decide? Quem estabelece quais leis da Natureza devem ser quebradas, por quem, em qual medida?
É aqui que volta o dinheiro. Porque achar que todos poderão ser clonados é ilusório: no planeta não há espaço para infinitas cópias de nós. Hoje e no futuro as leis da Natureza serão atropeladas por quem pode dar-se ao luxo de pagar tal façanha, por quem terá poder económico e influência para transmitir a sua memória. Não é e não será algo para todos.
Ipse dixit.