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Facebook & Cambridge Analytica: a ponta do icebergue

23 de Março de 2018, 16:30 , por Informação Incorrecta - | No one following this article yet.
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É extremamente interessante observar os desenvolvimentos do caso Facebook/Cambridge Analytica: os políticos alarmados, os comentadores indignados, os usuários espantados, Mark Zuckerberg que pede desculpa. Tudo muito fofinho. E hipócrita.
  1. a classe política já sabia, e não desde ontem, qual a função "oculta" (mas nem tanto) dos social media: Trump, apesar dos cabelos, não é um extraterrestre, é um deles.
  2. os comentadores costumam mexer-se no meio político, bem sabem quais armas são utilizadas.
  3. os usuários, desde que não vivam numa árvore, sempre tiveram à disposição avisos e alertas em todos os molhos. Só quem não quer (ou não quer saber) é que não sabia.
Mas vamos focar a nossa atenção nas duas primeiras categorias: políticos e comentadores. Segundo estes, os milhões que votaram Trump (ou Brexit) fizeram isso porque os cerebrinhos deles tinham sido manipulados por "obscuras técnicas psicométricas": caso único de alteração da democracia através das técnicas de persuasão oculta de natureza publicitária.

Nada de mais ingénuo. A simples verdade é que Cambridge Analytica desaparece diante da imensa empresa que notoriamente pratica a manipulação psíquica do eleitorado nos EUA: i360 Themis. Conhecem? Em comparação, Cambridge Analytica é uma pulga.

i360 Themis dos irmãos Koch

Os alegres irmãos Koch
i360 Themis é um gigante que no seu site declara alegremente de manter "os dados de mais de 230 milhões americanos desde a idade de 18 anos, entre os quais 190 milhões que estão registrados para o voto"; falamos de dados pessoais obtidos com "múltiplos compiladores de dados do consumidor".

i360 Themis é a fusão de duas entidades: a já citada i360, empresa fundada por Michael Palmer, chefe de tecnologia da campanha presidencial de John McCain em 2008, e a Themis, fundação sem fins lucrativos que pertence aos irmãos Koch (e ao ler este nome façam o sinal da cruz porque estamos a falar do topo do topo).

Mestres do conglomerado Koch (petroquímica, fertilizantes, etc.), os dois irmãos Charles e David Koch são ideologicamente "de Direita", mas "libertários": isso significa que apoiam todas as causas da "Esquerda da moral" como livre aborto, direitos LGBT, imigração sem limites. Foi esta última posição que os tornou ferozes inimigos de Donald Trump. Assim, os Koch têm financiado as campanhas eleitorais de pessoas como Ted Cruz, Mike Pence e Mike Pompeo (olha a CIA!), opositores de Trump dentro do Partido Republicano.

Portanto, os Koch são de Direita e de Esquerda ao mesmo tempo, os melhores exemplos de como a clássica divisão política seja hoje boa só para entreter o povo. 

Mas voltemos para a i360 Themis: como funciona? Simples: rastreia "dinamicamente" os 230 milhões de adultos americanos com a análise de 1.800 comportamentos que os identificam nos hábitos e nas ideias com uma precisão fulminante. Mark Swedlung, um dos maiores técnicos de marketing direto, explica:
Eles sabem quando foi a última vez que tu fizeste o download de um pornovideo e se já pediste comida chinesa antes de votar. O que é perturbador.
É o mínimo que podemos dizer. Perturbador sim mas não impossível: hoje a informática permite isso, com controles cruzados e combinações em tempos reais. Os dados sobre as pessoas que os usuários publicam (ou não) no Facebook são bem pouca coisa perante este monstro: eles sabem para quais compras utilizamos o cartão de crédito, de qual TV somos assinantes, qual pornografia específica preferimos, qual informação estamos a procurar ou qual a nossa vossa fé. Tudo enquanto mastigamos com beata inocência os nossos popcorn na frente da televisão.

Data Trust de Paul Singer

A simpatia de Paul Singer
E i360 Themis não é o único a fazer isso. O melhor competidor (que faz exactamente as mesmas coisas) é Data Trust, empresa gerida por Karl Rove, o mago da propaganda política e da persuasão ao serviço da simpática família Bush. Foi ele o verdadeiro criador de Bush jr. que, sozinho, nem como administrador do prédio poderia ter sido eleito. Não acaso, Rove foi antes assessor e em seguida vice-chefe de gabinete na Casa Branca durante aquela Administração que lançou a "longa guerra contra o terrorismo".

Rove é conhecido por ter dito ao escritor Ron Suskind depois de 11 de Setembro de 2001:
Nós somos agora um império e, quando agirmos, criamos a nossa realidade. E enquanto você está a estudar essa realidade, com muito juízo como costumam fazer vocês realistas, nós agimos de novo, criando outras realidades, mesmo aquelas que poderão estudar: nós somos os atores da História e vocês, todos vocês, têm que estudar o que nós fazemos.
Sim, existem pessoas assim, com delírios de omnipotência ao estado mais puro, cristalino. 

Terminada a experiência Bush, o mágico Rove preferiu deixar a Casa Branca e, em vez de ser preso e fechado numa clínica psiquiátrica sem possibilidade de visitas, tornou-se o chefe da Data Trust, o monstro que recolhe dados e cria perfis de consumidores e eleitores.

Falta algo? Claro que falta: i360 Themis tem os irmãos Koch (sempre sejam louvados), quem fica atrás de Data Trust? É Paul Singer, judeu, conhecido entre os amigos como o carinhoso sobrenome de "O Abutre" por ter fundado o máximo hedge fund especulativo, a Elliott Management Corporation (EMC): este é o fundo-abutre por excelência, especializado na compra de dívidas de Países ou empresas falidas em troca dum prato de lentilhas, para depois colectar os últimos lucros antes do golpe final. Em suma, é um usuraio do pior, por isso não espanta saber que Singer é um filantropo, apoia israel e luta pelos direitos LGBT.

Esses dois monstros não precisam roubar milhões de perfis do Facebook, como dizem que fez Cambridge Analytica com um aplicativo. Neste aspecto podemos ficar descansados: não há conta online em risco. Tudo o que os americanos precisam fazer é responder a qualquer questionário e a partir daquela altura estão presos. Metaforicamente. E legalmente. Uma série de algoritmos que operam verificações cruzadas ​​proporcionam aos partidos políticos dos EUA aquilo de que precisam. E precisam de quê? Os jornais agora falam de perfis, de preferências, de fé do eleitores... tudo verdadeiro, tudo muito útil em qualquer campanha eleitoral. Mas há mais umas possibilidades.

Os dados para apagar os eleitores

Trump com o astuto Kris Kobach
Vamos fazer um exemplo. O Leitor é de Direita e vai candidatar-se num Estado onde boa parte do eleitorado é composto por hispânicos. É provável que um hispânico seja de Esquerda, o que é uma chatice do ponto de vista do Leitor. Mas este pode fazer algo: pedir que uns quantos eleitores sejam apagados das listas de voto por suspeita de serem irregulares, sem direito de participar nas eleições.

Algo absurdo na Europa, mas perfeitamente viável nos Estados Unidos onde, dado o caos das identidades em muitos distritos eleitorais, às vezes nem sequer é obrigatório comprovar a identidade do eleitor com a apresentação dum documento. Portanto, o Leitor pede ao seu fornecedor de dados a lista dos eleitores e começa a queixar-se com o comité eleitoral de todos os com o apelido "Garcia". Com um pouco de sorte, alguns serão efectivamente excluídos e as possibilidades de ser eleito ficarão reforçadas.

Em boa verdade este nem é um exemplo de fantasia: é exactamente o que se passou com Kris Kobach, Secretário de Estado do Kansas, o qual, usando um algoritmo desenvolvido pela sua técnica informática Jessie Richman, fez apagar das listas eleitorais tal "Carlos Murguja" como provável estrangeiro não-votante. O problema é Kris Kobach é um fiel seguidor de Donald Trump e, como tal, fortemente limitado: não reparou que Carlos Murguja era um juiz distrital, além de ter nascido em Kansas em 1957. Obviamente foi escândalo.

Mas, segundo o jornalista investigativo Greg Palast, este algoritmo "de cruzamento" (crosscheck) permitiu ao Partido Republicano bloquear a registração de um em cada sete novos eleitores no Estado do Kansas. Obviamente temos que acrescentar a isso o inevitável algoritmo utilizado pelos democratas e eis uma bonita fotografia da democracia americana.

Curiosidade: Data Trust e i360 Themis não aparecem nas páginas de Wikipedia, nem da versão inglesa. i360 Themis é omitida nas páginas da família Koch e de Michael Palmer, assim como Data Trust não é presente nas páginas de Karl Rove ou de Paul Singer. Com a enciclopédia online podemos descobrir que o simpático Singer aos 10 anos começou a estudar piano, que gosta de Led Zeppelin e que é fã do Arsenal, mas não que financia a segunda maior empresa americana de recolha de dados pessoais.

Estranho? Nem tanto. Experimentem visitar o site institucional de Data Trust: totalmente anónimo. Tentem encontrar um nome ou um apelido no site de i360 Themis: não há.


Ipse dixit.

Fontes: The Data Trust, i360 Themis, The New York Times, Maurizio Blondet

Fonte: http://feedproxy.google.com/~r/InformaoIncorrecta/~3/6H06n_2DAqU/facebook-cambridge-analytica-ponta-do.html