Quais as verdadeiras consequências do desastre nuclear de Fukushima? Muito difícil responder.
A versão oficial, como sempre, pode ser encontrada na Wikipedia, versão inglesa. A página Fukushima Daiichi nuclear disaster casualties ("Vítimas do desastre nuclear Fukushima Daiichi") começa com um tom tranquilizador:
Não houve mortes causadas pela síndrome de radiação aguda. Dados os efeitos incertos da radiação de baixa dose sobre a saúde, as mortes por câncer não podem ser descartadas. No entanto, nenhum aumento perceptível na taxa de mortes por câncer é esperado. Prevê-se que as futuras mortes por câncer, devido à exposição acumulada à radiação na população que vive perto de Fukushima, variem na literatura académica de nenhuma a centenas.
É claro que como fonte Wikipedia não presta, temos que procurar algo melhor.
Um estudo da Universidade de Stanford (EUA) de 2012 calcula um máximo de 1.300 mortes e até 2.500 casos de câncer. Estes dados contrastam com as garantias dadas no momento do incidente pelo Comité Científico da ONU. Mas a equipa universitária é clara:
Das estimativas surgem incertezas, mas é evidente que as anteriores declarações que negavam qualquer risco para a saúde não dizem a verdade.
Todavia o câncer é uma doença que costuma desenvolver-se ao longo de meses ou anos: em Fukushima houve mortes provocadas pelas operações de evacuação, algo que interessou mais de 460.000 pessoas distribuídas em 2.400 campos de emergência no Japão.
Em 2011 as vítimas mortais provocadas pelas operações de evacuação tinham sido calculadas em 600, especialmente entre idosos e doentes crónicos. Em 2018, a Prefeitura de Fukushima actualizou o total para 2.222: quase quatro vezes a estimativa inicial. Mas também neste caso os números não são unânimes pois já em 2016 o estudo Emergency Responses and Health Consequences after the Fukushima Accident; Evacuation and Relocation, publicado na revista Clinical Oncology, explicava o seguinte:
De acordo com o relatório sobre as mortes relacionadas com o desastre [...] emitido pela Agência de Reconstrução do Japão, 2.688 pessoas morreram em abrigos ou casas temporárias até 31 de Março de 2013; estes eram DRDs (DRD indica Disaster Related Deaths, ou "mortes relacionadas com o desastre": é definido como tal o falecimento causado pela deterioração de problemas médicos subjacentes devido ao acesso médico precário ou a doenças decorrentes de ambientes pobres, como abrigos temporários). Cerca de 90% dos DRDs tinham mais de 66 anos e mais de um terço morreu no prazo de um mês após o terremoto.
E até aqui falámos de seres humanos: o que aconteceu ao ambiente?
O ambiente
Em 2015 a secção japonesa de Greenpeace publicou o relatório Radiation Reloaded e as conclusões são alarmantes: os impactos ambientais do desastre de Fukushima Daiichi terão efeitos por séculos nas florestas, rios e estuários. Os elementos radioativos com vida mais longa foram absorvidos pelas plantas e pelos animais, reunidos novamente através das cadeias alimentares e arrastados também para o Oceano Pacífico. Na prática, sabemos que tais elementos entraram num ciclo no qual é impossível segui-los ou prever as consequências de longo prazo.
As análises de Greenpeace, conduzidas no Japão e principalmente na zona de Fukushima, encontraram:
- altas concentrações de elementos radioactivos nas folhas novas e (pelo menos no caso dos cedros) também no pólen;
- aumento das mutações no crescimento de abetos, com aumento dos níveis de radioatividade;
- mutações hereditárias encontrados em borboletas tipo Pseudozizeeria maha;
- danificação do DNA de vermes nas áreas altamente contaminadas;
- redução da fertilidade no andorinha comum;
- diminuição na distribuição de 57 espécies de aves nas áreas de maior contaminação (resultado, este, fruto duma pesquisa de quatro anos);
- altos níveis de contaminação por césio encontrados em peixes de água doce;
- contaminação radiológica de estuários, um dos ecossistemas mais importantes.
De Março de 2011 até 2015, Greenpeace realizou 25 investigações radiológicas em Fukushima. Em 2015 centrou-se sobre a contaminação das montanhas arborizadas no distrito de Iitate, a noroeste da central nuclear de Fukushima Daiichi. Tanto as análises do Greenpeace quanto as pesquisas independentes mostraram que a radioatividade não é estática mas mexe-se das bacias das montanhas contaminadas para entrar nos ecossistemas costeiros.
O Rio Abukuma, um dos maiores do Japão e que flui principalmente através da Prefeitura de Fukushima, nos primeiros cem anos após o acidente poderia descarregar no mar 111 TBq de césio-137 e 44 TBq de césio-134.
O programa de limpeza ambiental conduzido pelo governo japonês tem tido um impacto quase nulo na redução do risco ecológico ligado à enorme quantidade de radioactividade emitida no desastre nuclear. Milhões de metros cúbicos de lixo nuclear estão espalhados em pelo menos 113 mil locais na Prefeitura de Fukushima. E Greenpeace aponta o dedo também contra a IAEA, a Agência Internacional de Energia Atómica, que no estudo The Fukushima Daiichi Accident (2015) declarou:
Não há observações de efeitos diretos induzidos pela radiação em plantas e animais, embora tenham sido realizados estudos observacionais limitados no período imediatamente após o acidente. Existem limitações nas metodologias disponíveis para avaliar as consequências radiológicas, mas, com base na experiência anterior e nos níveis de radionuclídeos presentes no meio ambiente, é pouco provável que haja qualquer consequência radiológica importante para as populações ou os ecossistemas.
Outra notícia negativa é o medo de que zonas já descontaminadas possam ser novamente atingidas por radiações: a razão é que a obra de limpeza foi fragmentada e inadequada. Áreas já "limpas" voltam a apresentar valores de 3 e 7mSv por ano, isso é, 3 e 7 vezes maiores dos limites internacionais e em aumento em relação às primeiras medições.
Os níveis de radiação em algumas florestas são surpreendentes: perto de uma escola na cidade de Namie foram medidos bem 10mSv/ano. Mas a situação pior pode ser encontrada perto de Obori, onde foram detectados 101mSv.
Em Novembro de 2017, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (UNHRC) emitiu quatro recomendações ao Japão sobre os problemas de Fukushima; foi pedido ao País que não revogue a ordem de evacuação, pois o limite de 20mSv/ano utilizado pela lei japonesa é inadmissível. A Alemanha, por exemplo, pediu ao Japão para adaptar-se às regras da ONU e reduzir o limite para 1mSv/ano.
Mas aqui a realidade choca com a política: o Primeiro-Ministro Shinzo Abe está determinado em permitir que boa parte dos refugiados volte para as suas casas, pois o risco é de pagar em termos eleitorais a insatisfação dos cidadãos. Como se isso não fosse suficiente, Abe quer que as centrais nucleares do Japão voltem ao trabalho, "em conformidade com os padrões de segurança". Nem mesmo os inquéritos judiciais e a acusação de três executivos da Tepco, responsáveis de "negligência profissional com consequentes lesões e morte" são suficientes para travar a sede de energia e as pressões das lobbies.
Além do Japão
Até aqui a situação no Japão: mas fora dele?
Na costa Oeste da América do Norte, por exemplo, há uma forte preocupação com a contaminação, considerando que os níveis de radiação que atingiram as praias do Pacífico são maiores do que se pensava e a quantidade de césio é muito elevada. Nas águas de Vancouver, Canada, a acumulação parece estar a aumentar.
Mas não são notícias da última hora: já em 2013, o Huffington Post relatava uma maciça "matança" de krill ao longo da costa Oeste, num trecho de 250 milhas desde o Oregon até a Califórnia. E mais recentemente, enormes quantidades de estrelas do mar apareceram ao longo da costa Oeste, como relatado por USA Today.
Tudo isso não deve surpreender.
Os especialistas do Instituto Norueguês de Pesquisa Aérea tentaram estimar o destino do césio-137 emitido após o desastre de 2011. Segundo os cálculos, 23% do total permaneceu no Japão, enquanto o resto espalhou-se em todo o mundo: na América do Norte depositaram-se 163 TeraBequerel de césio, 14 na Europa (especialmente na Rússia Europeia, Suécia e Noruega), 47 na Ásia, enquanto uma parte considerável, cerca de 69 TBq, foram para o Ártico devido à viagem da nuvem radioativa.
Traduzido em termos de exposição, os autores concluem que quem não mora no Japão teve, no máximo, 0.02 millisieverts de radiação. Um valor baixo, mas mesmo assim equivalente a uma sessão de raios-X.
A verdade é que os efeitos do acidente na central nuclear de Fukushima Daiichi foram e serão sentidos por todos os seres vivos do planeta, mesmo a milhares de quilómetros de distância. A extensão dos danos deste incidente devastador é algo que muitas pessoas não conseguem entender completamente.
A radiação lenta, mas inexorável, destrói tudo o que encontrar e o dano será evidente apenas com o passar do tempo. É precisamente quando a maioria de nós começa a esquecer o que aconteceu que os efeitos do maior desastre nuclear/industrial do mundo começarão a manifestar-se em toda a sua devastação.
Ken Buesseler, do Oceanographic Institution Woods Hole (EUA):
A minha maior preocupação é o que está a acontecer hoje no Japão e o impacto que isso pode ter na nossa costa. Sabemos que ainda há perda de radioatividade porque estamos a medir níveis cada vez mais altos no Japão. A questão básica é: quanta radioatividade foi libertada em Fukushima?
O actual responsável da usina, Shunji Uchida, admite:
Os robôs e as câmaras fornecem imagens preciosas. Mas ainda não está claro o que realmente está a acontecer lá dentro.
Ipse dixit.
Fontes: Greenpeace: Radiation Reloaded - Ecological Impacts of the Fukushima Daiichi Nuclear Accident (ficheiro Pdf, inglês), International Atomic Energy Agency (IAEA): The Fukushima Daiichi Accident (ficheiro Pdf, inglês), NaturalNews, The Huffington Post, Business Online, Ansa, Royal Society of Chemistry: Worldwide health effects of the Fukushima Daiichi nuclear accident, Prefeitura de Fukushima: Damage caused by earthquake and tsunami, Clinical Oncology: Emergency Responses and Health Consequences after the Fukushima Accident; Evacuation and Relocation