precioso que temos de defender: cada pessoa poder dizer o que lhe apetecer, na total plenitude do pensamento, porque todos somos iguais e com os mesmos direitos.
A não ser que esta pessoa diga algo contrária ao que nós pensamos. Neste caso ficamos ofendidos e entra em cena um outro valor: a sagrada defesa das minorias.
Mas não de todas as minorias, pois na verdade há pessoas mais iguais do que outras. Por exemplo: atacar uma minoria hebraica é simplesmente hediondo, enquanto ofender uma minoria muçulmana (não muitos indivíduos, só alguns milhões, como em França) tem o nome de "sátira" e volta a ser parte daquela "liberdade de expressão" que não pode ser posta em causa.
A nossa pode parecer uma "liberdade de expressão" um pouco esquizofrénica, mas é só uma questão de hábito, com o tempo acabamos por nem dar conta disso. Pelo que, é perfeitamente normal que 13 moradores de Nottingham subscrevam uma carta para protestar conta a actuação de Gilad Atzmon, músico israelita. E é perfeitamente normal que a actuação seja cancelada.
Uma carta assinada por 13 dementes nem deveria despertar atenção, mas cuidado: Gilad Atzmon é um israelita crítico de israel. Então a questão muda. E muito. Com um triplo salto mortal, Gilad passa de membro duma minoria que deve ser defendida para a categoria de hediondo. Da mesma forma, os 13 moradores deixam de ser dementes e tornam-se paladinos defensores das minorias.
Quais as culpas do músico? Muitas e bastante graves. Por exemplo, esta é uma expressão dele:
É sempre o mau comportamento dos judeus que provoca desastres aos judeus
Outro exemplo:
O Tribunal de Nuremberga era falso, seria preciso outro para julgar os crimes de israel.Pronto, acabou: indivíduos assim utilizam a liberdade de expressão para dizer tudo o que pensam, o que é um disparate. Há coisas que nem devem ser pensadas, imaginemos ditas.
E aqui entra em cena o Conselho de Borough Gedling, o subúrbio de Nottingham do qual os 13 heróis fazem parte, para chamar a atenção sobre as declarações do músico.
O Conselho, ao ler as ideias de Atzmon [que é blogueiro também, ndt], decidiu que aquele tipo de declarações "tocam em pontos que preocupam os moradores locais". De facto é simples imaginar os 300 mil moradores de Nottingham preocupadíssimos perante as frases do músico. Portanto:
Embora reconhecendo e valorizando a importância da liberdade de expressão, o Conselho tem a responsabilidade legal de construir e manter boas relações entre os membros da comunidade, mesmo entre pessoas de diferentes raças e religiões.
A liberdade de expressão acaba quando nós decidirmos que certas ideias não são permitidas.
O Conselho assume que a autorização da actuação e presença de Gilad Atzmon poderiam ser um acto não compatível com essa responsabilidade.Que por sua vez significa:
Je suis Charlie, não Gilad, cuja só presença nem pode ser tolerada.Atzmon, que deixou israel e emigrou para a Inglaterra há muitos anos, afirma:
Eu não sei o que passou pelas cabeças deles. A mim não interessa se as pessoas compartilham ou não o que escrevo, a minha música não tem nada a ver com isso. Acho ser uma injustiça.
Bom, aqui não é o Bonington Theatre de Nottingham mas um par de vídeos podem ser sempre transmitidos. Se gostam de jazz, o primeiro é de Gilad Atzmon e o Orient House Ensemble, com a canção Gaza Mon Amour (lolol):
E o segundo sempre de Gilad Atzmon & The Orient House Ensemble, é Buenos Aires, gravado no The Old Brown Jug, em Newcastle-under-Lyme:
Se gostam, aconselho uma actuação ao vivo que é possível encontrar no Youtube.
Trata-se duma jam-session de jazz com fortes traços orientais, performance dos seguintes músicos:
- Gilad Atzmon / Saxofone
- Julio Morales / Berimbau
- Javier Mokdad / Percussão
- Nabil Attar / Alaúde (Oud)
- Javier Ruiz / Guitarra
Eis os links:
Boa audição!
Ipse dixit.
Fonte: Haaretz, Nottingham Post