Mas quanto boa? Uhi, muitíssimo boa. Provavelmente a melhor. Por qual razão? Porque nós somos bons. E, para prova-lo, pode ser boa ideia pegar na História e rescreve-la.
Tão simples, não é?
Revista Super Interessante (vendida também no Brasil), edição portuguesa deste mês, Setembro de 2015, páginas 86 - 91. Assunto: a Paz. Como é a Paz? É boa, ainda bem.
E, de facto, o artigo entende demonstrar como a Paz tenha tido um papel fundamental na nossa História. Não se trata de demonstrar que não houve guerras, mas que o homem "é um ser complexo, capaz de comportamentos altruístas ou egoístas, e tanto de atitudes pacíficas como violentas".
Ok, se calhar não é esta uma observação particularmente profunda. E nem aquela segundo a qual "se a violência não produz grandes alterações a longo prazo, o verdadeiro motor da história é a paz": é lógico que os maiores avanços (nas várias áreas) sejam obtidos em condições de paz, quando os pesquisadores podem desenvolver o trabalho deles, quando há tempo e condições para tentar encontrar soluções para os vários problemas, para melhorar as condições de vida duma sociedade. Não me parece propriamente um pensamento revolucionário.
Mas vamos em frente.
Volto a página e deparo-me com o seguinte subtítulo: "Ente os anos de 1815 e 1914 houve apenas 18 meses de guerra".
Desculpem? Importam-se repetir?
Vou logo procurar no artigo o sentido deste disparate. Ah, cá está: "O sociólogo Karl Polany designou o período entre 1815 e 1914 como a Paz dos Cem Anos, durante a qual as grandes potências só se combateram durante um total de dezoito meses".
Mas que raio de visão é esta? O sociólogo judaico (ah, pois...) Polany esqueceu-se de dois "pormenores":
1. as grandes potências não combatiam na Europa, mas participavam em conflitos nos outros continentes.
2. além dos conflitos entre as grandes potências da época, havia outros conflitos, de carácter regional: e, não poucas vezes, na base destes havia o espírito colonialista das mesmas grandes potências.
Esta visão "eurocentrica" da História (na altura os Estados Unidos ainda não eram uma potência de nível internacional) leva até resultados completamente errados. Entre 1815 e 1914 houve:
- um total de 349 conflitos.
- em 181 destes conflitos houve uma intervenção directa dum País ocidental, na maior parte dos casos: o Império Britânico, a principal potência do século XIX até o início do XX. Nesta conta não são consideradas as guerras nas quais participaram apenas os Estados Unidos.
- alguns destes conflitos geraram perdas enormes: Rebelião Taiping (1851-1864) 20 milhões de mortos; Revolta Dungan (1862–77) entre 8 e 12 milhões de mortos; Conquistas de Shaka (1816 - 1828) 2 milhões de mortos; mais umas tantas guerras com "apenas" algumas centenas o dezenas de milhares de mortos.
No mesmo artigo, Super Interessante publica também um gráfico do Institute for Economics and Peace (IEP) fundado pelo empresário australiano Steve Killelea em 2007: este é um gráfico que analisa não apenas as guerras mas também os níveis de criminalidade internos. Vamos espreita-lo, na versão referida ao ano de 2011:
Clicar para aumentar! |
É lindo, não é? Olhem o Canada, por exemplo: uma maravilha, um autêntico paraíso.
Mas há algo que não bate certo. Em 2011, a NATO interveio na Líbia, estabelecendo uma no fly zone, bombardeando até os civis, derrubando o regime num País soberano que pensava na vidinha dele e que não estava empenhado em conflito nenhum. E quem fazia parte (e ainda faz) da NATO? Quem tomou parte activa neste conflito? Exacto: o Canada. Que, ao mesmo tempo, já se encontrava empenhado na operação NATO no Afeganistão.
Como pode um País responsável de invasões contra dois Países soberanos ser considerado entre os "mais pacíficos" do planeta? Segundo o mesmo IEP, o Canada é o 13º País mais pacífico do mundo enquanto a Mongólia é 61ª. Este País, que desde o fim da Segunda Guerra Mundial não entrou em conflito nenhum (em 2011 só tinha um número muito reduzido de tropas no Afeganistão), que não conhece o analfabetismo, que respeita as minorias étnicas e religiosas, que não tem problemas raciais, que desde a queda do Comunismo encontrou o seu percurso democrático, é menos pacífico do que o Canada. Isso segundo o IEP, claro.
É possível afirmar que na Mongólia existe uma taxa de criminalidade superior: o que é verdade. Na lista de Países por taxa de homicídio intencional, a Mongólia apresenta um pouco simpático 9.7, um meio termo entre o 1.6 do Canada e o 25.2 do Brasil (isso para não falar do 90.4 das Honduras).
Mas se assim for, então o gráfico do IEP confere um peso preponderante à criminalidade interna em detrimento dos conflitos exteriores nos quais os vários Países tomam parte. E exclui, por exemplo, outros dados como as despesas militares (o Canada é 13º na lista das despesas militares per capita, a Mongólia nem aparece nesta lista dos primeiros 35; também como percentagem do PIB as despesas do Canada são superiores).
Obviamente, neste gráfico a Rússia é sempre pior do que israel a partir do ano de 2012. As operações
Pilar Defensivo (2012) ou Margem Protetora (2014) contra a Faixa de Gaza não são consideradas, pois massacrar Palestinianos é normal.
Mas não admira: o IEP, como lembrado, é uma estrutura fundada pelo empreendedor australiano Steve Killelea. Este simpático senhor (candidato ao Nobel da Paz) faz parte do Clube de Madrid, uma ONG que tem como objectivo espalhar a Democracia. Entre os membros: José María Aznar, Felipe Calderón, Aníbal Cavaco Silva, Bill Clinton, Mikhail Gorbachev, Romano Prodi... bom, estamos entendido, não é?
Dúvida final: mas somos bons ou maus?
Nem um nem outro. Somos o fruto da educação que recebemos, dos valores transmitidos, da sociedade em que vivemos. Muitas vezes não é o homem a trair, mas os seus problemas.
Ipse dixit.
Fontes: Wikipdia - List of wars 1800–99, List of wars 1900–44, List of wars by death toll, List of countries by military expenditure per capita, Institution for Economics and Peace: Vision of Humanity, Revista Super Interessante, edição Portugal, nº 209 Setembro de 2015, páginas 86-91.