Não mortos frescos, mas de muito, muito tempo atrás.
Os mortos em questão são os nossos antepassados e a razão da curiosidade provém das algumas recentes descobertas que já obrigaram a Ciência a reescrever alguns capítulos.
Capítulos em nada secundários mas bem importantes: fala-se aqui dos nossos antepassados mais directos, os que deram origem a actual espécie humana.
Vamos ver qual a razão.
Um e dois, os velhos conhecidos
Até poucos anos atrás, havia um esquema que parecia de confiança. Neste esquema era possível encontrar o Homo heidelbergensis (vivido entre 600 000 e 100 000 anos atrás), seguidos pelo Homo de Neanderthal (entre 250.000 e 30.000 anos atrás) e, por fim o Homo sapiens, que somos nós (aparecido há 200 mil anos).
Ainda antes havia quem pensasse que o Homo de Neanderthal fosse o nosso antecessor, só em tempos mais recentes foi assumido o facto desta espécie ter vivido paralelamente à nossa. Todavia, dada a distância entre os respectivos habitat (o Homo sapiens supostamente saiu de África há 75/65.000 anos, o Neanderthal viva maioritariamente na zona europeia), pensava-se que não tivesse havido promiscuidade entre as duas espécies: a História teria sido escrita pelo sapiens depois deste ter aniquilado o neanderthaliano, mais primitivo.
Homo neanderthalensis |
As pesquisas sobre o genoma humano têm evidenciado que as duas espécies trocaram os genes: isso é, houve a tal promiscuidade, e isso abre um novo cenário acerca do desaparecimento do H. de Neanderthal.
Uma teoria mais em linha com os achados, afirma que o H. sapiens não exterminou o "rival", simplesmente este último (que afinal tão primitivo não era) foi absorvido pelos nossos progenitores.
A conclusão parece ser feita mesmo para eliminar o sentido de culpa dos ombros da nossa espécie, mas na verdade há mais do que isso. Há uma série de achados importantes que demonstram a convivência entre as duas espécies e, sobretudo, há os genes que não são tão poucos assim: os restos do Neanderthal no nosso genoma são mais do que o fruto dum relacionamento ocasional. Até 4% do genoma do H. sapiens é de origem neanderthaliana.
Pelo que, a nossa árvore genealógica tem que ser reescrita: antes o Homo heidelbergensis (entre 600 000 e 100 000 anos atrás), depois o Neanderthal e o sapiens (nós!) que coexistiram e se misturaram ao longo largas dezenas de milhares de anos.
Três: Desinova
As escavações em Desinova |
Numa caverna dos Montes Altai, na Sibéria, são descobertos os restos do Homo de Denisova (esta é a localidade onde fica a caverna): viveu entre 70 mil e 40 mil anos atrás, numa zona já ocupada pelo Neanderthal (cujos restos são encontrados na mesma caverna) e pelo sapiens (mesma coisa).
Quase nada se sabe acerca do Homo de Denisova, difícil até reconstruir o aspecto: de certo há que existiu e que os seus genes estão presentes no nosso genoma.
O Instituto Max Planck de Lipsia (Alemanha) efectuou as análises do DNA: como vimos, até 4% do nosso genoma tem restos do Homo de Neanderthal, mas agora fica claro também que entre 4 e 6% dos genes do povo Han (o maior grupo étnico da China) tem origem no Homo de Denisova, pelo que houve uma hibridação entre este último e os sapiens também.
Fica claro que ao longo dum passado remoto (entre 70 mil e 40 mil anos talvez) havia não uma mas três espécies de Homo que deambulavam alegremente no continente euro-asiático; e que estivessem alegres não há dúvida, dada a facilidade com a qual se misturavam.
Mas eram mesmo três? Se calhar não...
Quatro: o Hobbit
Em 2003, na ilha de Flores, na Indonésia, uma equipa de antropólogos procurava provas da migração do Homo sapiens para a Austrália, via Ásia. Na caverna conhecida como Liang Bua encontraram algo bem diferente: aquela que parecia ser uma nova espécie.
Fêmea de Homo floresiensis |
O traço mais surpreendente era a dimensão do crânio, com um cérebro de apenas 380 cm³ (no Homo sapiens é de 500 cm³, apesar de muitas vezes estar vazio...). Pelo que alguns cientistas pensaram num grupo de indivíduos anormais, nomeadamente microcéfalos.
Todavia, sucessivas análises demonstraram como o cérebro do Homo floresiensis (este o nome) era perfeitamente funcional, apesar da dimensões: o Hobbit (como também foi baptizado) era uma nova espécie.
Mas quando viveu? Os pesquisadores falam do provável aparecimento perto de 94 mil anos atrás, mas é difícil ser mais precisos porque as condições climatéricas da zona não permitiram uma boa preservação do DNA e os restos são escassos. O desaparecimento pode ter acontecido entre 15 mil e 13 mil anos atrás, isso enquanto os primeiros Homo sapiens tinham chegado no local há 35 mil anos: por isso, as duas espécies coexistiram ao longo de milhares de anos.
Resumindo:
- Homo de Neanderthal: entre 200.000 e 40.000 anos atrás
- Homo de Denisova: entre 70.000 e 40.000 anos atrás
- Homo de Flores: entre 94 mil e 15-13 mil anos atrás
- Homo sapiens: entre 200.000 até hoje.
Todas estas espécies faziam parte do género Homo. Mas isso significa que entre 70 mil anos atrás (data máxima estabelecida pelo Homem de Denisova) e 40 mil anos atrás (data limite da extinção do Homo neanderthaliensis e do Homem de Denisova) viviam no planeta bem 4 espécies de humanos. E consideradas as últimas descobertas (de achados e genéticas), estas espécies entraram em contacto entre elas, em alguns casos (Neanderthal, Denisova e sapiens) chegando a misturar-se.
E não é tudo.
Cinco: X
Já em 2013 as pesquisas acerca do genoma humano tinham fornecido uma pista interessante. Na reunião da Royal Society em Londres, os resultados foram discutidos e deixaram claro que o nosso genoma é o fruto de cruzamentos acontecidos na Europa e na Ásia há uns 30 mil anos, mais ou menos.
Os cruzamentos interessaram quatro espécies: o Homo sapiens (nós), o Homo de neanderthal, o Homo de Desinova e... outro. O Homo da Ilha de Flores? Não, este último viveu numa zona bem delimitada e as pistas indicam uma espécie nova, mais parecida com um antigo predecessor, o Homo heidelbergensis (que deixou a África há 500 mil anos atrás e que, presume-se, gerou o Homo de Neanderthal).
O problema é que, apesar de ter deixado a sua assinatura no nosso DNA, ninguém tem a mínima ideia do que poderia ser esta espécie, totalmente desconhecida. Todavia, o debate está iniciado assim como as pesquisas para encontrar este novo parente extinto. A nossa espécie, longe de ser a perfeita criação do Antigo Testamento, é cada vez mais parecida com um mosaico.
Naledi, o recém chegado
Homo naledi |
foram revolucionados.
Já não há uma sequência de "evoluções " distintas (e suspeitas, diga-se) mas espécies que circulam, estabelecem contactos, cruzam-se. Algo tipo o café de Guerras das Estrelas, cujo produto último somos nós.
E a história ainda está longe de ter acabado, por isso melhor não "fossilizar-se" sobre os actuais resultados. É do último Setembro a notícia da descoberta duma nova espécie numa gruta da África do Sul: o Homo naledi.
Ainda pouco se sabe acerca deste Homo: sem dúvida viveu muito antes do que as espécies acima citadas, algo não longe de 3 milhões de anos atrás. Mas há um pormenor extremamente interessante: segundo a equipa que efectuou a descoberta, os esqueletos encontrados faziam parte dum verdadeiro cemitério. O Homo naledi enterrava os seus mortos?
Até hoje esta prática era considerada uma exclusiva do homem moderno, iniciada há 200 mil anos atrás: isso porque a sepultura implica uma capacidade de abstração (a vida além da morte) não indiferente. A possibilidade do Homo naledi ter também praticado a sepultura dos seus mortos, se confirmada, obrigará a rever muitas das ideias também nesta área.
Ipse dixit.
Fontes: no texto.