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O hospital de Kunduz hoje |
Faz um certo efeito ver um hospital em chamas, as ambulâncias correrem, enquanto ao lado tenho um puto que joga com o tablet do pai. Em qualquer caso: reportagem curta, não mais do que 20 segundos.
A seguir aparece Obama, que merece muito mais tempo. Tem ar sério, o Presidente. Não por causa dos seus aviões que provocaram 33 mortos no Afeganistão, mas por causa dos aviões russos que atacaram o Estado Islâmico na Síria e provocaram "7 vítimas civis" (isso segundo a ONG Ondus, note-se...).
Sete civis mortos? Oh meus Deus, mas este é um massacre! Agora entendo o ar grave de Obama: não é possível que civis inocentes paguem o preço da guerra, não podemos permitir isso, não é humano. Porque os civis mortos pelos aviões russos (segundo a ONG Ondus...) eram mais civis do que os 33 assassinados no Afeganistão. E percebe-lo é simples: a maioria dos 33 afegãos encontrava-se num hospital, o que indica que já tão bem não estavam, provavelmente teriam morrido no prazo de poucos dias ou até horas.
Se bem reflectirmos, o raid americano tem sido um golpe de misericórdia: as únicas verdadeiras vítimas foram os 3 médicos. Que, doutro lado, poderiam ter prestado um pouco mais atenção, pois não é a primeira vez que os aviões da USAF erram os alvos: não ficamos muito longe da realidade ao afirmar que os 3 médicos quase escolheram suicidar-se.
Obama sério

Obama:
O problema é Assad e a sua brutalidade contra o povo. O problema Assad deve acabar. Irão e Rússia são as razões pelas quais Assad ainda está no poder. Putin foi para a Síria porque o seu amigo Assad é fraco. Não foi suficiente enviar mais dinheiro, teve que enviar homens. Apenas o Irão e a Rússia estão com Assad. Todo o resto do mundo está connosco.
Segundo Obama, os ataques russos são "um desastre" e estão a "fortalecer o ISIS".
Curioso. Também os EUA bombardeiam o ISIS. Umas bombas fortalecem enquanto outras derrotam. As coisas que aprendemos. Mas há uma explicação. É o fantoche francês, Francois Hollande, encarregue de iluminar as nossas mentes:
Os ataques, independentemente de quem os executa, têm que ser direccionados contra Daesh e nenhum outro grupo.
Daesh é o ISIS. Portanto: raids da Rússia sim, mas apenas contra objectivos que o Ocidente desejar. Outros não, não ficam bem, tornam Obama sério. E nós não gostamos dum Obama sério.
Porque Obama fica sério? Porque os Russos encontraram em 24 horas as bases dos "rebeldes moderados" que Washington não encontrou em 3 anos. Porque os Russos atacaram a cidade de Talbisah, nas mãos de Jahbat al-Nusra, filial síria de Al-Qaeda. Porque os Russos atacaram a cidade de Rastan, perto de Homs, onde segundo Washington não havia nem "rebeldes moderados" nem ISIS mas onde, há nove dias, o mesmo ISIS matou sete homens acusados de ser homossexuais.
Tudo isso irrita Obama: contradiz a propaganda ocidental, põe em risco o apoio aos "rebeldes moderados", torna menos poderoso o papel da Al-Qaeda. Três anos para destruir um País, para substituir um legítimo governo dum País soberano, financiar grupos de terroristas (os tais "rebeldes moderados"), até tiveram que inventar-se num novo Estado, o Islâmico: e agora tudo isso arrisca tornar-se inútil? Admitimos: é chato. Sobretudo porque bloqueia eventuais planos na Síria.
Com os "rebeldes moderados" e Al-Qaeda atacados pela coligação russo-síria, é provável que o governo do País inicie a reconquista das áreas perdidas. O que pode fazer o Ocidente? Entregar misseis anti-avião aos "rebeldes moderados"? E como justificar o aparecimento destes novos armamentos? Que depois poderiam bem acabar nas mãos do ISIS e serem utilizados na frente iraquiana, contra os aviões dos Estados Unidos. Dificilmente o simpático Obama fará isso.
Mas alguém pode fazê-lo: Adel al-Jubeir, ministro das Relações Exteriores da Arábia Saudita, disse na passada Terça-feira que em nenhuma circunstância o seu País vai aceitar os esforços dos russos para manter Assad no poder. E deu a entender que sem uma solução política que leve à sua deposição, o envio de armas e de outro tipo de apoio aos grupos rebeldes sírios será aumentado.
Merkel intoxicada e o silêncio
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O bombardeio russo |
candidata):
A acção militar sozinha não vai permitir resolver a questão síria.Curiosa afirmação.
Curiosa porque feita após os raids russos. Enquanto for o Ocidente a armar os "rebeldes" sírios, tudo bem. Quando for a Rússia a intervir, "não resolve". Mas a simpática Angela está desculpada: devem ser os efeitos dos fumos da Volkswagen.
Curioso também o silêncio ocidental sobre o que se passa em outras localidades do planeta, onde há guerras, mortos, direitos violados. Nada, todos os olhos concentrados na Síria, para abrir as asas à indignação.
Do Yemen? Dos bombardeios, duma guerra civil atrás da qual está a avançada sunita da Arábia Saudita, dos milhares de mortos? Nem uma palavra.
Do Burkina Faso? Do golpe conservador para travar as reivindicações dos 18 milhões de habitantes daquele que é ao mesmo tempo um dos maiores produtores mundiais de petróleo e um dos Países mais pobres do planeta? Nem uma palavra.
Aqui não há espaço para indignação, há só o silêncio absoluto.
Portanto: tudo normal.
Descartáveis
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O hospital de Kunduz hoje |
Ou "normal" também?
O facto é que Kabul e Washington conheciam há meses as coordenadas do hospital e o bombardeio tem continuado mesmo 30 minutos após a primeira sinalização do engano. O coronel Brian Tribus afirmou:
As forças americanas têm realizado um ataque aéreo na cidade de Kunduz às 2:15 (hora local) contra indivíduos que ameaçavam as forças. O ataque pode ter causado danos colaterais a um centro médico nas proximidades.
Ipse dixit.
Fontes: Il Corriere della Sera, Moon of Alabama, La Repubblica, ISW, Fair