- A União Europeia esta semana irá decidir se renovar a licença para o uso do produto ao longo dos próximos anos.
- Em Portugal a situação é grave e no Brasil não é melhor.
Saúde: uma questão de probabilidades
Escusado será dizer que o glifosato foi inventado pela Monsanto, nos anos '70. É um herbicida, muito utilizado em praticamente todas as culturas de soja ("Bebo leite de soja porque contém aminoácidos, cálcio, vitaminas e glifosato"). De acordo com a IARC (Agência Internacional de Investigação do Cancro), o glifosato pode ser encontrado em pelo menos 750 produtos destinados ao consumo humano e há no mínimo três estudos que confirmam o seu perigo para a saúde.
Segundo a IARC, o glifosato é "provavelmente cancerígeno". Pelo contrário, de acordo com a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA) é "provavelmente não cancerígeno". Portanto, é uma questão de probabilidade: podemos morrer mas também não. Que, por acaso, era quanto dito do famigerado DDT. E se mesmo decidirmos teimosamente não morrer, há sempre uma boa probabilidade de ficar com uma doença celíaca, como pensam no MIT.
Esperando que o glifosato faça os seus efeitos, é bom lembrar que esta substância pode ser encontrada em alimentos comuns: em quatorze tipos diferentes de cervejas alemãs (marcas Beck's, Paulaner, Warsteiner, Krombacher, Oettinger, Bitburger, Veltins, Hasseroeder, Radeberger, Augustiner, Franziskaner, Konig Pilsener e Jever), na couve-flor, nas lentilhas, no alho francês, nos figos, nas toranjas, nas batatas, no trigo e na aveia. Evita-lo não é simples: pensem no trigo e em todos os produtos derivados, por exemplo.
Como afirmado, a UE tem que decidir se a licença para o uso de glifosato (licença que expirou em 2015) pode ser renovada por mais 15 anos. E vai fazê-lo até o final da semana. Em teoria todos estão em favor da renovação (excepto os Suecos). Mas por qual razão são favoráveis perante um produto que é suspeito de ser cancerígeno? As opiniões positivas estão baseadas num estudo que afirma como o glifosato não seja cancerígeno, um relatório produzido pela Glyphosate Task Force. Um painel de especialistas, portanto.
Podemos nós desconfiar dos especialistas? Sim, podemos, porque o semanal alemão Die Zeit foi espreitar e descobriu que a tal Task Force é na realidade um grupo no qual colaboram os produtores do pesticida. Para ser ainda mais claros: é o grupo de empresas que produzem o glifosato que pediram para continuar a vender a dita substância na União Europeia.
Portugal: Gondomar e a Feira do Glifosato
E a propósito: qual a situação num dos vários Países da UE? Um País escolhido aleatoriamente: Portugal.
O Bloco de Esquerda questionou todas as autarquias do País sobre o uso do herbicida. Até o passado dia 17 de Fevereiro, das 91 Câmaras Municipais que já tinham respondido, apenas 16 afirmaram não utilizar o glifosato (cujo nome comercial mais conhecido é, como já lembrado, o RoundUp). Ou seja, a esmagadora maioria das autarquias (82%) continuam a utilizar o composto nos espaços públicos, apesar dos riscos para a saúde pública.
Gondomar, com 4.000 L, Matosinhos (2.800 L), Évora (2.500 L), Ferreira do Zêzere (2.420 L), Portimão (1.800 L), Elvas e Cuba (1.000 L) são as autarquias que usam mais pesticida à base de glifosato, em quantidades bastante superiores à generalidade das autarquias.
Isso apesar da já citada IARC ter estabelecido uma relação entre a exposição ao herbicida e o Linfoma Não-Hodgkin, uma doença do sangue que é dos cancros que mais se regista em Portugal (cerca de 1.700 novos casos por ano), País em que a utilização de glifosato duplicou nos últimos 10 anos. O mesmo Bloco de Esquerda tinha apresentado, em 2015, um projecto de resolução no sentido de proibir o uso do glifosato, mas a proposta foi recusada com os votos contrários do PSD (Partido Social Democrata), CDS-PP e a abstenção do PS (Partido Socialista) e PCP (Partido Comunista Português). Um "obrigado!" e um beijinho para todos.
Brasil: o glifosato? Como um café
E no Brasil? O País é o maior importador de agrotóxicos do planeta e consome pelo menos 14 tipos de venenos proibidos no mundo, dos quais quatro (pelos riscos à saúde humana) foram banidos no ano passado. Todavia, os pesquisadores suspeitam que ainda estejam em uso na agricultura.
Um estudo, coordenado pelo médico professor da UFMT Wanderlei Pignati, ainda constatou que os agrotóxicos aparecem em todas as 62 amostras do leite materno de mães que pariram entre 2007 e 2010, onde se destaca (além do Endosulfan, da Deltametrina, do DDE - versão modificada do potente DDT -, do Paraquat e do Metamidofóis) o glifosato, presente em 70 das 79 amostras de sangue e urina recolhidas nas áreas rurais.
E a Monsanto, o que diz? Os representantes da empresa participaram numa audiência pública na Comissão de Agricultura da Assembleia Legislativa de Pernambuco (ALEP), em Recife (PE), no Agosto do ano passado. Andrea Aragon, gerente de assuntos corporativos da empresa norte-americana, disse que o “glifosato é igual ao cafezinho” e que “o sal de cozinha pode matar mais rápido que o glifosato”.
Calamos um piedoso véu...
Ipse dixit.
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Fontes: IARC Monographs Volume 112: evaluation of five organophosphate insecticides and herbicides (ficheiro Pdf, inglês), EFSA, Anthony Samsel and Stephanie Seneff: Glyphosate, pathways to modern diseases II: Celiac sprue and gluten intolerance, Zeit Online, Terra, Portugal Mundial, Brasil De Fato, Notícias ao Minuto, Esquerda.net