O titulo é Rise and Kill First, o autor é Ronen Bergman, jornalista investigativo israelita, não uma figura de segundo plano: aparece diariamente em programas televisivos de israel, escreve no mais lido jornal hebraico (Yedioth Ahronoth), é hospede fixo de Al Jazeera, é entrevistado pelo The New York Times, Wall Street Journal, Foreign Affairs, Newsweek, The Times, The Guardian, Frankfurter Allgemeine Zeitung, Sueddeutsche Zeitung bem como por órgãos de informação árabes e persas. Isso é importante, porque o livro de Bergman não é de todo um livro simpático em relação ao governo de Tel Avive.
Seria possível perguntar como é que um jornalista mainstream israelita possa publicar um livro tão "escandaloso" como o presente sem antes ter perdido o juízo. Explicações não faltam (e leitura do artigo de Zero Hedge bem pode sugerir qual a razão), mas a resposta poderia levar muito longe: aquilo que interessa aqui é o conteúdo de Rise and Kill First.
Portanto, eis o artigo de Zero Hedge traduzido:
Durante anos, muitos - prontamente rotulados como conspiradores - especularam que, quando se trata de atingir alvos ilegais com, entre outros, a criação de false flags e assassinatos políticos, poucos são capazes e activos como a CIA e o Mossad. O segundo acima de tudo.
Mas, como costuma acontecer, a maioria (se não todas) dessas "teorias de conspiração" são verdadeiras. Neste caso veio à superfície graças ao trabalho de Ronen Bergman, jornalista de investigação israelita. O seu recém-publicado livro, Rise and Kill First: The Secret History of Targeted Murders of Israel, detalha alguns desses planos israelitas, como o assassinato do líder palestiniano Yasser Arafat, que incluiu um enredo para explodir aviões de passageiros e estádios de futebol.
Ronen Bergman, correspondente de intelligence para o jornal Yediot Aharonot, convenceu muitos agentes do Mossad, Shin Bet e do exército a contar as suas histórias, e alguns deles até usaram os seus próprios nomes reais.
O resultado é o primeiro olhar completo sobre o uso dos assassinatos pelo Estado de israel.
Um trecho do livro, publicado no New York Times, explica que quando o ex-primeiro-ministro israelita Ariel Sharon era ministro da Defesa, ordenou ao exército que abatessem um avião de passageiros com centenas de inocentes em que Arafat, na altura Presidente da Organização de Libertação da Palestina, era transportado. No final, o plano foi cancelado, mas foi apenas um dos muitos planos para assassinar o líder palestiniano.
Bergman falou com centenas de funcionários da intelligence e da Defesa e estudou documentos classificados, o que revelou uma "história escondida, surpreendente mesmo no contexto da reputação já feroz de israel".
"Descobri que, desde a Segunda Guerra Mundial, israel usou os assassinatos mais do que qualquer outro país ocidental, em muitos casos também colocando em perigo a vida de civis", escreve Bergman com frieza, desencadeando uma nova série de teorias de conspiração, muitas das quais certamente serão provadas.
Numa outra tentativa de assassinato, em Outubro de 1982, o Mossad visou um avião que transportava 30 crianças feridas, vítimas do massacre de Sabra e Shatila num campo de refugiados palestinianos no Líbano.
De acordo com o livro, o Tsomet, a unidade do Mossad que recruta recursos no exterior, tinha a informação de que Arafat apanharia um avião de Atenas para o Cairo. Caesarea, a unidade dedicada aos assassinatos, enviou dois agentes para esperar no aeroporto de Atenas. Também foram alertados caças F-15. Eventualmente, o Mossad percebeu que o homem não era Arafat, mas o seu irmão que estava a transportar as crianças palestinianas feridas até o Cairo para os tratamentos.
Como Bergman explica, primeiro ouviu falar desse plano em 2011, mas a sua fonte fê-lo prometer esperar até que uma segunda pessoa tivesse dado um passo à frente com a história.
Num outro caso relatado no livro, os caças cercaram um voo comercial da Jordânia para a Tunísia, enquanto noutro incidente interromperam as comunicações de um Boeing 707. A propensão do Mossad é cobrir um único assassinato matando dezenas de vítimas inocentes. Mas há uma revelação ainda mais bizarra.
Ronen Bergman
Bergman escreve sobre uma tentativa de assassinato inspirada no filme The Manchurian Candidate [em Portugal O Enviado da Manchúria, no Brasil Sob o Domínio do Mal, NdT]; alegadamente, os israelitas tentaram transformar um prisioneiro palestiniano num assassino treinado. O único problema é que a coisa virou-se contra eles quando, cinco horas depois de ser liberado, o prisioneiro foi à polícia e contou tudo.
Depois, o simples assassinato em massa: outro plano era eliminar todas as lideranças do OLP colocando bombas dentro dum estádio em Beirute, onde o grupo estava planear comemorar o aniversário da sua primeira operação contra israel. De acordo com o livro, os israelitas colocaram também carros cheios de explosivos fora do estádio, destinados a detonar alguns minutos após a primeira explosão, para abater os sobreviventes enquanto tentavam fugir.
A operação foi cancelada no último minuto, depois que um grupo de oficiais e o ministro da defesa exigiram o aborto. "Você não pode explodir um estádio inteiro", lembra de ter dito um oficial ao então primeiro-ministro, Menahem Begin, "O mundo inteiro ficará contra nós".
Enquanto isso, a vingança de israel contra Arafat prosseguia e em 1982 Sharon criou uma força especial chamada Salt Fish para eliminá-lo. Foram nomeados especialistas em operações especiais: Meir Dagan, que mais tarde se tornou chefe do Mossad, e Rafi Eitan, assessor do ministro da Defesa em matéria de contra-terrorismo. O grupo ainda pensou em matar uns jornalistas israelitas que estavam prestes a entrevistar Arafat no Líbano, convencido de que teria valido a pena prosseguir numa operação como esta. Mas o Mossad perdeu o grupo durante a reunião.
"A sensação era que houvesse algo de pessoal para Sharon" disse o general David Ivry, então comandante da força aérea, a Bergmen. E é possível entender o porquê. Apesar dos melhores esforços, Arafat continuava a escapar das implacáveis tentativas de assassinato do Mossad, não por habilidade, mas por destino. Uni Dayan, comandante da operação, disse a Bergman que Arafat foi salvo por dois motivos: "A sua incrível sorte e eu".
Explicou que não queria que os civis fossem mortos no assassinato, chocando com Eitan sobre o assunto, furioso com as oportunidades perdidas. Dayan até escondeu algumas notícias para evitar vítimas civis. Eitan costumava lembrar a Dayan de que este não tinha a autoridade para decidir se lançar uma bomba ou não. Mas Dayan, no entanto, encontrava maneiras de intervir no processo de tomada de decisão. "Tudo o que eu tinha que fazer era relatar quando o alvo estava pronto do ponto de vista da intelligence. Então, a partir desse momento, sempre que sabíamos que o bombardeio teria incluído muitas vítimas civis, informávamos de que o alvo não estava pronto".
Com base em 1.000 entrevistas e milhares de documentos e mais de 600 páginas, o livro faz perceber como israel tenha escolhido o caminho dos assassinatos e não da guerra: melhor matar meia dúzia de cientistas nucleares iranianos, por exemplo, em vez de lançar um ataque militar. Também sugere fortemente que israel matou Arafat por intoxicação de radiação, um acto que os seus funcionários negaram consistentemente.
Mas não apenas Arafat. Pastas de dentes envenenadas que levam um mês para matar o alvo. Drones armados. Telefones celulares que explodem. Pneus sobressalentes com bombas controladas remotamente. Assassinar cientistas inimigos e descobrir as amantes secretas dos líderes espirituais islâmicos: estas são as técnicas utilizadas por israel para executar pelo menos 2.700 assassinatos nos seus 70 anos de existência. Embora muitos não tenham chegado ao "bom" fim, a soma está bem acima da de qualquer outro país ocidental, diz o livro.
Bergman, autor de vários livros, também diz que os serviços israelitas tentaram interferir no seu trabalho, tendo uma reunião em 2010 sobre como travar as suas pesquisas e exortando os ex-funcionários do Mossad a não falar com ele [e agora falam com tanto de nomes e apelidos... NdT]. Também afirma que Bush adoptou muitas técnicas israelitas depois de 11 de Setembro e que Obama activou várias centenas de assassinatos específicos.
Bergman levanta preocupações morais e legais causadas pelos assassinatos de estado, incluindo a existência de diferentes sistemas legais para agentes secretos e o resto de israel. Mas afirma que as operações, na maioria dos casos, alcançaram os seus objetivos. Muitos dizem que a barreira construída ao longo e no interior da Cisjordânia travou os assaltos contra os cidadãos israelitas desde o início dos anos 2000: Bergman argumenta que o que fez a diferença foi "um grande número de assassinatos".
Uma das fontes mais importantes de Bergman foi Meir Dagan, chefe do Mossad por oito anos, que morreu no início de 2016. No final da sua carreira, Dagan litigou com Netanyahu em ocasião do lançamento dum ataque militar contra o Irão. Netanyahu disse que as técnicas de intelligence, como vender partes defeituosas para os reactores nucleares (coisa que israel e os Estados Unidos já estavam a fazer), não eram suficientes.
Bergman até hoje escreveu quase uma dezena de livros, abordando assuntos interessantes quais: a venda ao Irão por parte dum israelita de productos e tecnologias químicas, o caso do "Agente Babilónia" (o espião israelita que era ajudante do Presidente egipcio Sadat), as experiências médicas conduzidas com soldados israelitas por parte de Tel Avive e Washington, vários casos de corrupção institucional em israel.
O quê? Se há livros de Bergman traduzidos em português? Estão a gozar comigo, não é?
Ipse dixit.
Fontes: Zero Hedge