Afinal quem são os Talibans? Qual a origem deles? Em que diferem dos restantes Muçulmanos?
Começamos pela origem.
Os Talibans (também escrito Taleban, Talibã ou Talebã) nascem como movimento de resistência do Afeganistão no período da invasão soviética (1979-1989); mais tarde, com a retirada dos Russos, abriu-se uma altura de transição e de luta entre as várias etnias e grupos políticos/religiosos do País, no final da qual emergiram os Talibans.
Todavia, foi só a partir de Outono de 1994 que o movimento conseguiu aquele salto de qualidade que permitiu a tomada definitiva do poder: a Arábia Saudita há muito desejava que naquela área da Ásia Central prevalecesse uma visão radical do Islão sunita (para contrastar a vertente xiita do Irão), por isso não poupou nos financiamentos e em breve os Talebans tiveram os meios para implementar a aplicação estrita da Sharia (a lei islâmica), eliminando qualquer resistência internara.
Não deixa de ser irónico, portanto, que o actual inimigo do Ocidente tenha sido financiado por aquele que é o melhor aliado islâmico do mesmo Ocidente (doutro lado, ao invadir o Iraque, os soldados de Washington tiveram que lutar contra um exército que tinha sido equipado poucos anos antes pelos Estados Unidos...).
Iniciado na província de Herat, na fronteira com o Irão, em 1996 o movimento conseguiu derrubar o regime do presidente Burhanuddin Rabbani, colocando as mãos sobre a capital Kabul. Em 1998, chegou a controlar quase 90% de todo o Afeganistão.
Naqueles anos, a atitude do vizinho Paquistão era ambígua: não há dúvidas, por exemplo, que muitos afegãos hoje Talibans juntaram-se ao movimento após terem sido instruídos nas madrassas (escolas) paquistanesas. E sempre o Paquistão foi um dos três Países (com Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos) que reconheceram o governo dos Talibans entre o final da década de '90 e o ano de 2001.
Tudo muda após o 11 de Setembro de 2001 e a consequente invasão do Afeganistão por parte das tropas conduzidas pelos EUA. Mas, apesar do governo ter caído ainda em Dezembro do mesmo ano, a resistência dos Talibans nunca foi derrotada e a ainda hoje ameaça o regresso à normalidade do País.
A Sharia
Mas o que é a Sharia?
A Sharia pode ser traduzida com o termo de "lei", mas isso ajuda até um certo ponto. A verdadeira Sharia, na doutrina islâmica, é a Lei de Deus e, como tal, não é conhecida pelos homens (só por Allah).
A Sharia pragmática, aquela aplicada pelas comunidades, é a tentativa de identificar a tal Lei e de torna-la num conjunto de normas comportamentais. Na tentativa de identificar a Lei podem ser usados: o Alcorão, a Sunna (histórias acerca da vida do Profeta Maomé), a Ijmāʿ (o parecer dos sábios) e a Qiyās (a interpretação giuridica).
O problema (também causa de divisões entre os mesmos Muçulmanos) é que nem todos reconhecem estes quatros elementos: os Talibans, por exemplo, admitem apenas os primeiros dois, o Alcorão e o Sunna, rejeitando os outros. Mas enquanto existe só um único Alcorão, há várias Sunnas: esta é uma das razões pelas quais é impossível identificar de forma unívoca a verdadeira Sharia (é por isso que os outros Muçulmanos consultam os sábios e a interpretação jurídica).
Os Talibans escolheram aplicar uma Sharia que junta uma interpretação literal do Alcorão, da Sunna da corrente indiana dos Deoband e o código religioso e de honra pré-islâmico das tradições pashtun, um grupo étnico do Afeganistão e Paquistão.
Na verdade, portanto, afirmar que os Talibans aplicam a Sharia é errado: mais correcto seria dizer que aplicam uma variante personalizada da Sharia.
Apenas como exemplo, na Sharia original (a mais amplamente reconhecida) a pena de morte é permitida apenas em quatro casos:
- assassinato injusto dum muçulmano
- adultério
- grave ofensa contra Allah
- rixa (entendida como movimento que perturba a ordem pública)
O burqa |
Nascido como pashtun, Omar sempre foi hostil a adaptar os seus hábitos à ideia mais modernas, rejeitou qualquer tentativa de interpretação religiosa que não fosse enquadrada na tradição espiritual e cultural mais conservadora do pensamento pashtun e islâmico, adoptando uma atitude repressiva em relação aos adversários.
A tomada de posse dos Talibans no Afeganistão foi feita à custa das outras etnias muçulmanas: os Hazaras, os Tajiques, os Uzbeques foram eliminados da função pública, substituídos por elementos pashtun (com péssimos resultados: muitos pashtun não tinham formação adequada e em algumas partes do País o idioma pashtun nem era conhecido). Os Pashtun chegaram a declarar os Hazaras como "não Muçulmanos", apesar destes serem xiitas; mas é verdade que os Talibans detestam o Islamismo xiita, considerando-o demasiado "liberal".
Ficam assim explicadas as absurdas normas que é possível encontrar na Sharia dos Talibans:
as execuções públicas baseadas em culpas de vários tipos, a obrigação para os homens de deixar crescer a barba, as mulheres que devem vestir a burqa, a proibição para todos de ver a televisão (e isso até nem seria tão mal...), de ouvir música (isso sim é grave!) e para as meninas com mais de dez anos de frequentar a escola.
A visão da sociedade Taliban é aterradora. De acordo com um decreto emitido em Dezembro de 1996 e que realçou explicitamente o preceito segundo o qual era necessário "mandar o bem e punir o mal", começou a recorrer-se à amputação de uma ou ambas as mãos para o crime de roubo e apedrejamento nos casos de adúlteros. Foram proibidas todas as formas de televisão, cinema, música e dança, também em ocasião dos casamentos tradicionais.
Era ilegal usar barbas muito curta ou, ainda pior, não ter barba de todo, enquanto foi severamente punido o corte de cabelo à moda "ocidental".
O jogo foi equiparado à bruxaria e foi severamente punidos o facto de não orar durante o ṣalāt, a oração obrigatória; foi também estabelecida uma polícia religiosa.
As críticas
O Mullah Omar |
Mas também no mundo muçulmano os Talibans não gozam de grande apoio e as razões são várias.
Além do anacrónico rigor aplicado contra aqueles que desobedecem às regras impostas, a maioria das tais regras não têm bases no Alcorão ou na Sharia clássica.
O papel do Mullah Omar é posto em causa pois ele carece da aprendizagem académica necessária e não tem conexões com a família do Profeta.
Outro erro de Omar foi ter declarado a jihad contra os outros afegãos, que são Muçulmanos também: além de ser absurda uma jihad contra outros seguidores de Allah, também não pode ser esquecido que no Alcorão a jihad não tem apenas um carácter militar ou étnico e um fundamentalista Taliban deveria saber isso.
Mas esta não é a única contradição. Se é verdade que os Talibans proibiram o cultivo do ópio (em Julho de 2000), é também verdade que antes desta data cobravam um imposto de 20% sobre o produto, enquanto a taxa tradicional era limitada a 2,5%.
Ipse dixit.
Fontes: Lookout, Wikipedia (várias páginas da versão inglesa), BBC Asia, The Boston Globe, Europa Quotidiano, Islam Forum: Chi sono i Talebani?