Começa hoje em Italia a recolha de assinaturas para que seja realizado o referendo para sair do Euro. É organizado pelo Movimento 5 Stelle numa altura delicada: as últimas sondagens evidenciam como a maioria absoluta dos Italianos estão fartos da moeda única.
Haverá assim um referendo para que os cidadãos possam escolher se ficar ou não na Zona NEuro?
A resposta é negativa: não acredito que haverá este referendo, a classe política não está minimamente intencionada a concede-lo, mesmo com a apresentação do número de assinaturas requeridas (500 mil que, acho, serão recolhidas sem muitos problemas) haverá "algo" que impedirá a consulta popular. Provavelmente será o Tribunal Constitucional a chumbar a iniciativa, agarrado a uma migalha burocrática qualquer.
Mas não é isso que importa agora. O que conta é que estamos perante da primeira iniciativa de voto popular contra o Euro organizada por um movimento parlamentar (inclusivamente, o segundo partido em Italia).
Isso obrigará a que haja uma série de debates, com a atenção também dos órgãos de informação europeus (a propósito: será interessante observar o grau de atenção dos media portugueses também), mostrar aos cidadãos que falar de saída do Euro é viável e não apenas um disparate desprovido de qualquer fundamento político-económico, e constituirá um sinal forte para Bruxelas: a Zona NEuro entrou numa fase de declínio que parece ser irreversível, com vozes cada vez mais fortes acerca de "fugas" e agora até de referendos.
A seguir, a síntese do manifesto de apoio criado pelo Movimento 5 Stelle: o material está obviamente baseado na situação italiana, mas os Leitores de Portugal não fadigarão a reconhecer os mesmos males que é possível encontrar no País deles. Os problemas criados pela alucinada gestão da moeda única atravessam hoje todos os Estados que adoptaram o Euro e que seguiram as indicações do Banco Central Europeu/Fundo Monetário Internacional/Banco Mundial.
O referendo
A soberania monetária
Nel 2015 a Italia vai pagar 98 mil milhões em juros sobre a dívida pública, quando Monti [ex Primeiro Ministro, NDT] foi imposto à Italia porque tínhamos interesses demasiado elevados pagávamos 78 mil milhões. Retomamos a soberania monetária para imprimir uma moeda associada ao valor da nossa economia e evitar ser estrangulados pelos interesses dos bancos privados.
Mais trabalho
Com o Euro chegamos ao recorde histórico de 3.41 milhões de desempregados, Eram menos 1.000.000 em 1997. As empresas são forçadas a despedir, oprimidas pelos parâmetros de tributação anormais definidos para permanecer no Euro. Fora do Euro para libertar as empresas e criar mais trabalho!
Mais investimentos
O governo não pode imprimir a sua própria moeda para financiar o investimento produtivo.
Nenhuma política industrial porque cada Euro gasto deve ser pago com juros, controlados por bancos privados. Fora do Euro para investir no futuro da Itália.
Mais estado social
Para permanecer no Euro à Italia são impostos cortes lineares e selvagens sobre saúde, bem-estar e escola. Fora do euro para preservar o estado de bem-estar.
Desenvolvimento das nossas empresas
Com o Euro produção industrial italiana caiu em 25%. No mesmo período a produção industrial
da Alemanha aumentou 26%. A cada hora em Italia duas empresas entram em falência. Paramos a hemorragia. Fora do Euro para desenvolver os nossos negócios.
Protecção do Made in Italy
O Euro tem tornado a Italia terra de conquista. Os grupos estrangeiros gastaram cerca de 55 biliões de Euros para comprar as mais famosas marcas italianas. Um massacre de empresas líderes da economia ao colapso. Fora do Euro para salvar as empresas italiana e recuperar a nossa identidade.
Retoma económica
Com o Euro a Italia está em recessão há anos, o PIB encontra-se aos níveis de 2000.
Sair do Euro vai permitir que as empresas italianas sejam mais competitivas nas exportações e a criação de novos empregos e riqueza para o País.
Fora do Euro para não morrer, fora do Euro para viver.
Faq's
O que teria acontecido se não tivéssemos entrado no SME ]Sistema Monetário Europeu, ndt]?
Os países que fazem parte da União Europeia e não adoptaram o Euro cresceram mais. Não entrando no SME e então no Euro teríamos crescido mais. A prova disso é o facto de que os melhores anos de crescimento nos últimos 20 anos ocorreram após a saída temporária do SME em 1992, quando a Lira foi desvalorizada
Porque calcular o decrescimento desde 1997 e não desde 2002, quando começou o Euro?
Porque em 1997 a taxa de câmbio já encontrava-se fixa e só em 2002 entrou em circulação a moeda única
O principal problema para as empresas é a carga tributária não o Euro.
Euro e tributação estão intimamente relacionados. Com o Euro, o Estado não pode imprimir dinheiro e, em seguida, só pode agir de duas maneiras:
- mais impostos: diminuir a competitividade com as empresas europeias e internacionais. Empresas que entram em falência, fecham, colapso do PIB
- mais dívida pública: assim, aumenta-se a dívida e as taxas de juros em detrimento dos investimentos
Não seria melhor mudar as regras dos tratados europeus em vez que deixar o Euro?
O pedido de renegociação dos tratados é parte do nosso programa para o Parlamento Europeu. A resposta do Parlamento Europeu foi ignorar toda as nossas propostas e nem sequer conceder os cargos nas comissões (e nas vice-presidências) a que teríamos direito como grupo, criando um precedente perigoso para a natureza democrática do próprio Parlamento, que, na verdade, torna-se assim um super-governo Europeu entre Esquerda e Direita excluindo as outras vozes. Se de Fiscal Compact e Eurobonds [dois assuntos praticamente desconhecidos em Portugal, ndt] não se pode falar, o que é preciso é ter de volta a nossa soberania monetária
Se teremos que pedir a outros para financia-nos o problema permanecerá.
A Itália tem um superavit primário positivo de modo que o único motivo para pedir para ser financiados é para pagar os juros da dívida existente, que seria redenominada na nova moeda e, portanto, os créditos dos países estrangeiros seriam desvalorizados em cerca de 30% no período de um ano. O spread seria mantido sob controle por ter o Banco da Itália como emprestador de última instância, o que compensaria as taxas [de juros, ndt]. Além disso, a Itália que voltar a crescer com a sua soberania monetária não teria problemas no mercado para financiar a dívida, porque o que impulsiona os retornos dos títulos do governo é antes de tudo a sustentabilidade da dívida
A desvalorização da moeda é como uma taxa patrimonial de 20%.
O euro desvalorizou-se 10% em relação ao dólar durante o Verão de 2014, mas ninguém viu os seus activos reduzidos ou a capacidade de despesa limitada. Isso porque, se a moeda que é utilizada onde vivemos, o seu valor em relação as outras moedas não é importante para as despesas correntes. O único caso de semelhança entre a soberania monetária e taxa patrimonial seria se o regresso à Lira tivesse forte impacto sobre a inflação, que corrói o poder de compra. Este não será o caso, porque na Itália hoje sofremos do problema oposto, a deflação. Um pouco de inflação só pode ser positiva para a sustentabilidade da nossa dívida publica.
O spread subiria de repente e os juros da dívida aumentariam em muito.
Com o Banco da Itália credor de última instância as taxas [de juros, ndt] seriam compensados pelo Banco que poderia decidir em qualquer momento para comprar a dívida, se os juros subirem acima de um determinado montante [é o que acontecia antes do Euro e continua a acontecer nos Países que não adoptaram a moeda única, ndt].
A saída do euro corresponde a uma bancarrota [default, ndt].
Bancarrota significa não respeitar os compromissos com a dívida. 94% da nossa dívida está sob o direito italiano e, portanto, seria redefinida na nova moeda nacional.
A saída do euro através de referendo é muito demorada, é preciso fazê-la de outra maneira ou não fazê-la de todo.
Se um problema exige uma solução é muito melhor que começar o mais cedo possível. Outras formas de saída só podem ser adoptadas pelo Governo.
Com as percentagens do Movimento 5 Stelle nas eleições não será possível ganhar o referendo.
O referendo será votado por todos os Italianos, independentemente do partido político que apoiaram nas última votação final e as últimas pesquisas indicam que hoje a maioria dos Italianos quer sair. Não é por acaso que os representantes de todas as forças políticas estão a expressar-se desta forma, mesmo naquelas formações políticas onde havia mais pessoas pró-euro até o ano passado como o PD [...].
Por que fazer uma lei de iniciativa popular, convocar um referendo quando o Movimento 5 Stelle poderia propor-la directamente no Parlamento?
A iniciativa de lei popular permite dizer ao Parlamento que não é uma única força política que quer o referendo para a saída do Euro, mas os cidadãos italianos que votaram todas as forças políticas. Os representantes das outras forças políticas não poderão ignorar o pedido como se fosse da oposição porque já se hoje as pesquisas dizem que os Italianos que deixariam o euro são a maioria, se adicionarmos também aqueles que não estão convencido, mas consideram que são os cidadãos que têm de escolher através de um referendo, os números não podem ser ignorados por parte de qualquer força política. Além disso, a petição também servirá para sensibilizar as pessoas que não conhecem o problema em profundidade.
Se uma empresa tiver receitas com a nova Lira mas os custos das importações que utiliza produzir aumentarem, a empresa vai ganhar menos.
Quando o câmbio se realinha aos fundamentos de um país, a economia retoma novamente e as empresas retomam, tal como tem acontecido na Itália em 1992. O custo variável da produção mais importante em muitos casos é aquele do trabalho, que normalmente alinha-se com a inflação importada com algum atraso. Se o país desvalorizar 20%, os compradores estrangeiros recebem um desconto de 20% imediatamente e, em seguida, recomeçam a comprar, aumentando o volume dos negócios das empresas. Para a empresa, no entanto, o custo não aumenta imediatamente e não de 20% uma vez que a componente import no custo de vendas é geralmente uma aspecto menor (especialmente em comparação com o custo do trabalho). A desvalorização da moeda (desvalorização externa) tem efeitos uniformes sobre todos os cidadãos (igualmente afectados por qualquer inflação importada) e aumenta a procura estrangeira. A desvalorização dos salários afecta apenas os assalariados e mata a procura interna. É claro que um governo dirigido por bancos prefere a desvalorização interna.
Até aqui os propósitos do Movimento 5 Stelle de Beppe Grillo.
O que conta nesta altura é traçar uma linha: dum lado o Euro, do outro as alternativas, que podem ser complexas, verdade, mas que dificilmente terão resultados tão negativos como aqueles conseguidos pela moeda única num prazo de tempo tão curto (foi obra, de facto).
Não se fala aqui de ficção científica e nem de cenários apocalípticos: fala-se simplesmente de voltar a funcionar tal como sempre funcionaram (e ainda funcionam fora do Euro) todos os Estados. Com algumas vantagens:
- já vimos como não deve nem consegue funcionar uma União Europeia baseada em princípios que de democráticos nada têm;
- já vimos o que acontece com as demagógicas tentativas de abater as políticas dos Estados nacionais (como é que ganha sempre a Alemanha?);
- já vimos como não deve ser gerida a economia continental;
- já vimos o que acontece abdicando da soberania económica nacional;
- já vimos o que acontece com a introdução duma política de austeridade;
- já vimos que, mesmo assim, uma cooperação é viável e que alguns acordos entre os Estados do Velho Continente podem constituir as bases duma futura federação.
Ipse dixit.
Fonte: Fuori dall'Euro