No dia seguinte, eis os diários com títulos na primeira página: a vitória do espírito democrático europeu, a humilhante derrota de Putin, os eternos valores que estão na base do Velho Continente, etc.
Porém aconteceu exactamente o contrário: os eleitores holandeses rejeitaram com ampla maioria a entrada da Ucrânia na União Europeia. E a notícia não foi devidamente realçada. Além da crise dos refugiados, da tensão com a Rússia e do drama ainda não resolvidos acerca da dívida grega, a União tem agora este novo problema: os Holandeses se opõem à admissão da Ucrânia. E isso é altamente simbólico. Estamos perante uma vitória não só do Presidente russo, mas também de todos aqueles que gostariam de ver a UE dissolvida, porque este é um duplo estalo para a UE.
São dois estalos porque este é o testemunho de que a UE é actualmente muito impopular nos Países Baixos, até poucos anos atrás considerados como um dos Estados mais pró-Europa; e porque a participação ao voto foi miserável: 32% dos eleitores, o que quase 70% da população ou não está interessados nesta questão ou pensa que o seu voto não conte. E agora, o movimento holandês de cépticos arrisca ver-se organizado num partido para a saída da União. Mais um.
A questão da Ucrânia na UE é mais importante daquilo que pode parecer. Em Novembro de 2013, foram os protestos "democráticos" e filo-europeistas que iniciaram a revolta que no ano seguinte decretou a fuga do Presidente Janukovyč, politicamente filo-russo, a libertação da ex-Primeiro Ministro Tymošenko (corrompida pela Gazprom), o golpe de Estado modelo CIA e a guerra na Crimeia. Agora tudo embateu contra o "Não" holandês.
Enquanto fontes de Bruxelas admitem estarmos perante um "novo problema", a dupla Merkel-Hollande irá tentar driblar o voto para concluir a anexão de alguma forma. Um novo erro, que terá como resultado reforçar os sentimentos anti-Europa sem enfrentar as questões de fundo que laceram a União.
Num artigo que bem explica as consequências da decisão holandesa, Gilbert Doctorow, coordenador europeu do Comité Americano para o Acordo Leste Oeste, descreve isso como sendo um exemplo interessante da agitação contínua vivida no Velho Continente:
Há sinais crescentes de que está prestes a ruir o consentimento acerca da política externa da UE inspirada por Angela Merkel. Mesmo na Alemanha, os seus detratores estão a tornar-se cada vez mais ousados. No início desta semana, diários alemães apresentaram manchetes sobre o convite feito pelo antigo chanceler Kohl ao primeiro-ministro húngaro Viktor Orban para que este aceite uma visita na próxima semana.
Bruxelas) era algo impensável até alguns meses atrás.
O referendo holandês enviou sinais muito preocupantes para Bruxelas: o "Não" foi conseguido durante a presidência europeia semestral dos Países Baixos, com uma inédita aliança entre extrema Direita e extrema Esquerda e chega pouco antes do outro referendo, aquele no Reino Unido.
Por esta razão em Bruxelas Jean-Claude Junkers, Presidente da Comissão Europeia, dramatizou logo ao falar dum "risco continental". E Nigel Farage, euro-parlamentar líder do UK Independence Party, realçou como a vitória do "Não" envie uma forte mensagem aos eleitores britânicos: "Não estamos sozinhos em dizer que a UE tomou uma direcção fundamentalmente negativa".
Além disso, o resultado holandês mostrou também que o vírus "exit" anti-UE não está limitado aos Países da periferia, sejam eles os mais pobres ou os isolacionistas como os britânicos. A Holanda é um membro fundador da União Europeia, um dos seis originais: um País que deveria estar "naturalmente" a favor do ampliação. E, pela primeira vez, um dos Países fundadores pronunciou-se directamente contra a adesão dum novo membro e contra o poder da Europa. Isso bem mede a enorme distância que existe entre as instituições europeias e os sentimentos dos Europeus.
Ipse dixit.