Este País ocupou as primeiras páginas dos diários ao longo de meses por causa da guerra civil e da "agressão"(?) russa.
O problema? O facto dalgumas áreas do País terem escolhido (com referendo) abandonar o regime de Kiev, a capital ucraniana.
Imensa mobilização mediática ocidental, fornecimento de armas, diplomatas americanos nas ruas para distribuir bolachas, actos heroicos para defender o bem supremo (a Democracia) sob ataque por parte do Mal que vinha do Leste. Que dizer: vinha do ainda mais à Leste, porque já a Ucrânia fica no Leste. Até foi encontrado o tempo para abater um avião civil (o Malaysia Airlines 17) que transitava na zona com 283 passageiros (alguém sabe algo do relatório final?).
Depois, de repente, a Ucrânia desapareceu: hoje já ninguém quer saber do País.
Pouco mal: vamos espreitar quais as condições da zona do Bem, aquela onde a democracia triunfou.
Como está hoje a Ucrânia? Bem, sem dúvida. Há alguns problemas, mas nada que possa atrair os medias ocidentais. Por exemplo:
1. Agricultura.
Naquele que era o "celeiro da Europa" o preço do gasóleo subiu, assim como o dos fertilizantes (hoje custam três vezes mais) e dos herbicidas (ainda mais). Muitas das maiores empresas entraram em bancarrota e também as pequenas sofrem por causa dos aumentos.
Mas além da queda no rendimento dos campos devido à redução dos tratamentos, há mais um par de problemas:
- muitos agricultores utilizam agora ureia em vez dos fertilizante, porque mais barata, e isso causa danos no longo prazo, tornando os campos estéreis. E serão precisos anos para recuperar a productividade.
- o desaparecimento milhões de toneladas de trigo dos armazéns. Isso mesmo, milhões de toneladas de trigo que constituía a reserva guardada para a sêmea do próximo ano.
Em televisão, o óptimo ministro Alvaar Abromavicius (um georgiano fugido do seu País de origem após um mandado de prisão por corrupção) entretém os cidadãos com uma entrevista:
Temos de nos separar dos legados medievais na saúde pública e na educação medieval.O que, traduzido em bom português, significa "privatização". Privatizar saúde e instrução? E qual o problema? Quem tiver dinheiro não terá dificuldades para encontrar assistência ou educar os filhos. Os outros? Bom, não se pode ter tudo, não é? Como já explicava Darwin, é uma questão de selecção.
Enquanto isso, aumentam as vítimas da epidemia de gripe suína, que oficialmente provocou até agora 25 vítimas em todo o País, na realidade parecem ser 12 só em Mriupol, outras oito em Odessa mais cinco soldados da frente do Donbass. Se a matemática ainda tiver algum valor: 25 + 25 = 50.
Mas qual a causa? Segundo o pessoal sanitário, os antivirais não estão disponíveis, bem como os locais de internação dos cuidados intensivos que foram diminuídos após as reformas de Abromavicius (cortes entre 30% e 50% das despesas médicas).
Tanto para ter uma ideia: na farmácia, uma embalagem de antibióticos pode custar até 20 Dólares, o que representa um quinto do salário médio (não "mínimo" mas "médio") nacional.
O governo decidiu também reduzir as vacinações contra as doenças infantis com o resultado de que algumas das crianças vacinadas infectaram outras crianças que não tinham sido tratadas contra a poliomielite. Isso resultou numa forma leve da doença que, mesmo assim, matou duas crianças enquanto outras quatro sofreram problemas crónicos.
3. Gás
O problema do gás está fechado do ponto de vista russo, no sentido que se a Ucrânia não paga não há fornecimento. E nada de carvão ou eletricidade: é a retaliação contra os ataques que têm deixado a Crimeia (agora russa) na total escuridão ao longo de dias.
Enquanto isso, está para acabar também o fluxo de gás russo através da Eslováquia.
História estranha esta: a Eslováquia tinha manifestado a intenção de fornecer o gás da Rússia à Ucrânia, obviamente a um preço bem mais elevado. E os ucranianos tinham aceitado a generosa (por assim dizer) oferta.
O problema é que Kiev não tem um tostão e ninguém concede crédito à empresa energética ucraniana, submergida pelas dívidas. Eis portanto a ajuda das Mentes Pensantes de Bruxelas: o Banco Europeu de Investimento (BEI) concedeu alguns dias atrás 500 milhões de Dólares como empréstimo de emergência para comprar gás. Única condição: que o gás não seja russo (as sanções!). É bom saber que o dinheiro dos contribuintes europeus seja utilizado duma forma tão inteligente.
Todavia, nas últimas horas parece que a situação melhorou porque:
1. a Rússia decidiu fornecer gratuitamente o gás para algumas localidades ucranianas que estavam literalmente a congelar (mas certas notícias não são divulgadas aqui no democrático Ocidente...)
2. no passado dia 15 de Janeiro a Ucrânia duplicou a importação de gás russo via-Eslováquia, sinal que algo pode ter mudado na orientação de Bruxelas.
A boa notícia é que, apesar de não pagar as contas desde o passado Verão, os serviços públicos terão o fornecimento assegurado via-decreto assinado pelo Presidente Porošenko. A notícia um pouco menos boa é que os privados que não conseguem pagar terão as casas penhoradas e leiloadas na próxima Primavera. Pormenores.
4. Energia elétrica
Na província de Kherson muitos cidadãos ainda estão sem luz, situação que iniciou no passado Dezembro quando foram destruídas as linhas que transportavam energia para a Crimeia enquanto no nordeste a Rússia deixou de entregar electricidade (pelos motivos acima citados), tendo começado assim os primeiros apagões.
As usinas de carvão são agora alimentadas com material de baixa qualidade (não há dinheiro...), as reservas estão no mínimo seu mais baixo e em qualquer caso, este tipo de matéria-prima irá arruinar rapidamente as caldeiras.
As centrais nucleares do País, que não veêm manutenção há pelo menos um ano, estão todas a a trabalhar ao máximo. Agora, mesmo com as centrais a carvão e as nucleares na capacidade máxima, o País não consegue satisfazer a procura, tornando o gás a única séria alternativa. Mas, como vimos, as reservas de gás estão no mínimo, os próximos fornecimentos serão problemáticos (tanto para utilizar um eufemismo) e nesta altura o consumo disparou por causa da vaga de frio que repentinamente chegou.
Como é possível observar, nada que possa realmente interessar os media ocidentais.
Ipse dixit.
Fontes: Rischio Calcolato, Russia Insider, Novorussia Today