Para que serve o direito de veto numa investigação que tem como objectivo estabelecer a verdade?
Obviamente, serve para não contar toda a verdade, ocultando alguns dos factos. Podem ser pormenores secundários, que não alteram o sentido das conclusões; mas podem não ser simples pormenores, podem ser até elementos determinantes. Com o veto é impossível sabe-lo.
Pelo que surge espontânea a segunda pergunta: para serve o direito de veto se o objectivo da investigação é estabelecer quem abateu um avião? Fala-se aqui do MH17 da Malaysia Airlines, abatido no céu da Ucrânia no passado Verão e que custou a vida de quase 300 inocentes.
O avião foi derrubado na zona do País controlada pelo rebeldes, pelo que não há aqui "segredos militares" que devem ser protegidos; e é interessante realçar como o direito abrange os quatro Países que compõem o JIT, a equipa de investigação formada por Bélgica, Holanda, Ucrânia e Austrália.
Para já é atípico que na equipa da investigação criminal haja a presença dum arguido (a Ucrânia) e dum lesado (a Holanda): tudo se pode dizer acerca desta equipa mas não que seja imparcial.
Depois há a novidade do direito de veto.
Em meados de Novembro, o Ministério da Justiça dos Países Baixos, em resposta a uma interpelação específica, recusou-se a divulgar o conteúdo do acordo acerca do veto para "preservar a estabilidade das relações internacionais". Resposta "vaga" que nada explica, a não ser o facto de que os quatros Países têm o direito de não revelar parte dos resultados da investigação.
Mas a interpelação continha outras perguntas, cujas relativas respostas vale a pena observar.
As aeronaves "derrubadas"
Nas semanas que antecederam o abate do voo MH17, o governo de Kiev tinha lançados graves acusações contra os "rebeldes" do Donbass, declarando-os culpados de ter derrubado aeronaves militares com a suposta cumplicidade da Rússia em qualidade de fornecedor de armamentos.
Ainda estão disponíveis na internet as notícias de várias agências relacionadas com os seguintes eventos:
- 26 de Abril de 2014, abate dum helicóptero;
- 02 de Maio de 2014, abate de quatro helicópteros;
- 29 de Maio de 2014, abate de um helicóptero;
- 06 de Junho de 2014, abate de um avião de reconhecimento;
- 14 de Junho de 2014, abate de um avião militar que transportava 49 soldados;
- 14 de Julho de 2014, abate de um avião de carga Antonov 26, apenas três dias antes da tragédia do voo MH17.
Apesar destes acontecimentos, a Ucrânia não tinha fechado o espaço aéreo sobre a parte leste do País,
numa omissão que constitui necessariamente uma forma de responsabilidade, ainda que indirecta, da Ucrânia no desastre do MH17.
De facto, umas das perguntas mais recorrentes após a morte dos quase 300 passageiros era esta: por qual razão a Ucrânia não tinha fechado o espaço aéreo numa zona tão perigosa?
Agora temos a resposta. Numa carta datada de 18 de Dezembro de 2014, dirigida ao presidente da Câmara dos Deputados, três ministros holandeses (Ivo Opstelten de Segurança e Justiça, Bert Koenders dos Negócios Estrangeiros e Jeanine Hennis-Plasschaert da Defesa) apresentaram uma actualização acerca da investigação; em particular, citando o caso das aeronaves ucranianas supostamente abatidas pelos rebeldes, afirmam que:
- o número não é seguro;
- em alguns casos, os separatistas reivindicaram a responsabilidade pelo abate, mas os relativos vídeos foram manipulados;
- provavelmente as aeronaves não foram abatidas;
- as causas dos acidentes não são claras, mas é provável poder encontra-las na falta de experiência das tripulações e/ou no mau estado das aeronaves.
Esta notícia não foi divulgada por nenhum órgão de comunicação ocidental, apesar de estar disponível na página oficial da Câmara Baixa holandesa. Mas fica clara a razão pela qual a Ucrânia não tinha fechado o espaço aéreo: não houve abate nenhum conduzido pelos rebeldes.
Pelo que, todas as acusações enviadas pelo governo ucraniano contra os rebeldes do Donbass (e indirectamente contra a Rússia) já não podem ser consideradas "completamente válidas" (isso para não dizer que eram falsas) de acordo com alguns daqueles que conduzem a investigação.
Qual credibilidade ainda podem ter as restantes alegações de Kiev acerca do abate do Boeing malaio?
Pouco importa: como anunciado em Dezembro pelo procurador-chefe holandês Fred Westerbeke numa carta destinada às famílias das vítimas, a investigação vai durar ainda vários meses e não vai ser fácil identificar os responsáveis. E se as coisas não correrem como planeado, há sempre o direito de veto.
Ipse dixit.
Fontes: Interfax-Ucrânia, Unian, Global Research, Tweede Kamer der Staten-Generaal: Vragen gesteld door de leden der Kamer, met de daarop door de regering gegeven antwoorde (ficheiro Pdf, holandês), Tweede Kamer der Staten-Generaal: Brief van de Ministers van veiligheid en justitie, van buitenlandse zaken en van defensie (ficheiro Pdf, holandês)