Durante a última reunião com seu secretariado, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), criticou a Fapesp (Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo), principal órgão de financiamento à ciência no Estado, por priorizar estudos sem utilidade prática.
A informação foi revelada pela coluna Radar On-line, da "Veja". Segundo a revista, Alckmin fez críticas à falta de apoio a estudos para o desenvolvimento da vacina da dengue e também ao incentivo a pesquisas de sociologia.
A Folha confirmou a fala do governador, que disse que a Fapesp vive numa bolha acadêmica desconectada da realidade, financia estudos que muitas vezes não têm nenhuma serventia prática e gasta sem orientação maior. Procurado, o Palácio dos Bandeirantes não quis comentar.
Os dados oficiais sobre o destino dado às verbas da Fapesp em 2015, porém, não corroboram a afirmação de Alckmin de que o órgão privilegia projetos de sociologia ou "projetos acadêmicos sem nenhuma relevância".
Do total de desembolsos (R$ 1,18 bilhão), apenas 10% foram destinados à área de ciências humanas e sociais (excluindo arquitetura e economia, que recebem, somadas, pouco mais de 1% do total). Quase 30% dos gastos do órgão em 2015 foram destinados a pesquisas na área de saúde (veja infográfico).
Embora o governador tenha condenado a suposta falta de apoio da Fapesp ao desenvolvimento da vacina da dengue no Instituto Butantan, a fundação desembolsou cerca de R$ 2 milhões para custear esses estudos entre 2008 e 2011.
Logo depois que a associação entre o vírus zika e o surto de microcefalia em bebês brasileiros foi detectada, o órgão aprovou recursos adicionais da ordem de R$ 500 mil para projetos de virologia já em andamento que pudessem investigar o mistério.
Neste ano, em parceria com a Finep (órgão federal), a Fapesp lançou um edital no valor de R$ 10 milhões para pequenas empresas que busquem desenvolver tecnologias contra o zika e o mosquito Aedes aegypti.
Procurada, a Fapesp preferiu não comentar as críticas feitas por Alckmin.
PESQUISA BÁSICA
"Eu sinceramente espero que essa declaração tenha sido citada fora de contexto, porque ela não é compatível inclusive com a formação acadêmica e com o histórico do governador", disse à Folha a bioquímica Helena Nader, presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), que declarou estar "chocada" com as críticas de Alckmin à Fapesp.
A pesquisadora lembrou que descobertas que estão na base da biotecnologia moderna, como a decifração da estrutura em dupla hélice (ou "escada torcida") do DNA, em 1953, não pareciam ter nenhuma aplicação prática quando foram feitas. "Também lamento muito pela menção negativa à sociologia. Quanto mais estudo, mais compreendo que as ciências humanas são fundamentais", disse Helena.
Para Ana Lúcia Vitale Torkomian, diretora executiva da Agência de Inovação da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), a dicotomia entre pesquisa aplicada (que supostamente "serve para alguma coisa") e pesquisa "puramente acadêmica" é falsa.
"Nenhum país é capaz de sustentar o desenvolvimento tecnológico a longo prazo sem pesquisa básica forte", afirma ela. "Além disso, hoje a distância entre a pesquisa básica e a inovação tecnológica está muito mais curta, as descobertas ganham aplicações com maior velocidade."
Ela cita o fato de que, na UFSCar, as pesquisas em química e física (em tese, puramente "acadêmicas") estão entre as que mais rendem patentes, ou seja, ideias prontas para serem transformadas em produtos.
O governador "parece estar mal assessorado, mal informado ou ambos", disse à Folha o sociólogo Rodrigo Augusto Prando, professor do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas da Universidade Presbiteriana Mackenzie. "Os políticos usam e abusam de conhecimentos oriundos da sociologia em suas estratégias de campanha e suas ações públicas."
Para Prando, não se pode descartar a possibilidade de que o governador tenha "sutilmente" ironizado Fernando Henrique Cardoso, um do principais sociólogos do país e oponente do governador dentro do PSDB.
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O QUE É A FAPESP
Uma instituição pública de fomento criada em 1962 para financiar a inovação científica
DE ONDE VEM O DINHEIRO
A Fapesp recebe um percentual fixo de um 1% do total de impostos do Estado de São Paulo e, com esse dinheiro, concede bolsas a alunos e professores e arca com as despesas das pesquisas por ela selecionadas
AUTONOMIA
O órgão tem autonomia garantida por lei e seus dirigentes têm mandato fixo, o que significa que a influência do governo do Estado sobre a Fapesp é limitada
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